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🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Julho de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Marqueteiros vendem serviços de IA para eleições de 2024 em anúncios no Facebook

Por Ethel Rudnitzki

11 de julho de 2023, 13h39

“As eleições de 2024 estão batendo à porta e a inteligência artificial está aqui para revolucionar o jogo!”, promete um anúncio no Instagram, pago pela página Tática Eleitoral e exibido entre 7 e 18 de junho para mais de 175 mil pessoas no Rio de Janeiro, a um custo inferior a R$ 500.

  • O Aos Fatos identificou outros 16 anúncios sobre temas políticos nas plataformas da Meta — dona de Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads — que ofereciam cursos, mentorias, palestras e ferramentas para uso de IA em campanhas políticas;
  • Essas peças publicitárias somaram cerca de 360 mil visualizações no período, por menos de R$ 2.800, e foram impulsionadas por seis anunciantes diferentes;
  • A ferramenta de transparência da Meta não informa os números exatos de audiência e custo para o anunciante.

Outro marqueteiro que pagou por anúncios no Facebook para oferecer serviços relacionados a inteligência artificial é Marcos Eraldo Arnaud Marques, que frequentou o noticiário nos últimos anos.

Durante a pandemia, ele assessorou o então ministro da Saúde e atual deputado, Eduardo Pazuello (PL-RJ), que era também general da ativa e espalhava mentiras sobre a Covid-19. Por isso, Markinhos Show — como é conhecido — entrou na mira da CPI. Apesar de os senadores terem marcado data, o depoimento foi postergado e acabou não acontecendo.

Dois anos depois, o profissional que auxiliou Pazuello na pandemia de Covid-19 vende cursos de marketing político com uso de inteligência artificial.

Markinhos pagou cinco anúncios que ofereciam aulas em Belém e Manaus, que somaram cerca de 93 mil visualizações no Facebook.

Também apresentado como hipnólogo, ele participou em 2022 das campanhas eleitorais de três senadores — Sergio Moro (Podemos-PR), Hiran Gonçalves (PP-RR) e Lucas Barreto (PSD-AP) — e do governador de Roraima, Antônio Denarium (PP), além de ter ajudado a eleger o ex-chefe à Câmara dos Deputados.

Markinhos Show disse ao Aos Fatos que deixa o ChatGPT aberto “24 horas por dia”. Nos cursos, o marqueteiro indica a ferramenta para compor jingles de campanha, escrever discursos, planejar estratégias, fazer roteiros de vídeos e até rascunhar propostas de governo.

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“Eu já vi vários candidatos que chegam por aí, muitas vezes [ele] está numa reunião e não tá preparado, não sabe realmente a pauta. Com o ChatGPT na ponta do celular dele, ele monta um discurso em cima da hora, na frente de todo mundo.”

Print de uma simulação de geração de jingle político para candidato fictício com ChatGPT
JingleGPT. Letra de música para político fictício criada no ChatGPT (Reprodução/ OpenAI)

Segundo o marqueteiro, “o segredo está em colocar as informações corretas” na ferramenta. “Mesmo com tudo que eu tenho de estudo de neuromarketing, de hipnose clínica, de gestão humana, eu confesso que o texto da inteligência artificial ficou muito mais gostoso de ler.”

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Para intermediar e aprimorar o uso do ChatGPT por políticos, o consultor Wesley Mendonça está desenvolvendo um aplicativo próprio para ser usado em campanhas eleitorais, que ele também anuncia nas plataformas da Meta. Na propaganda, ele promete que o produto “mudará o jogo das estratégias eleitorais”.

A ferramenta fornece um formulário para ser preenchido pelo candidato e gera conteúdos a partir disso, como posts de redes sociais, títulos para vídeos, discursos e até textos direcionados a diferentes públicos.

“O candidato só precisará apertar o botão”, afirma o consultor Mendonça.

Anúncio de Wesley Mendonça no Facebook sobre sua ferramenta de IA para campanhas políticas
“Ferramenta inovadora.” Publicação patrocinada no Facebook anuncia que a ferramenta “mudará o jogo das estratégias eleitorais” (Reprodução)

O aplicativo está sendo desenvolvido com a API do ChatGPT, disponível na versão paga da ferramenta. Desta forma, desenvolvedores podem produzir novas aplicações a partir de usos específicos da ferramenta da OpenAI, como Mendonça está planejando.

Segundo ele, a ferramenta será disponibilizada por assinatura, com foco em campanhas com poucos recursos — levando em consideração o cenário de eleições municipais, em que os candidatos têm menos recursos que políticos que concorrem a governo estaduais ou a cargos federais. O consultor afirma que há 800 pessoas aguardando para testar a versão beta.

