Marcelo Camargo/Agência Brasil

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Fevereiro de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Do tribunal ao ministério, Moro muda o tom sobre caixa 2 como corrupção

Por Luiz Fernando Menezes

19 de fevereiro de 2019, 20h36

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, chamou atenção nesta terça-feira (19) ao dizer que caixa 2 não seria corrupção. “Existe o crime de corrupção e o crime de caixa 2. Os dois crimes são graves”, afirmou o ex-juiz da Lava Jato ao apresentar as medidas do seu pacote anticrime ao Congresso Nacional.

A fala contrasta com declaração dele em uma palestra na Universidade de Harvard em agosto de 2017, em que equiparou a prática à corrupção: “caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral”.

O tom, porém, não mudou de uma hora para outra. Ao analisar declarações públicas e despachos do ex-juiz desde 2017, Aos Fatos constatou que Moro tem suavizado sua visão sobre o tema, especialmente após a nomeação para o ministério de Bolsonaro, quando passou a distinguir mais claramente os crimes de caixa 2 dos de corrupção.

Confira abaixo.

8 de agosto de 2017

Em palestra para estudantes brasileiros na Universidade de Harvard, o então juiz da Lava Jato Sérgio Moro classificou o crime de caixa 2 como corrupção ao dizer que o uso de recursos não contabilizados em campanhas eleitorais seria pior que o enriquecimento ilícito. Na ocasião, disse o hoje ministro da Justiça e Segurança Pública:

“Temos que falar a verdade, o caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral. Para mim a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível. Eu não estou me referindo a nenhuma campanha eleitoral específica, estou falando em geral.”

24 de dezembro de 2017

Em entrevista ao jornal O Globo, Sérgio Moro, afirma que caixa 2 e corrupção são crimes que “têm de ter uma resposta institucional” ao ser perguntado se fazia distinção entre recursos não contabilizados em campanhas eleitorais e atos de corrupção cometidos por partidos políticos.

“Tanto o caixa 2, que seria uma doação eleitoral irregular não contabilizada, como a corrupção, são crimes. Ambos têm de ter uma resposta institucional. O que é certo é certo, o que é errado é errado, e as pessoas que se envolveram sabiam que era ilegal e devem sofrer as consequências”

Durante a entrevista, Moro ainda reforçou que o caixa 2 é um crime mal regulado na legislação brasileira: “É um crime mal regulado na legislação brasileira, está previsto no artigo 350 da Lei Eleitoral e é tratado como se fosse uma fraude documental. No fundo, ele significa uma trapaça nas eleições e deveria ser punido mais rigorosamente”.

24 de junho de 2018

Ao defender que as investigações sobre o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB) deveriam permanecer no âmbito da Justiça Federal, o então juiz Sérgio Moro afirmou, em despacho, que as suspeitas sobre o tucano não deveriam ser tratados como “mero caixa 2”, mas como crime de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude em licitação.

Na ocasião, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) havia decidido que caberia à Justiça Eleitoral definir se a investigação sobre repasses do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht a membros da administração Richa estaria sob sua alçada ou da Justiça Federal. A investigação teve início sob a tutela de Moro.

Posteriormente, o TRE-PR (Tribunal Regional Eleitoral do Paraná) decidiu que a competência do caso era da Justiça Eleitoral.

23 de agosto de 2018

Em palestra no 3º Simpósio Nacional de Combate à Corrupção promovido pela ADPF (Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal), em Salvador, Sérgio Moro afirmou que o caixa 2 era um crime “menos grave”, mas que estaria vinculado à corrupção. Na ocasião, o então juiz federal criticava uma possível ideia de anistia a este tipo de infração: “o problema é querer anistiar corrupção a pretexto de anistiar caixa dois. Há casos claros em que doações eleitorais foram feitas como corrupção. […] O fato de doar não torna o dinheiro limpo”.

6 de novembro de 2018

Logo após aceitar o convite para integrar o ministério de Jair Bolsonaro (PSL), Moro foi questionado sobre sua relação com o ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que admitiu ter recebido doações em caixa 2 da JBS. Moro disse ter grande admiração pelo deputado “que defendeu a aprovação daquele projeto [10 medidas contra a corrupção] mesmo sofrendo ataques severos da parte dos seus colegas”.

Sobre o crime de caixa 2 cometido pelo colega, Moro apenas disse que “quanto aos erros, ele mesmo admitiu e tomou providências para repará-los”.

23 de novembro de 2018

Em Simpósio Nacional de Combate à Corrupção na FGV (Fundação Getúlio Vargas) no Rio de Janeiro, Moro disse que era necessário distinguir o que é realmente crime nos casos que a Justiça Eleitoral classifica como caixa 2:

“o problema é que hoje algumas condutas criminais extremamente complexas, muitas vezes envolvendo lavagem de dinheiro com conta no exterior, estão sendo interpretadas [como] de competência da Justiça Eleitoral. A lei tem que deixar claro que se é corrupção não é caixa 2, é corrupção. Não é competência da Justiça Eleitoral. Crime de caixa 2 não se configura se há crime mais grave. Sem demérito à Justiça Eleitoral, ela não tem condições de apurar essas condutas”

7 de fevereiro de 2019

Em uma palestra na cidade de São Paulo, Moro voltou a defender a criminalização do caixa 2, um dos pontos do projeto anticrime apresentado pelo ministério que comanda, mas fazendo a ressalva de ser um crime “não tão grave quanto a corrupção”:

“Os políticos que me perdoem, mas caixa 2 é trapaça, é crime. Não tão grave quanto a corrupção, mas tem de ser criminalizado"

19 de fevereiro de 2019

Ao lado de Onyx Lorenzoni, Sérgio Moro apresentou o pacote anticrime do governo Bolsonaro ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em breve coletiva de imprensa, o ministro da Justiça afirmou:

“Caixa 2 não é corrupção. Existe o crime de corrupção e o crime de caixa 2. Os dois crimes são graves”

Apresentado no início do mês como um pacote de medidas de combate à corrupção e ao crime organizado, as medidas propostas por Moro foram desmembradas em três projetos ao serem enviados ao Congresso: um contra corrupção e crime organizado, outro com mudanças no Código Eleitoral, com vistas à criminalização do caixa 2, e outro com alterações no Código de Processo Penal — que alteram 14 leis e endurecem penas.

A decisão de apresentar em separado a medida sobre financiamento irregular de campanhas veio da equipe da Casa Civil, comandada por Onyx Lorenzoni. Na avaliação do governo, a resistência de parlamentares à criminalização do caixa 2 colocaria em risco a aprovação das demais medidas previstas no pacote anticrime.

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