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Réus do 8 de Janeiro aguardam julgamento publicando desinformação

Por Gisele Lobato

8 de janeiro de 2024, 09h19

O risco de o envolvimento nos atos golpistas do 8 de Janeiro pesar no bolso — ou mesmo resultar em prisão — não parece inibir alguns dos acusados de financiar as manifestações que destruíram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, no ano passado. Em suas redes, réus de ação na Justiça por suposta relação com os ataques continuam compartilhando desinformação, investindo contra as instituições democráticas e até convocando para novos protestos.

É o que aponta levantamento do Aos Fatos com base na ação civil pública apresentada em fevereiro de 2023 pela AGU (Advocacia-Geral da União) contra os acusados de financiar os atos golpistas. Nela, o órgão pede que os envolvidos sejam obrigados a ressarcir a União em R$ 20,7 milhões por danos ao patrimônio público. O caso aguarda julgamento na 8ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal.

“Os réus financiaram/patrocinaram a contratação de ônibus para transporte de manifestantes até a cidade de Brasília, sendo que a partir desse transporte e aglomeração de manifestantes é que se desenrolou toda a cadeia fática que culminou com a invasão e depredação de prédios públicos federais”, diz a peça.

  • A reportagem identificou os perfis no Facebook e no Instagram de 32 das 54 pessoas físicas acusadas na ação;
  • Apesar de nem todas as redes serem públicas, foi possível constatar que ao menos seis dos processados continuaram alimentando a máquina da desinformação mesmo depois do início da ação;
  • Foram considerados na análise apenas posts feitos após a divulgação da ação da AGU;
  • Os perfis foram identificados pelo Aos Fatos pelo cruzamento dos dados disponíveis na peça judicial com informações publicadas por veículos de imprensa ou disponibilizadas por bases públicas como o DivulgaCand, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Um dos acusados que publicou desinformação nas redes é o ex-policial militar Carlos Eduardo Oliveira (PL), que é vereador em São Pedro (SP) e foi cabo eleitoral da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). As redes do político — conhecido como Du Sorocaba — intercalam o compartilhamento de publicações enganosas com posts sobre segurança pública e mensagens em defesa de pautas conservadoras.

Post de Du Sorocaba no Instagram mostra mostra bancada de programa da rádio 96 FM com três homens e uma mulher que gesticula. Na legenda, o autor do post diz que presos estão “cobrando que Lula cumpra acordo feito com eles antes das eleições”, o que não é dito no vídeo.Falso acordo. Ex-policial militar e vereador em São Pedro (SP), Carlos Eduardo Oliveira (PL) deturpou vídeo para insinuar relação entre Lula e crime organizado (Reprodução/Instagram)

Nas redes do vereador, o Aos Fatos identificou, por exemplo, um post que distorcia uma entrevista da presidente do Sindicato dos Policiais Penais no Estado do Rio Grande do Norte, Vilma Batista, à rádio 96 FM, de Natal, para sugerir uma suposta relação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o crime organizado.

Na legenda, Oliveira afirmava que a líder sindical havia denunciado que presos estariam cobrando que Lula cumprisse um “acordo feito com eles antes das eleições”. Na ocasião, no entanto, a policial penal criticava vistoria nos presídios do estado realizada durante o governo Bolsonaro (PL) — cujas denúncias, segundo ela, incentivavam reivindicações por parte dos presos.

Além da ação civil pública da AGU, Du Sorocaba também é citado no relatório final da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Distrito Federal sobre o 8 de Janeiro — que recomendou seu indiciamento por crimes como abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, entre outros, por ter fretado um dos ônibus que levou manifestantes a Brasília.

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Outro nome que consta tanto na ação da AGU como no relatório da CPI do Distrito Federal é o de João Carlos Baldan, que também segue ativo nas redes e, no final de dezembro, compartilhou post que convocava para uma “paralisação geral”. Com uma foto de caminhão ao fundo e uma bandeira do Brasil, o chamado remetia aos bloqueios nas estradas realizados por caminhoneiros após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022.

Vídeo tem um letreiro escrito “vergonha” nas cores verde e amarela e legenda que diz “não sou comunista”. Imagem filmada de dentro de um carro mostra muro branco no qual se lê “5ª BDA”.'Vergonha'. João Carlos Baldan compartilhou vídeo que insinua que unidade militar do Paraná estava pintada de branco e vermelho em alusão ao comunismo, o que é mentira (Reprodução/Facebook)

Em seu perfil no Facebook, Baldan se apresenta com a frase “Se o preço da liberdade e à luta então que venha [sic]”. Seus posts incluem o compartilhamento de diversos vídeos enganosos, como uma peça que insinua que uma unidade do Exército em Ponta Grossa (PR) havia sido pintada de vermelho em alusão ao comunismo — informação que o Aos Fatos já refutou.