Uso proibido. O que é vendido como estratégia infalível, é visto como um risco por pesquisadores do setor. Para Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade Harvard, o uso indiscriminado da tecnologia em campanhas políticas pode dominar as eleições e prejudicar a democracia.

Estudos mostram que propagandas geradas por IA podem ter maior poder de persuasão, uma vez que as ferramentas usam dados do público para se aprimorar e podem produzir conteúdos extremamente personalizados para cada usuário.

Além disso, há o risco de sistemas de IA generativa, como o ChatGPT, inventarem informações com o objetivo de tornar uma mensagem mais persuasiva.

No caso de campanhas mal intencionadas, o risco é ainda maior, uma vez que já existem ferramentas que criam conteúdos altamente realistas que podem gerar desinformação contra opositores políticos, como o caso de imagens criadas por IA do ex-presidente Donald Trump sendo preso ou disseminação de áudios falsos que usam a voz de outro candidato.

Reconhecendo os riscos, a OpenAI incluiu nos termos de uso, que abrangem o ChatGPT, a proibição de uso para campanhas políticas ou de lobby quando isso for feito:

  • em grandes quantidades;
  • para gerar conteúdos personalizados para grupos ou classes específicas;
  • ou incorporado a produtos voltados para marketing político.

Questionado a respeito, o consultor Wesley Mendonça afirmou que seu aplicativo disponibilizará avisos sobre o uso ético da tecnologia na produção de materiais de campanha. Além disso, por guiar a produção de comandos para o ChatGPT, ele acredita que minimizará os riscos da geração de conteúdos falsos acidentais pela ferramenta.

Já Markinhos Show reconhece que a geração de conteúdos falsos a partir da tecnologia será um problema para as próximas eleições, mas defende que o risco maior está em ferramentas de imagem e áudio, não de texto, como o ChatGPT.

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Regulação. A preocupação também chegou aos legisladores europeus que discutiam a Lei de IA, aprovada pelo parlamento no dia 14 de junho. Eles revisaram o texto para incluir sistemas que influenciam eleitores em campanhas como de “alto risco” na regulação, de forma que os operadores dessas tecnologias terão obrigações de transparência e cuidado maiores.

  • Nos Estados Unidos, Lessig propõe que as empresas operadoras de IA proíbam o uso de seus softwares em eleições enquanto os debates regulatórios não avançam. Lá, o uso da tecnologia para campanhas políticas já está na mira de marqueteiros para a disputa presidencial no ano que vem, conforme mostrou o jornal The New York Times;
  • No Brasil, a questão não está contemplada de forma explícita nos projetos que tramitam no Senado. Caberia à Justiça Eleitoral criar resoluções específicas sobre o tema, uma vez aprovada a regulação.

“Essa proposta regulatória, se aprovada, e deve ser aprovada, vai estabelecer a fundação desse edifício regulatório. Os andares, tanto de eleições, como saúde ou financeiro, dependerão necessariamente de órgãos reguladores setoriais. Eles podem dar essa camada de especificação”, explica o diretor do Data Privacy, Bruno Bioni.

Ele teme, contudo, que não haja tempo hábil para a aprovação de um marco regulatório antes do período eleitoral. “Há uma pressão de tempo. O quando vamos regular é essencial porque enfrentar no ano que vem um cenário de faroeste de uso de inteligência artificial no campo eleitoral pode ser catastrófico”, avalia.

Já Vânia Aieta, advogada eleitoral e professora de Direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), vê a questão sob outro prisma. “Ainda que não se tenha uma normatização precisa sobre IA, a legislação existente de combate à disseminação e aos ilícitos da propaganda me parece bem ajustada para enfrentar a eleição”, afirma.

Aieta diz que uma legislação específica traria maior segurança para aplicação de punições. Segundo ela, novas normas costumam ser publicadas pela Justiça Eleitoral em período mais próximo ao pleito.

Questionado, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não respondeu ao Aos Fatos sobre como está se preparando para lidar com o uso de IA em campanhas eleitorais. Durante as eleições municipais de 2024, o presidente da corte será o ministro Nunes Marques.

Referências:

1. Aos Fatos (1, 2)
2. O Globo
3. Folha de S.Paulo (1, 2)
4. Congresso em Foco
5. Estado de Minas
6. The Conversation
7. OpenAI
8. Parlamento Europeu
9. ITS Rio
10. The New York Times

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