Méuri Elle/Aos Fatos

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Allan dos Santos dribla STF e usa empresa de pagamentos para continuar lucrando

31 de agosto de 2023, 15h16

Foragido da Justiça, o blogueiro Allan dos Santos continua a arrecadar dinheiro de seus seguidores, driblando uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2021 que determinou o bloqueio de suas contas bancárias. Isso só é possível por causa da plataforma Stripe, que faz a intermediação dos pagamentos.

  • Santos vive nos Estados Unidos desde julho de 2020 e teve sua prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes em outubro do ano seguinte;
  • Ele é alvo dos inquéritos que investigam a propagação de notícias falsas e a atuação de milícias digitais nos ataques à democracia;
  • Moraes também determinou a derrubada dos perfis do blogueiro nas redes, a desmonetização dos canais e o bloqueio de contas bancárias e remessas ao exterior;
  • Entretanto, o Aos Fatos identificou quatro canais que Santos utiliza hoje para lucrar. Todos estão vinculados à plataforma de pagamentos Stripe.

A análise do código-fonte das páginas de Santos mostra que a Stripe é intermediária dos pagamentos por cartão de crédito do podcast Guerra de Informação no Spotify, do site Notícia Sem Máscara, do perfil de Santos no Locals e de uma página de doações registrada em um domínio com o nome do blogueiro.

Na decisão de 2021, Moraes justifica o cerco ao dinheiro de Santos com base em investigação da Polícia Federal que indicou que o blogueiro usava uma empresa no Canadá para receber pela monetização e publicidade do Terça Livre, hoje bloqueado.

“Os indícios coletados pela Polícia Federal revelam a necessidade de bloqueio de contas bancárias e de remessas de dinheiro que possam financiar a organização criminosa, eis que o próprio investigado já se manifestou contraditoriamente sobre os repasses que recebe, o que pode indicar, inclusive, eventual intenção de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, diz a decisão.

Ilustração mostra print da página de doações de Allan dos Santos, na qual foto do blogueiro com tarja escrita “censored” na boca aparece acima da palavra “doações” e do valor de R$ 49,85. Balão destaca código-fonte, onde se vê o nome da Stripe. Arte tem fundo amarelo e ilustração de dobradura na forma de avião feita com nota de cem reais.
Faz o Pix. Allan dos Santos pede doações em domínio que leva seu nome; código-fonte mostra que processamento do cartão de crédito dos apoiadores é feito pela Stripe (Méuri Elle/Aos Fatos)

Na época da investigação, o blogueiro usava os serviços do PayPal — concorrente da Stripe — para trazer parte do dinheiro arrecadado no Canadá de volta ao Brasil, segundo a decisão do STF. No ano passado, porém, Santos publicou que havia sido banido do PayPal.

“Banido do Wix, onde estava o site com os cursos, do YouTube, do PayPal e assim por diante, continuarei lutando o bom combate”, disse o blogueiro foragido no Gettr — rede da qual também acabou sendo removido por ordem judicial. A derrubada do site no Wix ocorreu em julho de 2022, após campanha do Sleeping Giants, e levou o blogueiro a pedir ajuda financeira a seus seguidores. “Perdi tudo”, disse à época.

  • Na tentativa de reconstruir sua rede, o influenciador passou a focar em plataformas de nicho, como o Locals, que cobra assinatura dos usuários;
  • Ele também oferece conteúdo pago através de newsletters, distribuídas pelo Substack;
  • Como o Aos Fatos mostrou recentemente, o influenciador também veicula o podcast Guerra de Informação no Spotify, plataforma que permite ao blogueiro receber doações;
  • Apesar de permanecer no Spotify, o podcast de Santos não publica novos episódios desde 12 de julho;
  • As redes alternativas estão longe de garantir audiência comparável à do Terça Livre, que chegou a ter mais de 800 mil inscritos no YouTube, segundo informações da PGR (Procuradoria-Geral da República);
  • Na busca por aumentar o número de potenciais assinantes e doadores, Santos cria contas alternativas constantemente em plataformas de maior alcance, como o Instagram.

Ilustração mostra print de página de apoio ao podcast de Santos no Spotify com detalhe do código-fonte em destaque, onde se vê o nome da Stripe. Arte tem fundo amarelo e ilustrações de três dobraduras na forma de avião feitas com notas de cem reais.
Passando o chapéu. Allan dos Santos transmite o podcast Guerra de Informação no Spotify, que oferece recurso de monetização usando tecnologia da Stripe (Méuri Elle/Aos Fatos)

Com o banimento de Santos pelo PayPal, a monetização de todos esses canais atualmente depende da Stripe. A companhia está presente em mais de 40 países e diz que, em 2021, processou mais de US$ 640 bilhões em pagamentos digitais.

