Manuella Brandolff/Palácio Piratini

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Dezembro de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Relatório da USP cita desinformação entre causas de rejeição à vacina anti-HPV no Acre

Por Amanda Ribeiro

2 de dezembro de 2019, 12h21

Não foi a vacina contra o HPV, mas fatores emocionais e socioeconômicos que provocaram reações adversas em ao menos 12 adolescentes do Acre que receberam a imunização, aponta relatório do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo). A investigação, conduzida ao longo de nove meses por 17 profissionais de saúde, concluiu que convulsões, dores no corpo e outros sintomas relatados pelos jovens podem ter sido desencadeados por desinformação, como a crença em teorias antivacina, e pela situação econômica dos pais.

Em setembro deste ano, Aos Fatos mostrou como um grupo de parentes de cerca de 70 adolescentes acreanos criou uma rede de desinformação no Facebook sobre a vacina contra o HPV após julgarem que a imunização trouxe efeitos colaterais. À época, os 16 adolescentes que relataram sintomas mais graves foram convocados para uma bateria de exames no Hospital das Clínicas para identificar a origem do problema e determinar possível tratamento. Desse total, quatro jovens ainda não foram submetidos aos testes.

No relatório, a equipe médica constatou que 10 dos 12 adolescentes avaliados até o mês de outubro não tinham epilepsia ou qualquer questão neurológica de natureza orgânica — ou seja, causada por alterações no sistema nervoso — que pudesse levar ao surgimento de convulsões. Eles receberam o diagnóstico de crises não epilépticas de origem psicogênica — nome dado a episódios convulsivos causados por fatores emocionais. Os outros dois, que são irmãos, foram diagnosticados com epilepsia de origem genética.

Em apresentação do relatório sobre o grupo de adolescentes feita na Comissão de Seguridade Social e Família na Câmara dos Deputados no dia 20 de novembro, membros da equipe do Hospital das Clínicas detalharam os exames a que os jovens foram submetidos. O principal deles foi o videoeletroencefalograma, que observou o funcionamento do cérebro de cada um deles durante cerca de 300 horas. Com as ondas cerebrais verificadas inclusive durante períodos de crise, foi possível determinar que dez adolescentes não tinham convulsões causadas por epilepsia.

Casos de doença psicogênica em massa relacionados à vacinação não são recentes. Em 2014, dez meninas foram internadas em Bertioga (SP) após a imunização contra o HPV com relatos de dores no corpo e de cabeça e até mesmo paralisia. À época, foi constatado que os sintomas também eram de fundo psicológico. História semelhante, mas com número muito maior de vítimas, ocorreu na Colômbia em 2014.

Na Câmara dos Deputados, a psiquiatra Inah Carolina Proença apresentou alguns aspectos do diagnóstico emocional dos adolescentes, como o fato de que eles tiveram contato uns com os outros — o que facilitaria a disseminação dos sintomas — e que tinham disfunções familiares ligadas a renda, saúde, educação e negligência parental.

De acordo com o relatório, todos os jovens foram superprotegidos pela família, e parte deles lidava com privações materiais e financeiras, além de problemas ligados ao desemprego dos pais. Para os médicos, os problemas estruturais em casa podem ter gerado questões emocionais e psicológicas, agravadas pelo estresse da imunização. Crenças contrárias à vacinação e a desinformação difundida pelos parentes no Facebook sobre o caso também podem ter contribuído para a piora dos quadros.

Antivacina. Em um trecho do relatório, a equipe médica da USP menciona a importância de promover esclarecimentos sobre os efeitos da vacina contra o HPV por meio da mídia e das redes sociais.

De acordo com o estudo, “ficou evidente que tantos os pacientes, como seus familiares, estão bastante influenciados pelas informações disponíveis pelas redes sociais e grandes mídias. As crenças antivacinais são propagadas intensamente através de centenas de mensagens semanais, o que exige do Ministério da Saúde estratégias tecnológicas e de conteúdos que possam neutralizar os efeitos nocivos dessas influências”.

