🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Julho de 2018. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Notícia falsa que relaciona pedófilos a LGBTs foi importada dos EUA

Por Bernardo Moura

16 de julho de 2018, 20h06

Não é verdade que “Pedófilos pedem para serem aceitos por ‘comunidade’ LGBT”, como sustentam publicações dos sites Terça Livre, Expresso Diário e Portal Livre que foram denunciadas como notícia falsa por usuários do Facebook (entenda como funciona). Publicados na sexta-feira (13), os posts já acumularam, juntos, quase 6.000 compartilhamentos na rede social até a noite desta segunda-feira (16), tendo sido replicados por ao menos nove páginas diferentes do Facebook, inclusive a do deputado federal Victório Galli (PSL-MT).

As postagens são uma versão traduzida em português de uma notícia falsa que ganhou força nas redes sociais nos EUA na semana passada. Os textos afirmam que os pedófilos agora se intitulam MAP — sigla que, em inglês, quer dizer “pessoa atraída por menores” (Minor-Attracted Person) — para serem aceitos entre LGBTs (termo usado para designar pessoas lésbicas, gays, bissexuais ou transsexuais). Na versão norte-americana do boato, circulou ainda a imagem de uma bandeira que teria sido criada por pedófilos “para participar de eventos do Orgulho Gay”.

Entretanto, nenhuma dessas informações é verdadeira. O termo MAP foi criado por uma organização norte-americana que auxilia pedófilos em busca de tratamento como uma forma de classificar os pacientes, e não “para ganhar aceitação” do movimento em 2018. Já a foto da suposta bandeira, publicada nos sites dos EUA, é falsa e teria aparecido pela primeira vez em um Tumblr, como verificou em checagem na semana passada o Snopes, site norte-americano de fact-checking.

A versão brasileira cita textualmente, mas não mostra a bandeira. À diferença das outras, é composta, ainda, por uma declaração atribuída há cinco anos e meio a um advogado norte-americano e por citação ao filósofo Olavo de Carvalho, que não foi identificada por Aos Fatos.

Além do Terça Livre e da página oficial do deputado federal Victório Galli — que apagou o post posteriormente —, este conteúdo também foi compartilhado nas páginas de Facebook Canal da Direita, Direita Potiguar, Direita Paraíba, Mães pelo Escola Sem Partido, Garota de Direita, Operação Pró-Bolsonaro 2018, Bolsonaro 2018 Voto Impresso e Jair Messias Bolsonaro - o Mito dos Mitos, como identificou busca pela ferramenta Crowdtangle.

Confira abaixo, em detalhes, o que verificamos.


FALSO

Pedófilos pedem para serem aceitos por ‘comunidade’ LGBT

Assinada por Fernanda Salles, a postagem do Terça Livre é a tradução de um texto publicado no último dia 12 pelo site espanhol La Republica. Neste último, porém, não há qualquer menção de autoria. No Expresso Diário, o conteúdo também foi publicado sem assinatura.

O mesmo texto havia sido publicado, em inglês, pelo site britânico Attitude em 11 de julho. Esse, por sua vez, repercutiu postagem do site norte-americano Daily Caller, que, dias antes, em 9 de julho, alardeou a criação de uma suposta bandeira pedófila para ser agregada às já existentes no movimento LGBT. A fonte era um tweet de 28 de junho.

Essa imagem, porém, é falsa. Ela foi vista a primeira vez em um Tumblr, como pôde verificar o site de fact-checking norte-americano Snopes em reportagem publicada na última sexta-feira (14). O perfil alegava ser sustentado por um apoiador da causa MAP, supostamente pedófilo (veja no print abaixo). Entretanto, após a repercussão, a página foi alterada de forma a parecer humorística e, agora, com novo nome, afirma pertencer a um “psicólogo em treinamento”.

