Valdenio Vieira/PR

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Outubro de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Em transmissão ao vivo, Bolsonaro distorce informações ao atacar Witzel e Globo

Por Amanda Ribeiro

30 de outubro de 2019, 17h05

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez uma transmissão ao vivo no Facebook na noite desta terça-feira (29) para rebater reportagem exibida cerca de uma hora antes pelo Jornal Nacional e que revelou citação ao seu nome na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL). Na live, ele distorceu fatos ao vincular o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, ao vazamento das informações à TV Globo e foi impreciso ao sugerir que a renovação da concessão pública da emissora carioca depende apenas da Presidência da República.

Segundo o Jornal Nacional, a investigação da polícia do Rio mostra que Élcio Queiroz se encontrou com outro acusado da morte da vereadora, Ronnie Lessa, no condomínio de Bolsonaro horas antes do crime. Ao chegar, ele disse que ia para a casa do presidente e teve a entrada autorizada por interfone por alguém na residência, de acordo com o porteiro.

Veja abaixo o que checamos:

1. Não é verdade que a Veja tenha atribuído ao governador do Rio, Wilson Witzel, a autoria dos vazamentos divulgados pelo Jornal Nacional. Em nota publicada na coluna Radar, a revista afirmou que Witzel tinha conhecimento prévio das provas que ligavam Bolsonaro ao assassinato de Marielle;

2. Diferentemente do que afirma Bolsonaro, não foi registrada a presença de Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada contra o presidente, na Câmara dos Deputados no dia do atentado. Como esclarecido na época pela Polícia Legislativa da Câmara, o registro foi, na verdade, erro de um dos recepcionistas;

3. Bolsonaro diz que a Globo tem que ser investigada por ter tido acesso a informação sob sigilo. No entanto, não há previsão de punição no Código Penal para jornalistas que publicam informações sigilosas;

4. A sentença que determina que Adélio cumpra pena em um hospital de custódia não indica que ele ficará preso lá “a vida toda”, como afirmou o presidente.

5. Bolsonaro é impreciso ao sugerir que pode cancelar a concessão pública da Rede Globo. Ainda que em grande parte a renovação dependa do Poder Executivo, a decisão precisa do aval do Congresso Nacional;

6. É verdade que Bolsonaro estava na Câmara dos Deputados no dia em que, segundo o porteiro afirmou à polícia, ele teria autorizado a entrada do acusado de assassinar Marielle em seu condomínio, no Rio de Janeiro;

7. Também é verdade que Bolsonaro participou de sessões de votação tanto no dia 13 quanto no dia 15 de março de 2018, data anterior e posterior ao suposto encontro com um dos assassinos de Marielle.

8. Como disse o presidente, de fato, Maria Aparecida Firmo Ferreira, avó da primeira-dama Michelle Bolsonaro, foi presa em flagrante e condenada a três anos de reclusão por tráfico de drogas em 1997.


FALSO

“Segundo a Veja, está publicado aqui, quem vazou esse processo para a Globo foi o seu governador [do RJ, Wilson] Witzel”

Não há publicação feita pela revista Veja que atribua ao governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), a autoria do vazamento de informações sobre o inquérito que investiga a morte da vereadora Marielle Franco. A única menção sobre o conhecimento de Witzel do caso foi encontrada por Aos Fatos em uma nota da coluna Radar, da última terça-feira (29). O texto afirma que o governador já sabia que o nome do presidente Jair Bolsonaro havia sido citado em provas colhidas pela polícia na investigação.

A nota atribui a uma fonte anônima a informação que “o governador não escondia a euforia com os fatos revelados nesta terça-feira pelo Jornal Nacional”. Não é mencionado em nenhum momento, no entanto, que Witzel teria sido o responsável por repassar as informações à TV Globo.

Nesta quarta-feira (30), o governador do Rio negou ter sido o autor do vazamento e disse que sequer havia tido acesso às investigações sobre o caso Marielle. “Eu jamais vazei qualquer tipo de documento. Sequer tive acesso a documentos que constam dessa investigação. E se esse documento vazou, como foi apresentado ontem [terça] numa emissora de televisão, que a Polícia Federal investigue e tome as providências”, afirmou.

Witzel disse ainda lamentar que o presidente o tenha acusado “num momento talvez de descontrole emocional, em que ele está numa viagem, não está talvez no seu estado normal” e disse esperar que Bolsonaro se retrate com “o povo do Estado do Rio de Janeiro”.


