🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Julho de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Sem regulação, redes diminuem transparência e prejudicam combate à desinformação

Por Tai Nalon

21 de julho de 2023, 10h10

Faz pouco mais de um mês que Linda Yaccarino foi anunciada CEO do Twitter, numa tentativa de estancar a sangria milionária que Elon Musk provocou na empresa, resultante da fuga generalizada de anunciantes. Na última terça-feira (18), em resposta a uma reportagem da Bloomberg sobre a recente expansão de redes de ódio e conteúdo violento na plataforma, a executiva tuitou uma série de informações que a própria empresa trabalhou para que fossem inverificáveis.

  • Yaccarino disse que “mais de 99% do conteúdo que usuários e anunciantes veem no Twitter é saudável”. Não fica claro o que ela ou o Twitter julgam saudável, mas o fato é que, porque a plataforma interrompeu o acesso gratuito aos seus dados, custaria algo da ordem de US$ 42 mil fazer uma análise de pelo menos 10 milhões de tuítes — amostragem estatisticamente relevante para uma investigação, ainda que não haja acordo sobre quantas centenas de milhões seus usuários publicam diariamente. Pesquisadores de Stanford, universidade vizinha ao Vale do Silício, disseram à Bloomberg que não têm dinheiro para conduzir investigações do tipo;
  • A executiva chamou as pesquisas mencionadas na reportagem de “uma coleção de métricas incorretas, enganosas e desatualizadas, majoritariamente extraídas no período imediatamente posterior à compra do Twitter”. O negócio foi fechado no segundo semestre de 2022, enquanto alguns dos levantamentos datam de maio de 2023, quando alguns pesquisadores ainda tinham acesso gratuito aos dados da plataforma;
  • Yaccarino afirmou ainda que “o Twitter tem sido mais transparente sobre essas ações do que outras plataformas” — avaliação tão elástica quanto o conceito de liberdade de expressão encontrado em redes como Rumble, Parler e Gettr. Além de ter vetado o acesso gratuito a pesquisadores e jornalistas, o Twitter retirou-se do código de boas práticas de combate à desinformação da União Europeia, cuja adesão era voluntária e tem o aval de grandes como Instagram e YouTube. Num episódio de opacidade ímpar, só foi possível saber se o Twitter conduzia uma política adequada sobre notícias falsas e crimes digitais quando funcionários da Comissão Europeia foram pessoalmente à sua sede inspecionar sua aplicação.

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É precisamente essa falta de transparência que motivou Aos Fatos a assinar, em abril, uma nota que pedia mudanças no projeto de lei que visa regular o funcionamento dessas plataformas no Brasil.

  • Da maneira como está o texto do PL 2.630/2020, apenas a pesquisa acadêmica teria acesso gratuito aos dados das plataformas;
  • Isso tornaria o processo de investigação de ilegalidades nas redes muito mais demorado, e iniciativas inovadoras da sociedade civil teriam grande prejuízo;
  • As reportagens do Radar Aos Fatos, para a alegria de desinformadores, assediadores e outros trogloditas da internet, estariam ameaçadas;
  • Investigações como o Golpeflix, que mapeou com agilidade o discurso antidemocrático nas redes e documentou como a direita se radicalizou entre o fim das eleições e o 8 de janeiro, sequer seriam aventadas.

Longe de ser um movimento isolado, essa reivindicação encontrou eco num artigo assinado pela jornalista Julia Angwin no New York Times na sexta-feira passada (14). Ela lembra que, para se adequarem ao Digital Services Act, que pretende regular grandes empresas de tecnologia na União Europeia a partir de 21 de agosto próximo, as plataformas terão, pela primeira vez, que auditar seus algoritmos para determinar como eles afetam a democracia, os direitos humanos e a saúde física e mental de menores de idade e outros usuários.

Para que seja verificado se essas empresas estão de fato cumprindo as regras estabelecidas pela nova regulação europeia, a sociedade deve ter acesso a dados granulares das plataformas. Por se tratar de bases gigantes e para que obedeçam um padrão mais ou menos uniforme, as plataformas devem oferecer essas informações via dispositivos de integração chamados APIs (sigla em inglês para “interface de programação de aplicações”).

O problema é que o DSA, tal qual o PL 2.630/2020, só assegura acesso gratuito aos dados das plataformas a pesquisadores certificados pela autoridade europeia vinculados à academia. Angwin defende que jornalistas sejam incluídos nessa norma, uma vez que, sem essas informações, segredos como o escândalo da Cambridge Analytica, que manipulava dados de usuários do Facebook para microdirecionamento de propaganda política, jamais seriam descortinados.

Em conversas com autoridades envolvidas direta ou indiretamente na concepção do PL 2.630/2020, soube que existe pressão das plataformas para que o acesso seja vetado a jornalistas. A justificativa é que haveria interesse comercial no uso de tais dados por parte de veículos de comunicação. Mesmo que seja verdade, ora, plataformas reclamando de uso comercial de dados? Quem será que começou essa história?

A crescente opacidade das redes sociais é o vento que antecede a tempestade regulatória. O que Yaccarino e Musk temem mesmo é a quebra do monopólio das empresas de tecnologia sobre o tráfego de informações na internet. Sem o domínio absoluto desses dados, não dá para dominar narrativas, especular sobre o próprio prejuízo e manter uma rede em estado falimentar. Sem acesso a eles, somos, jornalistas e pesquisadores, reféns de ofensivas de relações públicas. Tudo é uma questão de tempo e nada será como antes. Estamos todos, cada um a seu modo, viúvos do Twitter.

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