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O que é nome social e retificação de gênero e qual é o processo para alterar documentos

Por Bianca Bortolon

27 de junho de 2024, 11h38

A possibilidade de alteração do nome e dos indicadores de gênero em documentos oficiais é um direito garantido pelo Supremo Tribunal Federal desde 2018 a pessoas não cisgênero, cuja identidade de gênero não está alinhada ao atribuído no nascimento. Órgãos e entidades do governo, o Judiciário e serviços de saúde e assistência social são obrigados a respeitar as mudanças nos documentos.

Com base no princípio constitucional da dignidade humana, o STF determinou que não é necessário apresentar autorização judicial, laudo médico ou comprovação de cirurgia de afirmação de gênero para alterar os documentos. O processo é orientado por uma norma do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que estabelece regras para tribunais e cartórios de todo o Brasil.

Para marcar o Dia do Orgulho LGBTQIA+, celebrado nesta sexta-feira (28), Aos Fatos preparou um guia que explica o processo de retificação do registro civil:

  1. O que é nome social e o que pode ser retificado em documentos oficiais?
  2. Como funciona o processo?
  3. O que é necessário para solicitar a retificação?
  4. O que fazer em caso de recusa?
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1. O QUE É O NOME SOCIAL E O QUE PODE SER RETIFICADO EM DOCUMENTOS OFICIAIS?

É o nome pelo qual uma pessoa não cisgênero se reconhece e é reconhecida socialmente. O processo de retificação existe para adequar os registros oficiais à maneira com a qual a pessoa se identifica, e não mais ao nome normalmente atribuído no momento do nascimento.

Uma cartilha do o Ministério do Desenvolvimento Social com orientações sobre o uso do nome social afirma que o respeito à autodeterminação de um indivíduo sobre sua identidade de gênero “se refere à garantia de um direito para pessoas que historicamente vivem violações, o que pode atuar como um importante elemento para o desenvolvimento do acompanhamento socioassistencial”.

No entanto, da mesma forma que terapias hormonais ou modificações corporais — também garantidas pelo poder público à população LGBTQIA+ —, a retificação é um direito que depende apenas da escolha individual.

De acordo com a decisão do STF, podem ser retificados:

  • O nome;
  • Os agnomes indicativos de gênero (ex: Júnior, Filho, Neto);
  • O gênero em certidões de nascimento;
  • O gênero em certidões de casamento, desde que haja autorização do cônjuge.

É possível optar pela retificação do nome, do gênero ou de ambos. A adequação não inclui o sobrenome e o nome escolhido não pode ser igual ao de outro membro da família.

O decreto nº 8.727/2016 determina que todos os órgãos e entidades da administração pública federal devem adotar o uso do nome social. O direito se estende a estabelecimentos de saúde vinculados ao SUS (Sistema Único de Saúde) e a centros de assistência social.

No caso de escolas e universidades, a resolução nº 1/2018 do Ministério da Educação determina que maiores de 18 anos podem solicitar o uso do nome social durante a matrícula ou em qualquer outro momento sem a necessidade de mediação. Já para crianças e adolescentes, é necessário autorização dos pais ou responsáveis legais.

A resolução 270/2018, do CNJ, também garante a adoção em registros do Judiciário, como no quadro de funcionários e nos sistemas e documentos de tribunais.

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2. COMO FUNCIONA O PROCESSO?

Qualquer pessoa não cisgênero com mais de 18 anos tem o direito de solicitar a retificação em qualquer cartório de registro civil do território nacional — que, por sua vez, deve encaminhar o processo ao cartório que registrou o nascimento.

No site do CNJ, é possível encontrar o endereço e os contatos de todos os cartórios do país selecionando a opção “localização de registradores civis e unidades interligadas” (veja aqui).

Para maiores de 18 anos, não é necessária a participação de advogado ou defensor público. A Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) possui um modelo de requerimento de alteração no registro que pode ser conferido aqui. No caso de menores de idade, a adequação só pode ser feita por via judicial.

Como forma de preservar a privacidade, o processo é feito sob sigilo e não há menção da retificação nos novos documentos.

Após o fim do processo, o CNJ prevê que os cartórios devem notificar os órgãos responsáveis pela expedição do RG, do CPF, do passaporte e do título eleitoral para adequação desses documentos. Outros, como a carteirinha do SUS, a carteira de habilitação e a carteira de trabalho devem ser alterados pela pessoa que requisitou a correção.

Valores. Os valores da retificação do registro e da emissão dos documentos necessários variam de acordo com o estado em que está sendo feito o pedido e são definidos pela Corregedoria-Geral da Justiça de cada estado. O requerente deve entrar em contato com o cartório de sua região para se informar sobre os preços.

Também é possível solicitar a gratuidade em alguns cartórios mediante uma declaração de hipossuficiência — documento em que uma pessoa se diz incapaz de arcar com os custos do processo. Como não há previsão legal para a gratuidade, a declaração pode não ser aceita em todos os cartórios do país. Caso haja negativa, é recomendado que o indivíduo busque auxílio legal.

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3. O QUE É NECESSÁRIO PARA SOLICITAR A RETIFICAÇÃO?

De acordo com o CNJ, é necessário apresentar os seguintes documentos ao cartório:

Documentos necessários para solicitar a retificação do nome social e/ou indicadores de gênero

Além disso, é preciso apresentar algumas certidões, sempre dos locais de residência dos últimos cinco anos:

  • certidão negativa de ações cíveis (estadual e federal);
  • certidão negativa de ações criminais (estadual e federal);
  • certidão de execução criminal (estadual e federal);
  • certidão dos tabelionatos de protestos;
  • certidão da Justiça Eleitoral;
  • certidão da Justiça do Trabalho;
  • certidão da Justiça Militar, se for o caso.

Não há necessidade de apresentar laudos médicos, parecer psicológico, autorização judicial ou comprovação de cirurgia de afirmação de gênero.

O CNJ também determina que ações trabalhistas ou criminais, assim como dívidas pendentes, não são impedimentos para realização da retificação. Nesses casos, no entanto, a adequação deverá ser comunicada aos juízes ou credores. A notificação poderá ser feita pelo cartório ou pelo requerente, a depender do local do processo. O recomendável é consultar o escrevente do cartório sobre como prosseguir.

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4. O QUE FAZER EM CASO DE RECUSA?

A não ser pela falta de documentação, os cartórios de registro civil não podem se recusar a realizar o processo de retificação, que também não podem exigir documentos fora da lista do CNJ.

Em caso de recusa, a pessoa requerente pode fazer uma denúncia aos órgãos responsáveis pela fiscalização das repartições, como a Defensoria Pública, os tribunais de Justiça e a Corregedoria Nacional de Justiça. A Defensoria Pública de Santa Catarina orienta em documento que os requerentes procurem o órgão para solicitar assistência jurídica, que é oferecida gratuitamente.

É possível ainda denunciar comportamentos abusivos de funcionários dos cartórios por meio de um formulário disponibilizado no site da Anoreg (Associação dos Notários e Registradores do Brasil). Alguns tribunais de Justiça também disponibilizam meios de denúncia em seus sites.

Além disso, organizações como a Antra possuem projetos para monitorar a atuação dos cartórios em procedimentos de retificação e aceitam denúncias, reclamações e dúvidas sobre o processo.

Referências:
1. TJSP
2. CNJ (1, 2, 3, 4, 5
3. Ministério do Desenvolvimento Social
4. Ministério da Saúde (1, 2)
5. Planalto
6. Ministério da Educação
7. Antra
8. Defensoria Pública
9. Defensoria Pública de Santa Catarina
10. Anoreg

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