Luiz Fernando Menezes/Aos Fatos

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Julho de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Com público infantojuvenil, iFunny dissemina neonazismo e é investigado por racismo

Por Gisele Lobato

27 de julho de 2023, 11h35

Rede social de memes popular entre adolescentes, o iFunny passou de um espaço de compartilhamento de conteúdo humorístico a um antro de publicações preconceituosas e de divulgação de ideias extremistas. Além dos posts racistas e machistas que circulam sem moderação, neonazistas têm usado a plataforma para disseminar discurso de ódio e divulgar links para grupos de mensagens.

  • O Aos Fatos identificou perfis neonazistas que utilizam o iFunny para divulgar links para uma comunidade no Telegram, onde são postados vídeos enaltecendo Adolf Hitler;
  • Um dos posts usa dados sobre a população de judeus no mundo para questionar a existência do holocausto e traz ícone com o slogan neonazista “never lose your smile”;
  • Outros conteúdos antissemitas se utilizam da linguagem dos memes e de personagens do universo infantojuvenil para disseminar mensagens de ódio;
  • Também foram encontradas páginas simpatizantes do integralismo — ideologia de orientação fascista que foi forte no Brasil nos anos 1930.

Ódio contra judeus. Imagem antissemita no iFunny usa personagens de desenho animado para divulgar grupo neonazista no Telegram (Reprodução)

O discurso neonazista e neofascista é apenas o extremo de uma comunidade onde diversos tipos de conteúdos preconceituosos vêm ganhando espaço e colocaram a rede social na mira das autoridades.

  • O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania informou que registrou, pelo Disque 100, três denúncias contra o iFunny entre o primeiro semestre de 2020 e o último dia 15;
  • O ministério encaminhou as denúncias para apuração dos órgãos competentes;
  • Segundo o MPF (Ministério Pùblico Federal), existe atualmente ao menos um procedimento aberto no país, em São Paulo, que envolve o iFunny e racismo;
  • A investigação da procuradoria está sob sigilo;
  • O Aos Fatos também procurou a Polícia Federal e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, que não responderam até a publicação deste texto.

Tags adotadas na plataforma ajudam a amplificar o discurso racista. Ao pesquisar por “senzala”, por exemplo, foi identificada uma amostra de memes que relacionam pessoas negras à escravidão.

Racismo. Conteúdo racista é impulsionado através de tags preconceituosas, incluindo uma que relaciona pessoas negras à escravidão (Reprodução)

O ódio contra pessoas LGBTQIA+ e mulheres também é comum. Na seção “girls” (garotas) do iFunny, o Aos Fatos chegou a flagrar um vídeo no qual uma jovem era agredida por um homem. Outras publicações questionam a inteligência das mulheres ou fazem ataques ao feminismo.

Misoginia. Posts no iFunny evocam linguagem dos memes e cultura pop para disseminar discurso machista (Reprodução)

Com 10 milhões de downloads no Google Play, o iFunny existe desde 2011 e pertence à FunCorp, empresa baseada no Chipre. Seu número de usuários, porém, pode ser maior, já que todo conteúdo pode ser acessado pelo navegador, sem que seja preciso fazer download ou criar uma conta. Por causa da visibilidade, a própria rede estimula seus usuários a adotarem pseudônimos.

As regras da empresa dizem que não é permitido postar conteúdos criminosos, incluindo ofensas, ameaças, violência, discriminação e pornografia. A norma, porém, é sistematicamente violada, e os crimes podem ser encontrados já nos conteúdos destacados pelo aplicativo, como é o caso de uma fotografia que liga a imagem de uma criança negra a um macaco.

Nos Estados Unidos, o iFunny já foi notícia por ser usado por extremistas brancos e neonazistas, que se aproveitaram da cultura dos memes para disseminar discurso de ódio. A plataforma também foi usada para promover ameaças de ataques em massa por supremacistas, enaltecer um terrorista que cometeu um atentado em uma mesquita e até fazer enquete sobre um plano — real — para assassinar o presidente Joe Biden. Em 2019, uma investigação do BuzzFeed News ouviu moderadores da plataforma, que relataram não apenas a radicalização dos usuários, mas também a conivência dos administradores com os abusos.

Procurada pelo Aos Fatos, a empresa afirmou que leva suas obrigações legais “muito a sério” e que sua moderação de conteúdo é feita em vários níveis, incluindo sistemas automatizados de inteligência artificial, revisão humana de posts denunciados e análise independente. “Quando um conteúdo que viola nossas políticas é identificado, buscamos removê-lo o mais rápido possível”, declarou a companhia, que não comentou as violações identificadas pela reportagem.

DENÚNCIAS DE PORNOGRAFIA INFANTIL

Na segunda semana de julho, usuários do iFunny recorreram às redes para denunciar que o aplicativo estaria passando por uma explosão de pornografia infantil. O conteúdo ilegal estaria circulando de forma explícita, na forma de posts, e também por meio de links publicados em comentários e chats.

“Que porra é essa que estão postando CP [sigla para child porn, pornografia infantil] no meu app de racismo”, diz texto sobre uma foto de gatinho distribuída no iFunny.

Postadas majoritariamente entre os dias 12 e 17 de julho, as queixas sobre a disseminação de conteúdo com abuso de menores podem ser encontradas não apenas na plataforma, mas também nas avaliações do aplicativo no Google Play e no perfil no Twitter do “iFunny Chefe” — usuário anônimo que supostamente atua na comunicação da empresa no Brasil. Segundo relatado pelos membros da comunidade, mesmo posts denunciados não estavam sendo removidos. O Aos Fatos não conseguiu verificar a veracidade das denúncias.

Avaliação de 15 de julho atribui uma estrela ao iFunny e afirma que aplicativo tem comunidade tóxica e administração incompetente, que permite circulação de pornografia infantil e conteúdos violentos
Ultraje. Usuários recorreram à página do iFunny na loja de aplicativos do Google para reclamar da invasão de pornografia infantil e conteúdo violento explícito (Reprodução)

Ante a inação da plataforma, vários usuários começaram a divulgar que estavam deixando a comunidade. Posts com falsas acusações também passaram a circular como uma forma de “trollar” outros membros. Comentários sobre a fase de “ataque de pedofilia” ainda podem ser encontradas no aplicativo, embora usuários relatem que o pior já teria passado.

O Aos Fatos questionou o Google se a empresa tomou conhecimento das denúncias de pornografia infantil feitas em sua loja de aplicativos e se tomaria alguma medida em relação ao iFunny, mas a plataforma não respondeu até a publicação deste texto.

Como denunciar. A ONG Safernet possui um canal para o recebimento de denúncias anônimas de crimes e violações contra os direitos humanos cometidos pela internet, o que inclui casos de abuso e exploração sexual infantil. De acordo com a organização, relatos sobre esse tipo de crime cresceram 70% no ano passado.

Referências:

1. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania
2. iFunny (1 e 2)
3. New York Post
4. CNN
5. BuzzFeed News
6. The Washington Post
7. Medium
8. Google Play
9. Twitter
10. SaferNet (1 e 2)

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