Os sites Terça Livre e Expresso Diário não mostram a imagem da bandeira em seus posts, mas citam no texto que pedófilos "até criaram uma bandeira estilo 'Orgulho' para participar de eventos do Orgulho Gay".

A postagem do Daily Caller — que serviu de base para as versões posteriores, inclusive as do Terça Livre e do Expresso Diário — também trazia relatos que teriam sido colhidos no site do The Prevention Project, que seria uma organização de Utah, nos EUA. Na internet, ela afirma ajudar pessoas com transtornos psicológicos, como a pedofilia, a encontrar tratamento profissional. Aos Fatos não conseguiu contatar os responsáveis pela entidade.

Em seu site, The Prevention Project diz oferecer "uma consulta psico-educacional semanal em grupo para homens e mulheres de todo o mundo que têm atração por menores sem o menor desejo de causar danos de qualquer maneira". Descreve ainda usar "um currículo específico que inclui redução/resiliência à vergonha, redes de apoio positivas, níveis e meios de responsabilização contínua, exploração de atrações, aspectos necessários para viver um estilo de vida relativamente 'normal' dentro do paradigma de alguém e muito mais". Procurados por e-mail por Aos Fatos, os responsáveis pelo The Prevention Project não responderam até a tarde de terça-feira (17).

O termo MAP — sigla em inglês para Minor-Attracted Person (pessoa atraída por menores) — teria sido, de fato, cunhado pela ONG. No entanto, o objetivo, segundo texto publicado no site da organização, não era o de “renomear” pedófilos ou “suavizar” a pedofilia em nome de aceitação pela comunidade LGBT em 2018, mas o de criar uma referência clínica mais ampla que pudesse não só abranger pessoas identificadas como pedófilas (maiores de idade atraídos por crianças), mas também as hebéfilas (indivíduos atraídos por pré-adolescentes) e as efebófilas (adultos que se sentem atraídos por adolescentes).

Declaração de 2013. À diferença das versões em inglês e espanhol, o texto publicado pelo Terça Livre e pelo Expresso Diário traz ainda uma declaração de Brad Dacus, presidente do Instituto de Justiça do Pacífico, em que ele diz: “a linguagem é tão ampla e vaga que pode incluir todas as formas de orientação sexual, incluindo a pedofilia”.

Essa frase, porém, foi retirada do contexto em que teria sido proferida, há cinco anos e meio. Aos Fatos identificou que a declaração remonta a um texto de 12 de fevereiro de 2013 do site Rethink Society — hoje fora do ar — em uma reação à tentativa de federalização de uma lei do Estado da Califórnia que proíbe terapias de aconselhamento para mudar a orientação sexual de LGBTs.

Apesar de o site, identificado com a direita norte-americana, dizer que a lei abriu brecha para o reconhecimento da pedofilia como orientação sexual, não há nada no texto original da legislação que sequer aponte para isso.

Brad Dacus é, de fato, presidente do Instituto de Justiça do Pacífico, e foi assessor do ex-senador pelo Partido Republicano do Texas Phill Gramm. Sua organização afirma ser especializada na defesa da liberdade religiosa e dos direitos parentais.

Em seus posts, o Terça Livre e o Expresso Diário acrescentam ainda uma citação que é atribuída ao filósofo Olavo de Carvalho: “o coletivo tenta afirmar que os pedófilos são pessoas incompreendidas e que não devem ser marginalizadas”. E, ao fim do texto, arremata: “Olavo tinha razão”. Aos Fatos não conseguiu localizar, textualmente, a frase que seria do filósofo.

Nesta segunda-feira (16), Aos Fatos tentou entrar em contato com o Terça Livre e a autora do post, Fernanda Salles, e também com o Expresso Diário, mas não obteve respostas até a publicação desta checagem.