FALSO

Teve aquele caso que alguém tentou entrar com o nome dele [Adélio] na Câmara. O álibi perfeito.

A declaração, já repetida em outros momentos por Bolsonaro, é falsa e já foi esclarecida pela Polícia Legislativa da Câmara em 2018. De fato, foi registrada, em 6 de setembro de 2018, dia do atentado contra o presidente em Juiz de Fora (MG), a entrada de Adélio Bispo na Câmara dos Deputados. A marcação, no entanto, teria sido um erro do recepcionista, de acordo com explicação dada pelo diretor da Polícia Legislativa da Câmara, Paul Pierre Deeter.

Segundo Deeter, ao consultar no sistema uma eventual presença de Adélio na Câmara, o funcionário acabou registrando, por engano, sua entrada no prédio. A marcação foi feita quatro horas após o atentado, quando o agressor já havia sido preso pela polícia. Segundo o diretor, foi descartada, à época, a hipótese de má fé por parte do recepcionista.


INSUSTENTÁVEL

Rede Globo, vocês tiveram acesso a um processo que segue em segredo de Justiça. Vocês têm que ser investigados no tocante a isso.

Apesar de a legalidade de divulgação de documentos sigilosos já ter sido amplamente discutida pela Justiça, a Constituição protege a atuação do jornalista e o sigilo da fonte e não há, no Código Penal, nenhuma menção a crime praticado por repórteres que publiquem informações de processos e investigações que correm em segredo de Justiça.

O artigo 325 do Código Penal determina que é crime cometido por funcionário público contra a administração em geral “revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”. O delito tem previsão de pena de seis meses a dois anos de detenção, além de multa, caso não tenha sido praticada infração mais grave. O crime, portanto, teria sido cometido pelo funcionário que vazou os documentos, não pelo jornalista. Por isso, não caberia investigar a Globo.

Em decisão sobre a retirada do ar de uma notícia do Conjur sobre um processo que corria em segredo de Justiça, o ministro Celso de Mello afirmou que “A interdição judicial imposta (...) configura, segundo entendo, clara transgressão ao comando emergente da decisão que esta Corte Suprema proferiu, com efeito vinculante, na ADPF 130/DF”, que considerou a Lei de Imprensa incompatível com a Constituição Federal.

Mello ressaltou, ainda, que o artigo 325 do Código Penal — que pune servidores públicos — não pode ser usado para punir profissionais de imprensa, e que “a liberdade de manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de Estado democrático de direito e que não pode ser restringida, por isso mesmo, pelo exercício ilegítimo da censura estatal, ainda que praticada em sede jurisdicional”.


INSUSTENTÁVEL

O Adélio tá condenado a viver a vida toda num manicômio judicial.

Na sentença proferida pelo juiz federal Bruno Savino no caso de Adélio Bispo de Oliveira, autor do atentado contra Bolsonaro, não há nada que determine que ele deva passar a vida toda internado em um hospital de custódia.

A pena de prisão perpétua não existe no Brasil, e o Código Penal determina que o tempo máximo de encarceramento de um indivíduo é de 30 anos. Apesar de não haver menção específica às medidas de segurança — aplicadas àqueles considerados inimputáveis pela Justiça — na lei, há um entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) de que as previsões de pena se aplicam a elas da mesma maneira.

Na sentença de Adélio, é determinado pelo juiz que ele deverá ser internado em um hospital de custódia por tempo indeterminado, até que seja comprovado que não apresenta mais risco à sociedade. A primeira avaliação psiquiátrica deverá ser feita três anos depois da publicação da sentença. Por isso, é insustentável afirmar que Adélio ficará internado pelo resto de sua vida.


IMPRECISO

Vocês [TV Globo] vão renovar a concessão em 2022. Não vou persegui-los. Mas o processo vai estar limpo. Se não estiver limpo, legal, não tem renovação de vocês e de TV nenhuma.

O processo de renovação de concessão pública de radiodifusão tramita no Poder Executivo, como prevê a Constituição Federal, mas não compete apenas à Presidência da República decidir sobre a continuidade da permissão, como sugeriu o presidente nesta declaração. O Congresso Nacional também precisa dar aval à decisão.

