Isaac Fontana/Frame Photo/Estadão Conteúdo e Clauber Cleber Caetano/PR

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Maio de 2022. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Lula e Bolsonaro contrariam dados em declarações sobre a inflação no Brasil

Por Amanda Ribeiro e Priscila Pacheco

30 de maio de 2022, 12h50

Pré-candidatos que lideram as pesquisas presidenciais, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) têm citado informações falsas e dados distorcidos ao comentar a escalada de preços no Brasil. Em declarações recentes, o ex-presidente exagerou ao falar dos resultados de governos petistas no controle da inflação e tomou como seus resultados da gestão Dilma Rousseff (PT). Já o atual mandatário fez comparações indevidas para minimizar a alta de preços e foi impreciso ao atribuir o problema apenas à pandemia e à guerra na Ucrânia.

Em abril, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial de inflação, chegou a 12,13% no acumulado em doze meses, maior alta para o período desde outubro de 2003 e distante da meta de 3,5% estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) para o ano.

Veja abaixo o que checamos:

  1. Luiz Inácio Lula da Silva
  2. Jair Bolsonaro

LULA


Selo falso

O que causa 50% da inflação hoje no Brasil são preços administrados pelo governo. - em postagem no Twitter (3/5).

Os preços administrados por governos foram responsáveis por 27% da inflação registrada em abril, último dado disponível, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e não 50%, como postou o ex-presidente Lula (PT) no Twitter. Em março, o peso desse grupo alcançou 26,6% do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial de inflação do país.

Esta categoria reúne produtos e serviços cujos preços são regulados ou autorizados pelo poder público, como é o caso da energia elétrica e planos de saúde.

Os preços dos derivados de petróleo foram desregulados em 2002, mas continuam sendo incluídos no grupo de preços administrados. Isso ocorre porque a Petrobras, cujo acionista majoritário é a União, produz a maior parte do petróleo e seus derivados consumidos no Brasil.

Atualmente, 23 bens e serviços monitorados pelo IBGE são administrados por governos federais, estaduais ou municipais. Entre esses itens, os que mais pesaram no IPCA de abril foram da alçada federal – gasolina e energia elétrica responderam por 6,7% e 4,9% do IPCA, respectivamente.


Selo falso

A era Lula foi responsável pelo maior poder de compra do trabalhador na história do Brasil.” - postagem em canal oficial no Telegram (11/5)

A alegação do petista de que o poder de compra do brasileiro teve seu melhor momento da história durante seus dois mandatos é contrariada por informações de órgãos oficiais. Um boletim regional do BC (Banco Central) de janeiro de 2015 concluiu que esse auge se deu entre julho de 1954 e julho de 1965, não entre 2003 e 2010, quando Lula governou.

Para chegar ao dado, os autores do estudo usaram valores ajustados do salário mínimo em reais, corrigidos pela inflação medida pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), entre julho de 1940 e janeiro de 1944, pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), entre janeiro de 1944 e janeiro de 1948, pelo Ministério do Trabalho, de janeiro de 1948 a março de 1979, e pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de março de 1979 até 2015.

Segundo o estudo, em janeiro de 2015, o poder de compra no país estava no maior patamar desde agosto de 1965. O documento concluiu ainda que a tendência de melhora foi observada na gestão Lula, mas seu pico recente se deu no mandato de Dilma Rousseff.

O salário mínimo foi instituído em 1940 pelo presidente Getúlio Vargas, e desde então o seu poder de compra passou por oscilações. Após uma década bem cotado, entre julho de 1954 e julho de 1965, o salário perdeu força durante a ditadura militar, trajetória de queda revertida com o Plano Real, em 1994.


Selo nao_e_bem_assim

Nós [governos do PT] mantivemos a inflação controlada dentro da meta de 4,5%.. - em aula magna na Unicamp (5/5).

A declaração de Lula (PT) é exagerada pois em 2015, último ano completo de Dilma Rousseff (PT) na Presidência, a inflação medida pelo IPCA foi de 10,67%, acima do teto da meta estabelecida pelo governo (6,5%).

No Brasil, as metas de inflação são definidas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), colegiado composto por membros do Banco Central e do Ministério da Economia, e consistem em um intervalo – há o centro da meta e uma faixa de tolerância para mais e para menos.

As metas em 2003 (8,5%) e 2004 (5,5%) foram ajustadas com margem de tolerância de 2,5 pontos percentuais. Nesses dois anos, a inflação foi de 9,3% (2003) e 7,6% (2004). De 2005 em diante, o centro da meta foi de 4,5%, com dois pontos de margem.

O IPCA ficou abaixo do centro da meta em 2006 (3,14%), 2007 (4,46%) e 2009 (4,32%), e acima do centro em 2005 (5,69%), 2008 (5,9%) e de 2010 a 2014. Em 2015, impulsionada pelas altas na energia elétrica e nos combustíveis, a inflação superou o teto.

Em 2016, ano em que Dilma governou somente por alguns meses devido ao impeachment, a inflação também não ultrapassou o teto. Atualmente, a meta é de 3,5%, com margem de erro de 1,5 ponto porcentual. A inflação acumulada neste ano já é superior a meta. De janeiro a abril, o IPCA soma alta de 4,29%.

BOLSONARO


Selo falso

O Brasil foi um dos países que menos subiu o preço das coisas - em encontro com apoiadores (11/5).

