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🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Março de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Como são feitas as previsões do PIB — e por que elas erram com frequência

Por Ana Rita Cunha e Bruno Fávero

6 de março de 2020, 14h43

A divulgação do fraco desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) em 2019 — o Brasil cresceu 1,1% — voltou a levantar discussões sobre a qualidade das projeções de crescimento feitas pelo governo federal e pelo mercado do país, que no fim de 2018 previram que o Brasil cresceria 2,5%.

O erro não é novidade. Desde 2011, o relatório Focus, documento do Banco Central que reúne as previsões de mais de 130 instituições financeiras, só não superestimou o crescimento da economia brasileira em 2015 e 2016, auge da crise econômica, como é possível ver abaixo:

Para economistas ouvidos pelo Aos Fatos, a imprecisão das projeções é explicada por vários fatores. Além da dificuldade inerente a esse tipo de previsão, a lista inclui especificidades do Brasil, como a falta de dados e a instabilidade política recente, e falhas nos modelos preditivos usados nos últimos anos, que podem ter exagerado o impacto que reformas econômicas teriam no PIB.

Abaixo, veja três pontos que ajudam a entender por que economistas têm errado nas previsões de crescimento da economia brasileira.

1. As dificuldades de fazer previsões

O PIB é a soma de tudo o que um país produziu num determinado ano e, naturalmente, prever seu crescimento é uma tarefa difícil, que envolve um número enorme de variáveis, como juros, taxa de câmbio, confiança, balança comercial, atividade da indústria, entre outros. Além disso, eventos pontuais como pandemias, desastres naturais e greves podem afetar o desempenho da economia de maneiras difíceis de prever.

Profissionais que trabalham com previsão recorrem a modelos estatísticos complexos que tentam simular como essas variáveis interagem entre si e, a partir disso, gerar previsões sobre como a economia deve se comportar no futuro. Cada banco ou instituição costuma ter um modelo próprio, que chega a um resultado diferente de acordo com a seleção das variáveis e o peso dado a cada uma delas.

"Fazer previsão econômica é muito difícil. A economia é um organismo muito complexo, com múltiplas variáveis, e ninguém sabe quais são todas as que são relevantes. Além disso, pode acontecer de não haver informações sobre uma variável ou de as informações que existem serem ruins", diz Emílio Chernavsky doutor em teoria econômica pela FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo).

No Brasil, a principal fonte de previsões é o relatório Focus, publicado semanalmente pelo Banco Central e que reúne as expectativas das maiores empresas financeiras do país. Mas há outras: o governo faz suas projeções no Boletim Macrofiscal. Instituições nacionais, como o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV, e internacionais, como o FMI (Fundo Monetário Internacional), também publicam trabalhos regularmente.

Dada a dificuldade da tarefa e o número de empresas e economistas fazendo previsões, erros não são uma surpresa. Uma análise da Bloomberg mostrou que apenas 6% das previsões de crescimento do PIB feitas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) desde 1999 ficaram dentro de uma margem de erro de 0,1 ponto percentual. No resto, houve um erro médio de 2 pontos percentuais — número significativo considerando que a média de crescimento mundial em 2018 foi de 3%, segundo o Banco Mundial.

Já um levantamento feito pela revista The Economist em 15 países ricos mostrou que instituições financeiras têm um desempenho ruim nas previsões feitas com mais de um ano de antecedência e raramente conseguem prever retrações econômicas.

2. As peculiaridades brasileiras

Errar as previsões, portanto, não é exclusividade brasileira. Mas há peculiaridades no país que dificultam ainda mais a tarefa de quem tenta prever os movimentos do PIB, segundo economistas ouvidos pelo Aos Fatos. Além de ter uma economia instável e muito dependente de commodities, cujos preços são difíceis de prever, os dados históricos disponíveis são limitados. O cenário político caótico dos últimos anos aumenta ainda as incertezas.

"Há uma brincadeira entre economistas segundo a qual o único preço da commodity que você consegue saber é o de hoje. E os preços da commodities têm um efeito enorme na economia brasileira. Eles influenciam não apenas a balança comercial, mas também a política fiscal, o consumo das famílias, a inflação e o apetite de investidores estrangeiros. Quando um fator tão imprevisível tem um peso tão grande, isso torna ainda mais difícil prever o desempenho da economia", diz Ricardo Barboza, economista e professor da Coppead/UFRJ (Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Essa imprevisibilidade é ilustrada por uma reportagem do site Quartz, que analisou quais países tiveram as variações mais bruscas no crescimento econômico de 2001 a 2017 – o Brasil foi o mais instável entre as dez maiores economias do mundo.