Assim como outras emissoras da TV aberta, a concessão da Rede Globo deve ser renovada a cada 15 anos. A atual vence em 5 de outubro de 2022, mas o trâmite precisa ser iniciado um ano antes, como diz a lei nº 13.424. Portanto, a partir de outubro de 2021 a emissora deve dirigir um requerimento ao SERAD (Secretaria de Radiodifusão) do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações pedindo a renovação da permissão.

Finalizada esta etapa, o pedido vai para a Presidência da República. Caso o Palácio do Planalto determine o cancelamento da outorga, a decisão “dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal”, segundo a Constituição.

A lei prevê ainda que a emissora pode continuar operando “em caráter precário” caso o prazo de concessão expire antes que o governo decida sobre a renovação.


VERDADEIRO

Eu tenho registrado no painel eletrônico da Câmara presença às 17h41. Ou seja, 31 minutos depois da entrada desse cidadão. E tenho também 19h36.

É possível confirmar no site da Câmara que o então deputado federal Jair Bolsonaro esteve presente em sessões legislativas no dia 14 de março de 2018, data em que o porteiro do condomínio Vivendas da Barra disse que o agora presidente teria autorizado a entrada de um dos assassinos de Marielle Franco em sua casa. No entanto, os documentos de comparecimento ao Plenário apenas certificam a participação nas votações, mas não registram o horário exato em que congressistas de fato passam a participar das sessões.

De acordo com dados da Câmara, Bolsonaro registrou presença na sessão ordinária nº 34, que se estendeu das 14h às 20h33 do dia 14 de março de 2018. Assim, ele pode ter comparecido à Câmara em qualquer horário deste período.

Considerando que o deputado votou na sessão que escolheu a composição do Conselho da República, pode-se afirmar que ele esteve no prédio do Congresso Nacional entre as 17h24 e as 18h30, o que corrobora com a versão de que Bolsonaro estaria em Brasília no horário citado pelo porteiro. A contradição é apontada pela própria reportagem do Jornal Nacional.

A segunda etapa da votação da mesma sessão, que se deu entre 18h31 e 19h08, no entanto, não teve a participação de Bolsonaro. O parlamentar, no entanto, participou da análise do Requerimento nº 8239/2018, entre 19h35 e 20h33.


VERDADEIRO

E tenho também registrado no dia anterior, e no dia posterior, as minhas digitais nos painéis de votação.

De fato, Bolsonaro teve sua presença registrada na Câmara dos Deputados nos dias 13 e 15 de março de 2018, antes e depois do dia do assassinato de Marielle. No dia 13, o então deputado federal participou da Sessão Ordinária nº 32 e da Sessão Extraordinária n 33. Dois dias depois, o parlamentar compareceu à Sessão Extraordinária nº 36, de acordo com dados presentes no site da Câmara.


VERDADEIRO

A avó da minha esposa, que foi presa por tráfico. Foi presa, sim, por tráfico.

De acordo com reportagem da Veja baseada em documentos da 1ª Vara de Entorpecentes e Contravenções Penais do Distrito Federal, Maria Aparecida Firmo Ferreira, avó da primeira-dama Michelle Bolsonaro, foi presa em flagrante em 1997 por tráfico de drogas. Ferreira, denunciada à polícia por fonte anônima, carregava em uma sacola, na ocasião, 169 “cabecinhas de merla”, um subproduto da cocaína, além de dois relógios e dezesseis vales-transporte. Levada à delegacia, ela confessou o crime.

À época com 55 anos e conhecida como “Tia”, Ferreira tinha como principal atividade a venda de drogas na região central de Brasília. Apesar de ter inicialmente confessado o crime, ela mudou de versão durante o julgamento e afirmou que confessara ser sua a sacola com drogas por pressão da polícia. Desmentida por testemunhos de clientes, no entanto, a avó da primeira-dama acabou condenada a três anos de reclusão.

Colaborou Luiz Fernando Menezes.

Referências:

1. Veja (Fontes 1 e 2)
2. Folha de S.Paulo (Fontes 1 e 2)
3. Aos Fatos
4. Planalto (Fontes 1, 2 e 3)
5. Conjur (Fontes 1 e 2)
6. STF (Fontes 1, 2 e 3)
7. O Antagonista
8. Ministério da Ciência e Tecnologia
9. Câmara (Fontes 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8
10. G1


Este texto foi atualizado às 18h20 do dia 31 de outubro de 2019 para corrigir a data de vencimento da concessão da Globo. O contrato vai até o dia 5 de outubro de 2022 e não 15 de abril de 2023, conforme informado anteriormente.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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