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Documentos divulgados pelo Congresso dos EUA não provam que decisões de Moraes contra o X eram ilegais

Por Amanda Ribeiro, Ethel Rudnitzki, Gisele Lobato e Luiz Fernando Menezes

19 de abril de 2024, 13h12

A divulgação de decisões sigilosas da Justiça brasileira sobre o X (ex-Twitter), na quarta-feira (17), gerou acusações contra o ministro Alexandre de Moraes, que teve suas ordens de remoção de conteúdo apontadas como ilegais por Jair Bolsonaro e seus apoiadores.

O argumento disseminado é que o ministro do Supremo Tribunal Federal teria desobedecido ao ordenamento jurídico por não apresentar justificativa para as ordens de bloqueio de posts e perfis — e que, portanto, as ordens configurariam censura.

Especialistas consultados pelo Aos Fatos, no entanto, afirmaram que os documentos não provam que as decisões de Moraes são ilegais. Isso porque não é necessário que ofícios emitidos durante a tramitação de uma ação judicial contenham a motivação do magistrado para a remoção de um conteúdo ou o bloqueio de um perfil, especialmente se a ação corre em sigilo.

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Acácio Miranda, doutor em direito constitucional pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), explicou ao Aos Fatos que há uma diferença entre a decisão, que resolve questões de um processo, e a determinação, que é uma ordem emitida para garantir o andamento do processo.

“Quando um juiz ou quando um ministro manda uma ordem para alguém, ele não precisa fundamentar esse mandado, porque o que está sujeito à fundamentação é a decisão que motivou a confecção ou a criação daquele mandado”, ele diz.

Ou seja: o que embasa o mandado é a decisão tomada previamente, cuja fundamentação já foi explicitada pelo magistrado. Segundo Miranda, portanto, as justificativas para o bloqueio de perfis ou a remoção de conteúdos não precisariam constar nos ofícios enviados ao X, que são ordens emitidas durante os processos.

Essa visão é corroborada pelo jurista Lenio Streck, que afirmou também não ver ilegalidade nas determinações para remoção de conteúdo. De acordo com ele, a discussão que se fez em volta do vazamento acabou por esconder o fato principal: que as ordens de remoção atingiam indivíduos que haviam atacado a democracia.

“O que está sendo apresentado são documentos ‘pela metade’. Ofícios e não propriamente decisões”, disse Streck à reportagem.

O posicionamento dos especialistas vai no mesmo sentido de um esclarecimento divulgado pelo STF. O tribunal afirmou que os documentos divulgados pela comissão do Congresso dos Estados Unidos não são decisões, mas “ofícios enviados às plataformas para cumprimento da decisão” — e que, por isso, não necessitam de fundamentação. “Todas as decisões tomadas pelo STF são fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm acesso à fundamentação.”

“Fazendo uma comparação, para compreensão de todos, é como se tivessem divulgado o mandado de prisão (e não a decisão que fundamentou a prisão) ou o ofício para cumprimento do bloqueio de uma conta (e não a decisão que fundamentou o bloqueio)”, explicou o STF.

É possível verificar que os documentos que vieram à tona são de fato apenas partes de um processo maior no próprio site do STF. Para exemplificar, Aos Fatos selecionou o primeiro ofício, referente à petição 10.851 (veja a linha do tempo abaixo):

  • O ofício compartilhado pelo X com o Congresso americano foi protocolado em 19 de janeiro de 2023;
  • A petição, no entanto, foi iniciada no dia 16 daquele mesmo mês e remetida à PGR (Procuradoria-Geral da República) no dia 17;
  • Também há registro de que o relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, publicou uma decisão um dia antes de enviar a ordem ao X (18 de janeiro).

Andamento da petição 10.851 mostra que processo começou três dias antes da ordem de Moraes vazada pelo Congresso americano
Linha do tempo. Decisões que aparecem nos documentos fazem parte de processos maiores no STF e TSE (Reprodução)

O advogado criminalista André Galvão também refutou o argumento de que as determinações seriam uma tentativa de censura. Segundo ele, todos os documentos anexados que realmente limitavam de alguma maneira a liberdade de expressão de usuários eram fundamentados por pressupostos legais. “Foram bloqueados perfis que alegavam fraude no processo eleitoral, que clamavam por intervenção militar e que incitavam a população a praticar crimes diversos, até mesmo contra a integridade de ministros”, afirma.

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DOCUMENTOS EM NÚMEROS

Os documentos divulgados pelo Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos Estados Unidos foram requisitados pelo órgão ao X em meio a uma investigação sobre colaborações entre o governo de Joe Biden e as plataformas digitais para remoção de conteúdos online.

Nem todos os ofícios são pedidos de remoção de conteúdo, ao contrário do que sugerem algumas publicações. Dos 86 documentos, 10 determinam a reativação de contas ou a suspensão de restrições sobre posts que haviam sido bloqueados por ordem anterior.

As ordens foram expedidas entre agosto de 2021 e novembro de 2023 pelo STF, pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e pelos tribunais eleitorais de Rondônia e Mato Grosso. Além do X, plataformas como Facebook, Instagram, TikTok, YouTube e Kwai também foram afetadas pelas decisões.

Ao todo, o comitê divulgou 86 documentos:

  • A maioria (58) foi assinada por Moraes — 47 como ministro do STF e 11 como presidente do TSE;
  • Outros 23 foram assinados pelo então juiz auxiliar da Presidência do TSE Marco Antonio Martin Vargas. Todos os documentos foram emitidos após Moraes assumir a presidência da corte eleitoral, em agosto de 2022;
  • 75 ofícios constam em processos confidenciais (73 sigilosos e 2 sob segredo de Justiça) e 9, em casos públicos;
  • Entre os pedidos, 41 — todos originados de decisões do STF — não apresentam no próprio documento a justificativa. Como explicado anteriormente, não é obrigatório que tal motivação conste do documento, porque se trata de mandados para execução de ordens judiciais;
  • Os outros, que detalharam as motivações, são originários do TSE e dos TREs. Eles determinavam o bloqueio ou a remoção de perfis ou conteúdos que lançavam dúvidas sobre o sistema de votação. Um dos principais conteúdos de desinformação derrubados é a live do argentino Fernando Cerimedo, que divulgou um relatório com informações falsas para alegar que as eleições haviam sido fraudadas.

Referências:

1. CNJ
2. STF
3. TSE
4. Aos Fatos

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