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Golpe do celular com ‘deep fake’ de Hang inunda redes e gera crise inédita para Havan

Por Gisele Lobato e João Barbosa

18 de janeiro de 2024, 13h33

Um golpe criado com IA (inteligência artificial) e disseminado nas redes na véspera do Natal levou consumidores indignados às lojas físicas da Havan e gerou uma enxurrada de críticas no perfil da varejista no Reclame Aqui. Por meio de um vídeo manipulado que simulava a voz do empresário Luciano Hang, criminosos inventaram uma promoção de smartphones para roubar o dinheiro de usuários. A fraude, que continua sendo propagada livremente nas redes, causou uma crise inédita para a empresa.

“A repercussão foi tão grande que, até a primeira quinzena de dezembro, nós tínhamos recebido mais de 3.000 contatos nos nossos canais de relacionamento buscando saber se de fato procedia isso”, afirmou Fábio Roberto de Souza, responsável pelos canais de relacionamento da Havan. Em entrevista ao Aos Fatos, ele disse que a empresa chegou a receber 500 reclamações em um só dia. A Havan fez um comunicado na TV para tentar conter a crise.

  • Os criminosos usaram a tecnologia para colocar Hang anunciando que a Havan tinha sido notificada pelo Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) por ter cometido um erro ao divulgar promoções e, por isso, precisava vender smartphones de última geração por R$ 179;
  • Outras versões da fraude simulam as vozes de jornalistas famosos, como César Tralli e William Bonner;
  • Os anúncios trazem links para páginas que copiam o site da Havan ou portais de notícias, como o g1 e a CNN Brasil;
  • O golpe, segundo a varejista, começou a circular entre o final de novembro e o início de dezembro e tem sido impulsionado principalmente por meio de anúncios comprados nas redes.

O problema começou justamente na época mais importante para o varejo: as festas de fim de ano. O fato de ser um período de vendas aquecidas não diluiu o impacto da fraude no número de reclamações contra a loja no site Reclame Aqui.

Levantamento feito pelo Aos Fatos mostra que metade das 244 queixas registradas contra a loja online da Havan entre 1º de dezembro e 12 de janeiro se refere ao golpe. Denúncias similares foram direcionadas também para o perfil das lojas físicas da empresa e das diversas plataformas de pagamento usadas pelos golpistas.

Print do site Reclame aqui mostra queixa de morador do Espírito Santo contra loja online da Havan. Sem perceber que era vítima de golpe, ele diz estar perplexo pela artimanha da empresa, cujo proprietário teria se exposto nas redes para oferecer o aparelho Samsung S22 pela plataforma Fastpay. 
'Como duvidar?' Vítimas do golpe se voltaram com a varejista na página da Havan no site Reclame Aqui sem perceber que tinham visto vídeo criado por inteligência artificial (Reprodução/Reclame Aqui)

Como a “deep fake” — nome dado a conteúdos falsos criados com o auxílio de IA — usava a imagem de Hang, muitos consumidores que procuraram o Reclame Aqui ainda não tinham percebido que haviam sido vítimas de golpe e protestavam contra a demora na entrega do smartphone. “Foi o próprio dono da Havan que fez a propaganda enganosa?”, contestou um morador de Minas Gerais após a empresa informar que ele havia caído em uma fraude.

“Não imaginava este tipo de pilantragem das lojas Havan”, registrou um morador de Serra (ES), que ameaçou processar a loja e exigiu o estorno do pagamento de R$ 358,98 feito aos golpistas.

Nas queixas registradas, consumidores citam cinco plataformas que teriam veiculado a notícia enganosa: os três carros-chefe da Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) são os campeões de menções, mas Google e Kwai também são citados. O Aos Fatos também encontrou versões do vídeo circulando no TikTok. Só foi possível confirmar que houve pagamento para impulsionar o conteúdo nas plataformas da Meta, já que a big tech é a única que dispõe de uma biblioteca que permite consultar os anúncios por palavras-chave.