É FALSO que a alta de preços no Brasil foi muito menor do que a verificada em outros países, como diz o presidente Jair Bolsonaro (PL). Um relatório divulgado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em abril de 2022 pôs o Brasil em quarto entre os maiores índices de inflação nas 20 maiores economias do mundo nos últimos 12 meses, atrás de Turquia (61,1%), Argentina (55,1%) e Rússia (16,7%), com base em dados de março de 2022.

A agência de classificação de risco Austin Rating, ao medir os índices de alta de preços em 23 países que representam 81,2% do PIB global, chegou ao mesmo resultado. Já de acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), a inflação no Brasil teve crescimento superior ao registrado nas maiores economias emergentes da América Latina — grupo no qual também estão Colômbia, México, Chile e Peru.


Selo falso

Então um quilo de picanha [no Canadá], R$ 100, 20 dólares [canadenses] (...). Inclusive, no Brasil, quanto tá o quilo de carne, de picanha, no Brasil aqui? Tá menos da metade do preço que tá lá fora - em encontro com apoiadores (11/5).

O argumento do presidente Jair Bolsonaro (PL) é enganoso, pois esse tipo de comparação não deve considerar apenas a conversão da moeda, mas também o nível de renda da população.

Segundo Paulo Feldman, professor de economia da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo), e Alex Agostini, economista-chefe da consultoria Austin Ratings, a comparação adequada deveria ser feita por meio do impacto do produto no orçamento das famílias. Isso porque, apesar do custo de vida no Canadá ser mais alto em relação ao Brasil, em valores absolutos, a renda da população canadense também é maior.

No Brasil, a renda média mensal é de R$ 2.548, e, no Canadá, de R$ 22.035 (equivalente a 5.566 dólares canadenses em 11 de maio, data do comentário de Bolsonaro).

Segundo o Instituto de Economia Agrícola de São Paulo (IEA-SP), o preço médio do quilo de picanha no varejo é de R$ 69,63. Quem recebe um salário mínimo — R$ 5,51 por hora, segundo o governo — teria que trabalhar 12,63 horas para bancar o corte bovino.

Embora a picanha não conste entre os cortes de carne bovina com preços medidos pelo Escritório Nacional de Estatísticas do Canadá, Aos Fatos encontrou o corte vendido por preços que variam entre 24,23 (no açougue PavaoToGo) e 29,89 dólares canadenses (na rede Costco). O salário mínimo por hora é de 15,55 dólares canadenses, ou seja, seria necessário entre uma e duas horas de expediente remunerado para adquirir o produto.


Selo nao_e_bem_assim

A crise realmente não é do Bolsonaro, ela é mundial em virtude do ‘fica em casa que a Economia a gente vê depois’ e da guerra entre a Rússia e a Ucrânia - em tweet (14/5).

Bolsonaro exagera ao desconsiderar fatores internos e dizer que a alta de preços ocorreu apenas por causa da pandemia de Covid-19 e da guerra entre Rússia e Ucrânia. Economistas ouvidos por Aos Fatos citam ainda instabilidade política, perda de credibilidade do governo e problemas estruturais como fatores que contribuem para a escalada da inflação.

Um panorama fiscal publicado em dezembro do ano passado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) citou que a percepção de risco fiscal elevada, agravada pelas contas públicas deficitárias, representava um fator negativo para o ritmo de crescimento da economia e contribui para a desvalorização do real.

Em 2021, a moeda brasileira foi a 12ª que mais se desvalorizou, repetindo o desempenho negativo do ano anterior. Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, lembra que diversos produtos consumidos no Brasil são sensíveis à variação cambial, como os combustíveis, mas também há participação dos preços de serviços e dos preços administrados pelo governo.

Agostini também pondera que as limitações na infraestrutura logística contribuem para que os preços subam rapidamente em momentos de escassez de produtos ou expansão da demanda — como, por exemplo, a falta de containers para transporte e de silos para estocar grãos. A baixa produtividade da indústria, que aumenta custo de produção e dependência de importações em dólar, também é citada como um fator de alta de preços para os economistas consultados por Aos Fatos.

É fato, porém, que as questões globais influenciam na alta de preços. Feldman comenta que o setor industrial foi afetado diretamente pela pandemia de Covid-19, o que gerou escassez de peças utilizadas em eletrônicos e automóveis e pressionou os preços, pela alta demanda. A guerra entre Rússia e Ucrânia diminuiu a oferta das commodities, produtos de origem agropecuária ou mineral pouco ou nada industrializados, em especial as energéticas e agrícolas, segundo o Banco Mundial.

Referências:

1. IBGE (Fontes 1, 2, 3 e 4)
2. Banco Central (Fontes 1, 2 e 3)
3. Biblioteca Nacional
4. CNN Brasil
5. Senado
6. Folha de S. Paulo (Fontes 1, 2 e 3)
7. Agência Brasil
8. Extra
9. G1 (Fontes 1 e 2)
10. OCDE
11. Poder 360 (Fontes 1 e 2)
12. Statiscs Canada (Fontes 1 e 2)
13. Exame
14. IPEA
15. Tesouro Nacional
16. Aos Fatos
17. BBC Brasil (Fontes 1 e 2)
18. Nexo Jornal
19. Governo do Canadá
20. Ministério da Economia (Fontes 1 e 2)
21. Estadão (Fontes 1 e 2)
22. Veja
23. Austin Rating
24. FMI
25. PavaoToGo
26. InstaCart
27. CNT
28. Valor Econômico

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