Taba Benedicto/Estadão Conteúdo

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Março de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Usuários apagam tuítes que incentivavam adolescente que matou professora a cometer crime

Por Bianca Bortolon, Ethel Rudnitzki, João Barbosa e Milena Mangabeira

28 de março de 2023, 19h15

Na segunda-feira (27), antes de invadir a Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo e esfaquear uma professora que morreu horas depois, um adolescente de 13 anos foi incentivado a cometer o crime por outros usuários no Twitter. “Boa sorte, amigo”, desejou um dos integrantes de uma subcomunidade destinada a conteúdos que idolatram autores de massacres em escolas, da qual o adolescente também fazia parte.

Horas depois da apreensão do menor de idade, no entanto, com a atenção das redes e de repórteres voltada ao grupo, esses usuários tentaram esconder rastros de possíveis crimes cometidos, apagando tuítes e perfis.

O responsável pelo atentado, que teve seu perfil no Twitter identificado pela Polícia Civil de São Paulo, realizava publicações com a hashtag #TCCTWT — sigla para “True Crime Community Twitter” —, que expressa em posts públicos a admiração por autores de chacinas em escolas.

  • O Radar Aos Fatos identificou ao menos 51 perfis no Twitter e três comunidades no Discord que produzem ou compartilham conteúdos que idolatram esses assassinos;
  • Após a repercussão do ataque na Escola Estadual Thomazia Montoro, 14 dos perfis monitorados deletaram a própria conta ou a tornaram protegida;
  • Outros dois deletaram todos os tuítes, mas mantiveram as curtidas em postagens da comunidade. Apenas um perfil foi suspenso pela moderação da plataforma.

A tentativa de apagar rastros, seja excluindo a conta ou tornando-a privada, é uma estratégia recorrente desses perfis. A tática foi descrita em um tuíte por um dos usuários identificados pelo Radar Aos Fatos, que publica com frequência vídeos em homenagem a autores de massacres e que retornou à plataforma pouco antes do ataque ao colégio paulistano. Segundo esse usuário, o objetivo é burlar as regras de moderação.

O principal tipo de conteúdo produzido por esses grupos são as fancams (neologismo que junta as palavras “fã” e “câmera”), vídeos curtos que reúnem imagens de celebridades. Esse formato, popularizado por comunidades de fãs de k-pop, foi apropriado para compartilhar trechos de filmagens de segurança que mostram assassinatos em colégios. Produzidos com a intenção de viralizar, alguns desses vídeos acumulam mais de 20 mil visualizações.

O principal “homenageado” por essas montagens é Guilherme Taucci, que assassinou cinco alunos e duas funcionárias em uma escola em Suzano (SP), em 2019. Além de ser citado nas fancams, o jovem também empresta seu sobrenome a alguns usuários da comunidade, como o próprio adolescente que cometeu o atentado da última segunda-feira (27).

APOIO AO ATENTADO

No perfil que interagia com posts da comunidade True Crime, o adolescente de 13 anos recebeu mensagens de apoio e congratulações de outros usuários. Quando o assassino já havia sido apreendido, membros da comunidade procuraram o perfil dele para expressar admiração e o desejo de replicar o ato. “Deu bom, né?”, escreveu um usuário, em resposta a um post feito horas antes, em que o garoto expressava a intenção de cometer o crime. “Muito”, respondeu outro perfil.

Usuários apoiam e celebram adolescente de 13 anos que atacou escola em São Paulo

Outras frases de apoio também foram publicadas por perfis anônimos no Twitter: “Fez o certo!”, disse um deles. ”Poderia ter levado mais”, afirmou outro, em referência à morte da professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos. “Depois do ato de ontem, incrível! Nunca me senti tão motivado a um dia planejar e colocar em prática o meu”, afirmou outro usuário.

Após o ataque, usuários expressaram o desejo de cometer atos similares

O “true crime community”, ou apenas TCC, é uma comunidade de usuários que têm interesse em histórias de crimes reais e chocantes, como assassinatos em série e canibalismo. Esse grupo se divide em várias subcomunidades, focadas em explorar temas específicos, como assassinatos e crimes patrimoniais. A #tcctwt ou #tcctwtbr, no entanto, que aborda chacinas em escolas, extrapola o interesse mórbido para criar um grupo de incentivo e idolatria a assassinos.

DISCORD COMO ALTERNATIVA

Longe do escrutínio público do Twitter, usuários que idolatram e incentivam massacres em escolas também buscam refúgio no Discord. Por supostamente permitir o anonimato e ser uma rede mais restrita, em que administradores controlam a entrada de novos membros, o Discord é um dos aplicativos em que a conversa entre fãs de autores de massacres acontece sem moderação. O Radar Aos Fatos teve acesso a três dessas comunidades, nas quais usuários comentam atentados já ocorridos e compartilham o desejo ou planos para cometer novos crimes.

Em uma conversa entre membros de um grupo dedicado a chacinas em escolas, um usuário expressa sua vontade em cometer um atentado a faca em sua escola, já que estaria sem munição para arma de fogo. Em resposta, um usuário pede: “Antes de fazer isso, poste suas fotos para eu fazer um edit”, outro tipo de vídeo curto criado para ser compartilhado nas redes.

Conversa entre usuários no Discord, na qual um deles expressa desejo em realizar um massacre escolar com uma faca parte 1Conversa entre usuários no Discord, na qual um deles expressa desejo em realizar um massacre escolar com uma faca parte 2Conversa entre usuários no Discord, na qual um deles expressa desejo em realizar um massacre escolar com uma faca parte 3Conversa entre usuários no Discord, na qual um deles expressa desejo em realizar um massacre escolar com uma faca parte 4

Outro lado. Aos Fatos entrou em contato com Twitter e Discord para questionar a presença perfis e comunidades de idolatria a atiradores de escolas nas plataformas.

Em nota, o Discord afirmou ter agido contra as comunidades apontadas pela reportagem, mas não disse quais ações foram tomadas. "Temos uma política de tolerância zero contra ódio e violência. Quando ficamos sabendo desse tipo de atividade nós tomamos providências, incluindo o banimento de usuários e exclusão de servidores, além de trabalhar com as autoridades, quando necessário", informaram através da assessoria estrangeira.

Já o Twitter – que está sem assessoria de imprensa no Brasil desde janeiro – enviou sua nova resposta padrão à demandas de empresa: um emoji de cocô.

Referências:

1. UOL
2. O Globo
3. Agência Brasil

sobre o

Radar Aos Fatos faz o monitoramento do ecossistema de desinformação brasileiro e, aliado à ciência de dados e à metodologia de checagem do Aos Fatos, traz diagnósticos precisos sobre campanhas coordenadas e conteúdos enganosos nas redes.

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