Também Aparecida Solange Zanini, moradora de Três Lagoas (MS), usou suas redes para atacar os militares — criticados por parte da extrema-direita por não terem impedido a posse de Lula — e outras autoridades.

No dia 18 de abril, por exemplo, a acusada compartilhou uma montagem com a foto do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em frente a uma corda com um nó que simula uma forca. A peça chamava Pacheco de Judas e de “o maior canalha que essa nação já viu”. Na mesma data, a direita acusava o presidente do Senado de traição por ter adiado a sessão do Congresso em que seria lido o pedido de abertura da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro.

Também foram encontradas peças de desinformação no perfil de Zanini no Instagram, como o vídeo em que a ex-comentarista da Jovem Pan Ana Paula Henkel apresenta uma lista com o suposto número de processos judiciais a que respondiam os ministros do governo Lula (PT). Conforme já mostrado pelo Aos Fatos, a relação está errada e é fruto de uma leitura deturpada da plataforma jurídica Jusbrasil.

Procurado pelo Aos Fatos, o advogado Gustavo Gottardi disse que a defesa de Zanini “já foi realizada no processo” e que “as acusações não condizem com a realidade”.

Já o advogado de Baldan, Roan Jonathan Barbosa Araujo, afirmou que a AGU pediu o bloqueio dos bens dos réus no processo, que chegou a ser concedido por meio de liminar, mas foi revogado “diante das provas e argumentos levantados”. Segundo Araujo, foi demonstrado que o valor transferido por Baldan não era suficiente para pagar "nem ao menos uma passagem de ida para uma só pessoa e portanto jamais poderia ser suficiente para o fretamento de um ônibus”. O advogado disse ainda que seu cliente não possui poder aquisitivo para o financiamento, que juntou o dinheiro “por meio de vaquinha entre amigos” e que “nenhum membro que foi transportado no ônibus para Brasília foi preso por vandalismo de patrimônio público”. O advogado também ressalta que “qualquer manifestação de João Carlos em suas redes sociais é amparada pela liberdade de expressão constitucional”.

Também citada na ação da AGU, Sheila Ferrarini continua usando seu Facebook para postar desinformação e ataques ao novo governo. Em maio, por exemplo, ela compartilhou a mentira de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia pago R$ 95 mil pela diária em hotel durante sua visita a Londres, alegação desmentida pelo Aos Fatos na época da viagem.

Já Mônica Antoniazi, citada na ação da AGU e também no relatório da CPI do Distrito Federal por supostamente ter fretado um ônibus de Piracicaba (SP) para Brasília às vésperas dos atos golpistas, tentou atacar o governo por meio de um post desinformativo sobre as obras de recuperação da rodovia Mogi-Bertioga, em São Paulo. A estrada foi interditada em fevereiro do ano passado após fortes chuvas.

Post no Instagram mostra imagem aérea de uma estrada com os dizeres “Mogi-Bertioga (SP-098) - KM 82”. Na legenda, Mônica Antoniazi desinforma dizendo que a rodovia era federal, mas Tarcísio assumiu as obras de recuperação porque Lula disse que iria demorar seis meses. 
Mogi-Bertioga. Mônica Antoniazi afirmou que rodovia administrada pelo estado de São Paulo era federal para criticar Lula e elogiar o governador Tarcísio de Freitas (Reprodução/Instagram)

Antoniazi alegou na publicação que o trecho era federal e que Lula havia previsto um prazo de seis meses para concluir as obras, que acabaram sendo realizadas em 15 dias pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). A estrada, porém, é estadual, e não federal, e a previsão de seis meses havia sido feita pelo próprio governo do estado. A rodovia, de fato, foi liberada para o tráfego em cerca de 15 dias, mas as obras de recuperação duraram pelo menos até agosto, segundo a imprensa local.

A acusada também usou suas redes para convocar para um protesto marcado para 10 de dezembro do ano passado contra a indicação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), para o STF (Supremo Tribunal Federal).

Outro réu da ação da AGU que também publicou a convocação para essa manifestação é Yres Guimarães, de Rio Verde (GO). Em suas redes, o acusado também compartilhou vídeos e posts sem contexto que insinuavam que o vandalismo dos atos de 8 de Janeiro foi provocado por infiltrados, o que não é verdade.

Todos os réus citados nesta reportagem foram procurados por Aos Fatos por meio de redes sociais, emails ou advogados. Só as defesas de Baldan e Zanini se pronunciaram. Os demais não responderam. O espaço segue à disposição.

Referências:

1. Advocacia-Geral da União
2. Tribunal Superior Eleitoral
3. Câmara de São Pedro
4. Metrópoles (1 e 2)
5. YouTube (96fmnatalrn)
6. UOL
7. Câmara Legislativa do Distrito Federal
8. G1 (1 e 2)
9. Aos Fatos (1, 2, 3 e 4)
10. Portal News

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