🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Setembro de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Sem peixe grande, instituições pescam os bagrinhos da radicalização

Por Tai Nalon

15 de setembro de 2023, 09h50

Aviso: este texto é uma análise e foi publicado originalmente na newsletter O Digital Disfuncional.

Esta semana foi marcada por uma série de desdobramentos de ordem jurídica, com proporções diferentes, a partir de um denominador comum: a criação e o compartilhamento intencional de desinformação.

  • O caso mais evidente é, sem dúvida, a condenação pelo STF (Supremo Tribunal Federal) dos primeiros réus julgados pelos atos golpistas de 8 de janeiro;
  • Também sobrou para a empresa que edita a Revista Oeste, que recebeu uma notificação extrajudicial da AGU (Advocacia-Geral da União);
  • E para a protagonista de um vídeo com desinformação sobre as enchentes no Rio Grande do Sul, que está sob investigação da Polícia Federal.

O percurso da responsabilização nesses três casos tem diferenças marcantes, até porque a história de um deles coincide com a expressão máxima do poder de destruição que o conspiracionismo é capaz de promover. Aécio Pereira e seus pares foram condenados por crimes de associação criminosa, golpe de Estado, abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Desinformação foi apenas o fio condutor.

Já os demais estão envolvidos em ações que apuram a disseminação de mentiras sobre as ações do governo federal e do PT na mitigação dos problemas decorrentes das enchentes em municípios gaúchos. À diferença dos golpistas condenados, ambos os casos estão sendo explorados por iniciativa do Poder Executivo, o que não é comum nem recomendável.

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Segundo a notificação da AGU, um dos apresentadores do programa Oeste Sem Filtro no YouTube, Alexandre Garcia, atribuiu à abertura de comportas de represas construídas durante governos do PT no Rio Grande do Sul uma das causas das enchentes no Vale do Taquari — o que é falso. A AGU encaminhou à publicação “demanda o exercício do direito de resposta” para que a publicação retifique o que foi dito pelo apresentador.

“Este esclarecimento atende a pedido realizado à Revista Oeste pela Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), órgão da AGU, que tem como uma de suas atribuições realizar o enfrentamento de ações de desinformação que atingem políticas públicas”, justifica o governo.

Na segunda-feira (11), o repórter do Aos Fatos Luiz Fernando Menezes apurou que a informação falsa replicada por Alexandre Garcia teve origem em vídeos que circulavam desde 4 de setembro, no ex-Twitter e no Kwai. Eram resultado de uma desconfiança de anos da população local sobre a existência das barragens, gerando boatos. E os boatos, por sua vez, eram decorrentes do desconhecimento dos próprios moradores sobre como essas represas funcionam — e, principalmente, da ignorância sobre por que o regime de chuvas tem mudado de maneira geral.

No outro caso sobre as enchentes, uma mulher relata em vídeo que doações no município de Lajeado estavam suspensas até Lula chegar à região para fazer fotos de divulgação. Isso é falso. O Ministério da Justiça informou ao Aos Fatos que a Polícia Federal instaurou “investigação preliminar” e “intimou a senhora que aparece no vídeo” a prestar depoimento. Não informou, porém, quais suspeitas recaíam sobre ela, nem se o Ministério Público estava acompanhando o caso.

São procedimentos opacos, como esses, que me fazem pensar qual legislação será capaz de coibir as mentiras industriais transmitidas pelas redes. A falta de um padrão de conduta para investigar a incitação ao caos gera respostas descoordenadas que podem facilmente ser confundidas com abuso de poder.

No caso das doações em Lajeado, por exemplo, ainda que a exploração mentirosa da tragédia seja moralmente condenável, qual a ilegalidade e o prejuízo objetivo gerados ao coletivo que uma pessoa sozinha pode fazer a ponto de ser investigada de tal maneira? Para o ministro Flávio Dino (Justiça), “Inventar fatos para atingir honra de outrem também não é 'CRÍTICA'”. Mas o que é, então, e por que a Polícia Federal deve intervir? O ministério não deixa claro.

Desses três casos, também me preocupa a dificuldade de constranger quem de fato tem interesse em fabricar tal desordem. A expectativa é que sejam presos centenas de golpistas pelos ataques de 8 de janeiro — nenhum deles com a sofisticação necessária para instilar um ódio do tamanho do golpismo.

A dificuldade de atingir os patrocinadores dessas campanhas torna a responsabilização dos arruaceiros um tanto patética e dá lastro a declarações como a do ministro André Mendonça, segundo quem para se querer “um golpe [de Estado], teria que ser instituída uma norma ordem jurídica e institucional, definir o que seria feito com o Congresso e o STF”. “Uma série de planejamento de condutas que não vi nesses manifestantes”, disse.

Já o ministro Cristiano Zanin afirmou que, durante os ataques em Brasília, houve um “contágio mental que transformou os aderentes em massa de manobra”. Disse também que “os componentes da turba passam a exercer enorme influência aos outros, provocando efeito manada”. Resta saber, diferentemente desses três episódios, como pescar os peixes grandes da desinformação nas redes, e não apenas os bagrinhos da radicalização

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