Em um vídeo postado na página do Terça Livre no Facebook nesta segunda, intitulado “Movimento pedófilo é fake news?”, Fernanda Salles reafirma informações da notícia falsa usando dados que não estão contidos na postagem que Aos Fatos checou. O vídeo já acumula mais de 5.800 compartilhamentos na página do Terça Livre e também foi replicado 1.338 vezes na página Somos Todos Bolsonaro no Facebook, segundo a ferramenta de monitoramento Crowdtangle.

Deputado repercute. “BANDIDOS NÃO TOCARÃO EM NOSSAS CRIANÇAS. Não, definitivamente NÃO. Um sonoro ‘NÃO’ com todas as minhas forças. Pedófilos precisam ser presos e de lá não saírem mais. Chega de ideologismo e complacência com criminosos”, publicou no último sábado (14) o deputado federal Victorio Galli, do PSL (Partido Social Liberal) de Mato Grosso, ao compartilhar a notícia falsa do Terça Livre.

Com a postagem, o parlamentar — que é aliado da família Bolsonaro — angariou 188 compartilhamentos até o início da noite desta segunda-feira (16).

Questionado por Aos Fatos, o deputado respondeu, por meio de sua assessoria, que “a fonte da notícia nos pareceu confiável. Quando o assunto é fake news, grandes veículos de imprensa nacionais são especialistas, compartilham e disseminam sem nenhum constrangimento”.

A assessoria do deputado federal afirmou ainda que: “está na agenda do ativismo neomarxista transformar o pedófilo de criminoso em um doente inimputável. E temos material compartilhado pela página Humaniza Redes neste sentido, além de reprodução de vídeo de psicólogo ligado ao ativismo LGBT falando exatamente nessa linha”. Ressaltou também que “o Galli entende que a descriminalização da pedofilia esteja de fato na agenda ideológica da esquerda”.

Por fim, a assessoria do parlamentar disse que estava aguardando uma posição oficial do site que produziu a notícia: “já fizemos contato. Após esse pronunciamento, iremos tomar as medidas: seja pela exclusão [do conteúdo] ou por uma retratação”. O post foi retirado do ar cerca de uma hora após o envio da resposta do deputado a Aos Fatos, na noite de segunda-feira (16).

Além dele, outras páginas identificadas com a direita e em apoio à candidatura presidencial de Jair Bolsonaro também disseminaram o conteúdo enganoso do Terça Livre e do Expresso Diário: Canal da Direita, Direita Potiguar, Direita Paraíba, Mães pelo Escola Sem Partido, Garota de Direita, Operação Pró-Bolsonaro 2018, Bolsonaro 2018 Voto Impresso e Jair Messias Bolsonaro - o Mito dos Mitos. O Facebook contabiliza, ao todo, quase 6.000 compartilhamentos desses dois posts.

Essa não foi a primeira vez que integrantes da família Bolsonaro e seus apoiadores disseminam conteúdo falso relacionando a pedofilia ao movimento LGBT. Nesta segunda-feira (16), o site BuzzFeed mostrou que era falsa uma imagem compartilhada pelo vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSL) em que a letra “P” teria sido acrescentada à sigla LGBT com o significado de “pedossexual”, classificado como um termo suavizado para pedofilia. A foto circulava em fóruns da internet ao menos desde o ano passado. Além do filho de Bolsonaro, o conteúdo foi compartilhado nas redes sociais pelo perfil do pai, Jair, pré-candidato à Presidência da República pelo PSL, e pelo apresentador do SBT Danilo Gentili.


*Este conteúdo foi alterado às 13h13 de terça-feira (17) para inclusão de informação e hiperlink sobre citação textual dos sites Terça Livre e Expresso Diário à falsa bandeira atribuída a pedófilos.

*Este conteúdo foi alterado às 13h27 de terça-feira (17) para inclusão de mais informações sobre o escopo do The Prevention Project e sobre o pedido de entrevista feito por Aos Fatos à organização.

*Este conteúdo foi alterado às 14h08 de terça-feira (17) para inclusão de menção à postagem do Jornal Livre, que reproduz o mesmo texto checado por Aos Fatos.

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