A Stripe começou a atuar no Brasil em 2020. Os termos da empresa dizem que seus serviços não podem ser usados “para intermediar transações ilícitas” e que a Stripe pode “recusar, condicionar ou suspender” transações que “não forem autorizadas, forem fraudulentas ou ilícitas”.

O Aos Fatos questionou a empresa se o uso da plataforma pelo blogueiro foragido feria suas regras, mencionando a decisão judicial em vigor, mas não teve resposta.

Já o Banco Central, que é indicado na decisão de Moraes como responsável por executar o bloqueio das contas bancárias e remessas, não comentou o caso específico e informou que, quando acionado pelo Judiciário, “transmite a ordem judicial às instituições indicadas ou, se for o caso, a todas as instituições autorizadas a funcionar”.

A reportagem também procurou Allan dos Santos, que respondeu por meio do advogado Renor Oliver Filho. O posicionamento diz que Santos “nunca foi condenado” pelo STF, que a decisão de Moraes “foi vazada para a imprensa” — uma vez que o inquérito é sigiloso — e que os advogados “ainda não tiveram acesso aos autos”.

O defensor diz também que “a ordem de prisão e extradição decretada pelo ministro Alexandre de Moraes foi ignorada pelas autoridades americanas”. O texto informa que foram apresentados um pedido de habeas corpus a favor de Santos e cinco ações de mandado de segurança contra “a ordem abusiva e ilegal do ministro Alexandre de Moraes”.

Oliver Filho diz que Moraes promove uma perseguição contra seu cliente, que, segundo ele, “se viu obrigado a enfrentar dificuldades para prover o sustento de sua família, composta por sua esposa e três filhos pequenos”. “Nesse contexto, ele criou um portal de notícias na plataforma Locals.com, onde recebe doações e vende assinaturas para o conteúdo publicado”, diz o texto, que também acusa Moraes de agir de forma “abusiva e ilegal”.

De acordo com o posicionamento, Allan dos Santos acredita que “as manifestações e protestos ocorridos em todo o país nos últimos anos representam uma reação às violações recorrentes dos direitos e garantias individuais dos cidadãos que são alvo da condução abusiva e ilegal do ministro Alexandre de Moraes nesses inquéritos”. Leia a íntegra.

DINHEIRO SEM FRONTEIRAS

Advogados ouvidos pelo Aos Fatos citam a transnacionalidade e a velocidade da era digital como desafios para o controle de operações financeiras ilícitas e o combate a crimes.

O criminalista Marcelo Feller explica que apenas empresas notificadas da decisão judicial são obrigadas a cumprir o bloqueio bancário e de remessas ao exterior. Além disso, se a Stripe e Santos firmaram contrato fora do Brasil, a empresa pode alegar que o Judiciário brasileiro não possui jurisdição — e ignorar a decisão.

Na mesma linha, Victor Gressler, advogado especializado em direito público e regulatório, lembra que Santos abriu empresa nos Estados Unidos para receber pagamentos fora do alcance da lei brasileira. O advogado ressalta que, embora possua um CNPJ brasileiro e precise respeitar as normas do Banco Central, a Stripe não é obrigada a submeter contratos assinados nos Estados Unidos à legislação do Brasil, ainda que os pagamentos tenham sido feitos por brasileiros — caso do público-alvo de Santos.

“Esse é o problema quando a gente fala em plataformas digitais, porque fica naquele embate: está no Brasil, mas também não está no Brasil”, afirma Gressler. “As plataformas estão no supraterritorial, então existem alguns pontos que fogem do controle.”

O advogado também destaca que a decisão de Moraes é antiga, considerando a velocidade do mundo digital, e que os perfis que o blogueiro usa hoje para sua monetização não são os mesmos que eram investigados, motivo pelo qual as novas contas não são alvo do bloqueio.

Na decisão de 2021, Moraes determinou pedido de cooperação judicial com o Canadá para investigar o esquema usado por Santos para monetizar o Terça Livre. Atualmente, o Brasil também busca, na Justiça norte-americana, a extradição do blogueiro.

Se o contrato com a Stripe foi firmado pela empresa aberta por Santos nos Estados Unidos, seria possível ao Brasil pedir cooperação judicial para também bloquear esses pagamentos. O problema, porém, é vencer a burocracia envolvida no processo. “A tecnologia caminha mais rápido que a Justiça”, resume Feller.

Referências

1. Poder360 (1, 2 e 3)
2. Núcleo
3. Aos Fatos
4. Stripe (1 e 2)
5. Agência Pública
6. O Estado de S. Paulo

Topo

Usamos cookies e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concordará com estas condições.