Também foi apontado que a condição dos adolescentes no momento de aplicação da vacina não foi a ideal. Alguns deles foram vacinados em escolas e esperaram em filas. Segundo os especialistas, a ansiedade da espera e o contato com colegas que podem eventualmente ter se sentido mal logo após a vacinação teriam estimulado a reação psicogênica. Em alguns casos, houve ainda imposição ao recebimento da vacina, porque, como outras imunizações, ela é condição obrigatória para a manutenção de benefícios sociais como o Bolsa Família.

Por fim, segundo o relatório, ao apresentarem os sintomas, os jovens teriam sofrido com a hostilidade de profissionais de saúde, que duvidavam do que eles sentiam e os caracterizavam como “pacientes que não têm nada”, que podiam “levantar e ir para casa”.

O fato de os sintomas terem fundo emocional não quer dizer que os adolescentes não estão doentes, segundo disse em comissão na Câmara a psiquiatra Inah Carolina Proença. As convulsões não epilépticas psicogênicas são um problema médico, com sintomas involuntários e resultado “de sofrimento interno muito grande que o próprio paciente não tem recurso emocional para externar”. Ela ressaltou ainda que os sintomas podem ter sido causados pelo estresse no ato da vacinação e foram piorando com o tempo, já que o lapso temporal até o diagnóstico chegou a cinco anos, em alguns casos.

O problema é tratável e geralmente tem seu procedimento terapêutico ancorado no trabalho de uma equipe médica extensa, que envolve clínicos gerais, psiquiatras, psicólogos e neurologistas, que devem atuar para eliminar qualquer suspeita de causa biológica, segundo o Hospital das Clínicas. Não seriam necessários medicamentos, apenas acompanhamento psicológico.

O relatório da USP também propõe a realização de intervenções socioeducativas nas escolas que ajudem a capacitar professores e funcionários para lidar com alunos que manifestam as crises. Também é indicado um trabalho de profissionalização dos pais desempregados dos jovens que pudesse contribuir para uma melhora na renda e nas condições socioeconômicas das famílias.

Pais reagem. O diagnóstico da USP não foi bem aceito pelas mães dos adolescentes que passaram pela investigação. Bruna Alita, mãe de S., uma das jovens que apresenta episódios convulsivos, afirma que o resultado não faz sentido. “Não são crises psicogênicas. Eles falaram que quando a gente vir as meninas tendo crise, é para deixar elas caídas no chão, não dar importância. Eles estão alegando que é porque o estado é pobre, porque as mães estão usando isso, que as meninas se conheciam… Várias coisas que não têm sentido”.

A coordenadora do núcleo do PNI (Programa Nacional de Imunizações) no Acre, Renata Quiles, afirma que as atenções hoje estão voltadas para o combate à desinformação no estado. A difusão de informações falsas, segundo ela, vem afetando os índices de cobertura vacinal de maneira generalizada.

“Querendo ou não, [o caso] acabou influenciando a procura por outras vacinas. Eu, pessoalmente, em uma ação de vacinação, me deparei com uma mãe que tinha o filho com as vacinas em atraso e ela reportou que o medo que a vacina HPV estava causando fez com que não vacinasse o filho para outros imunobiológicos”, afirmou.

Quiles disse ainda acreditar que o diálogo seja a melhor abordagem para vencer a resistência dos pais dos jovens. “Acredito que se elas [mães] forem ouvidas, seus anseios esclarecidos, se o Estado tomar posse de ofertar um suporte a elas, elas estarão, sim, abertas a todas as possibilidades que envolvam a cura das meninas. Desde que nós possamos ouvi-las e dar valor aos seus anseios, elas se sentirão protegidas.”

Referências:

1. Aos Fatos
2. Câmara
3. Instituto de Neurologia Funcional
4. G1 (Fontes 1 e 2)
5. Veja
6. Ministério da Cidadania

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