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‘VÊ DIREITINHO SE NÃO É GOLPE’

A mulher do eletrotécnico Lucas Flôr, 34 anos, desconfiou desde o começo quando recebeu dele um áudio no WhatsApp falando da oportunidade para trocar de celular. “Vê direitinho se não é golpe”, recomendou. O morador de Queimados (RJ), porém, estava confiante, já que tinha visto o próprio dono da Havan e um jornalista da Globo anunciando os celulares. Ele não apenas tentou comprar o aparelho, como adicionou mais um no carrinho e optou pela modalidade de entrega rápida — mais cara. Acabou tomando prejuízo de R$ 303,30, em três vezes, no cartão de crédito. “Até o frete me roubaram”, disse ele em entrevista ao Aos Fatos.

Usuário da internet desde bem jovem, Flôr nunca tinha caído em nenhum golpe e atribui sua estreia a um momento de distração enquanto rolava o feed do Facebook, plataforma que considera “ter uma parte da culpa” por seu prejuízo. “Pô, uma empresa de alta tecnologia não ter capacidade de conter isso de alguma forma, de derrubar um anúncio suspeito?”, reclama.

A experiência do eletrotécnico mostra que, em vez de barrar a propaganda fraudulenta, o algoritmo da plataforma pode estar contribuindo para sua propagação. “Depois que eu cliquei nesse anúncio, vários iguais começaram a aparecer”, relata. Eram diferentes versões do vídeo que tinha visto, todas contando a mesma história e levando para diferentes páginas que tentavam aplicar o golpe no qual ele tinha acabado de cair.

Post patrocinado da página Notícias em Foco diz que, em decisão histórica, Havan teria sido condenada pelo procon de são paulo a vender smartphones por 179,90. Print do vídeo mostra imagem do empresário Luciano Hang segurando um papel onde se lê nota oficial
Urgente. Mais de um mês após golpe ser denunciado, conteúdos patrocinados fraudulentos seguem sendo exibidos para os consumidores no feed do Facebook (Reprodução/Facebook)

Já ciente de que tinha sido vítima de fraude, Flôr buscou denunciar os anúncios, recebendo sempre “uma resposta automática que diz que vão analisar”. Segundo conta, as versões do golpe só pararam de povoar seu feed quando indicou para a plataforma que não queria mais receber aquele tipo de recomendação de conteúdo.

A disseminação dos anúncios fraudulentos em plataformas da Meta chama a atenção considerando que a fraude já foi desmentida por empresas de checagem há mais de um mês — inclusive pelo Aos Fatos. Ainda assim, novos posts patrocinados continuam sendo aprovados, como é possível constatar na Biblioteca de Anúncios da big tech.

Por causa das falhas na moderação e da ausência de uma checagem mais cuidadosa no processo de aprovação dos anúncios, Fábio Roberto de Souza acredita que as plataformas precisam ser responsabilizadas para evitar que os golpes continuem ocorrendo — os casos de estelionato virtual aumentaram 65,2% entre 2021 e 2022, segundo o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

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Outro lado. Procurada para comentar a propagação do golpe em suas redes, a Meta afirmou que "atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros não são permitidas” em suas plataformas e que está aprimorando sua tecnologia para combater atividades suspeitas. A empresa também orientou os usuários a denunciar esses conteúdos.

Já o Kwai disse que “está equipado com mecanismos de segurança que atuam 24 horas por dia, combinando inteligência artificial e análise humana” para identificar e remover rapidamente conteúdos que violem suas regras e que os anúncios do golpe da Havan foram retirados do ar em dezembro de 2023. O Kwai também declarou que “acompanha e apoia as discussões e iniciativas relacionadas à construção de um ambiente digital mais seguro e confiável” e que respeita e segue as leis e regulamentações dos países onde opera.

O TikTok, por sua vez, disse que não permite tentativas de fraudar ou enganar sua comunidade e que, quando identificados, esses conteúdos são removidos. A empresa disse ainda que disponibiliza um guia para ajudar a identificar golpes online e estimula os usuários a denunciar as fraudes no próprio aplicativo.

O Google não respondeu ao pedido de posicionamento do Aos Fatos até a publicação deste texto.

Referências:

1. Aos Fatos (1 e 2)
2. Reclame Aqui (1 e 2)
3. Biblioteca de Anúncios da Meta
4. Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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