O mesmo problema acontece em outras economias em desenvolvimento e pode dificultar os trabalhos de projeção. O estudo da Bloomberg também mostrou que o FMI é mais preciso ao prever a variação do PIB de países ricos (erro médio de 1,3 p.p.) do que de países pobres (2,1 p.p.).

Outra dificuldade para fazer as previsões no Brasil é qualidade limitada dos dados, diz Barboza. "As séries históricas são muito curtas, o que dificulta a criação de modelos com melhor capacidade de previsão. Só temos dados comparáveis do PIB a partir de 1996, por exemplo. A seleção correta das variáveis também é dificultada pelas mudanças recentes nos regimes de políticas econômicas, que mudam o peso das variáveis. É complexo ajustar os modelos a isso".

Por fim, a imprevisibilidade política do país nos últimos anos e fatores inesperados, como o rompimento da barragem de Brumadinho, a crise econômica da Argentina e a guerra comercial entre China e Estados Unidos, também pode ter contribuído para as imprecisões nas previsões dos últimos anos.

"A retomada esperada em 2017, por exemplo, foi dificultada por problemas internos imprevisíveis, como o episódio em que o [então presidente Michel] Temer foi gravado falando com o [empresário] Joesley Batista", diz o economista Mauro Rochlin, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

"Desde 2014 não se consegue prever o que vai acontecer com a política nem com a economia no Brasil. O ambiente de reformas também gera incerteza. Se você promete que vai fazer reforma e demora a entregar, isso gera incerteza. Quem vai investir pesado se não sabe qual a carga tributária daqui a 20 anos, quando vai ter retorno desse investimento?", afirma Barboza, da UFRJ.

3. O excesso de otimismo

Os fatores já mencionados – as dificuldades de fazer qualquer previsão de crescimento do PIB e as particularidades brasileiras – não explicam, porém, por que nos últimos anos houve uma tendência clara de superestimar o desempenho da economia brasileira nas previsões.

Para Emilio Chernavsky, que estudou a acurácia das previsões do boletim Focus, há um viés ideológico que pode ter atrapalhado as projeções. Ele diz que, nos últimos anos, modelos de previsão do PIB passaram a dar um peso maior à confiança na economia, e têm menosprezado outros fundamentos econômicos importantes.

"A tese era que a mudança de governo [de Dilma Rousseff para Michel Temer] e as reformas [trabalhista e da previdência] melhorariam as expectativas da economia e isso levaria a mais investimentos", afirma. "Os índices de confiança dos empresários realmente melhoraram, mas a massa salarial no Brasil se expande nada ou pouco há anos e há uma grande capacidade ociosa na indústria. Por melhor que seja a expectativa, quase ninguém do setor privado vai investir nesse cenário, isso nunca aconteceu na História", diz.

Ricardo Barboza, da Coppead/UFRJ, também aponta problemas de superestimação do PIB. Para ele, projeções otimistas são publicadas “sem que esteja claro o que vai fazer a economia sair de um crescimento em torno de 1% para crescer mais de 2%”.

Chernavsky diz que uma possível solução é discutir mais abertamente sobre como esses modelos são elaborados e quais mecanismos devem ou não levar em conta. "Talvez o maior problema na atividade da previsão é que os economistas tendem a passar uma imagem de precisão que não corresponde à realidade. Temos que ser mais claros sobre as limitações e problemas dos modelos de previsão que usamos", diz.

Outra alternativa apontada por Barboza é dar mais publicidade ao intervalo de confiança das estimativas, considerando as dificuldades de medir o PIB no Brasil. “Muitas vezes o resultado do PIB está dentro do intervalo de confiança, mas mais próxima do menor valor desse intervalo que não recebeu destaque”.

Referências:

1. IBGE

2. Aos Fatos

3. Banco Central

4. Ministério da Economia

5. IPEA

6. FGV

7. FMI

8. Bloomberg

9. The Economist

10. Quartz

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