Sariana Fernández/Aos Fatos

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Dezembro de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Com Dino no STF, Ministério da Justiça se arrisca a perder protagonismo na regulação das redes

Por Gisele Lobato

15 de dezembro de 2023, 13h21

Aviso: este texto é uma análise e foi publicado originalmente na newsletter O Digital Disfuncional.


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#20 | 🛡️O Vingador e a guerra infinita da regulação

O Brasil ainda estava na ressaca dos ataques de 8 de janeiro quando o recém-empossado ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), apresentou aquele que ficou conhecido como Pacote da Democracia, uma série de propostas que visavam evitar que ações golpistas se repetissem no país.

Inicialmente, o pacote previa uma Medida Provisória que criava obrigações para as plataformas, instituindo a responsabilidade de as empresas evitarem a disseminação em massa de conteúdos que atentassem contra o Estado Democrático de Direito. Era o caso do incentivo a golpes de Estado, por exemplo.

A ideia de regular as plataformas no atropelo, por meio de MP, foi alvo de críticas de ativistas de direitos digitais. O ministério ouviu os descontentes, recuou, e a discussão migrou para a Câmara dos Deputados, onde já tramitava o PL 2.630/2020, conhecido como “PL das Fake News”. Ainda que precipitada, a iniciativa do Executivo deixava claro que as big techs não poderiam simplesmente lavar as mãos depois do que aconteceu em Brasília.

Ao longo de todo o ano, Flávio Dino foi um dos protagonistas da defesa da regulação das plataformas. Mais do que isso: no Executivo, foi ele quem mais deu a cara a tapa nessa briga. O problema inquieta todo o governo, mas Dino muitas vezes tomou a dianteira no debate.

Foi o que ocorreu, por exemplo, no episódio das ameaças de ataques a escolas. No final de março, incentivado por tuítes, um adolescente de 13 anos invadiu a Escola Estadual Thomazia Montoro, na zona oeste de São Paulo, e esfaqueou uma professora, que morreu. Nas semanas seguintes, as redes foram tomadas por supostas ameaças a outras instituições de ensino, levando pânico a pais, alunos e educadores.

Na época, foi notícia uma suposta falta de disposição do Twitter em colaborar com as autoridades para enfrentar o problema. Em reunião no Ministério da Justiça, a empresa teria se negado a remover perfis acusados de fazer apologia à violência nas escolas, argumentando que eles não violavam suas regras.

Dois dias depois, Dino publicou uma portaria ameaçando de multa e suspensão as redes que não tomassem medidas para conter a crise. Como o Vingador que disse ser em um dos momentos de deboche que marcaram sua gestão, o ministro passava seu recado: se as plataformas não cooperassem por bom senso, iriam cooperar na marra. A medida funcionou, mas foi criticada pela comunidade do direito digital, que considerou que o texto abria um precedente perigoso de intervenção do governo nas redes.

A atuação dura de Dino em momentos de crise fez com que o Ministério da Justiça dividisse com o STF (Supremo Tribunal Federal) o papel de “bad cop" nos bastidores das negociações sobre a regulação. Se podemos afirmar que, cedo ou tarde, será alcançado um acordo que fará o “PL das Fake News” sair do impasse no Congresso, isso se deve em muito ao temor de que o Legislativo perca as rédeas do processo para atores políticos menos sujeitos a ceder à pressão das big techs.

Fontes envolvidas nas discussões, ouvidas pelo Aos Fatos, atribuem boa parte do protagonismo de Dino à sua própria iniciativa. Daí que fica difícil de imaginar que nada mudará com sua saída do ministério para assumir uma vaga no STF. Ainda que seu sucessor ou sucessora compartilhe do senso de urgência em relação à pauta, o debate deverá, no mínimo, ganhar contornos mais discretos.

Antes de apresentar algum possível nome para a sucessão de Dino, Lula terá de tomar outra decisão que também poderá ter impacto nas discussões sobre a regulação. Nos próximos dias, o presidente irá definir se o Ministério da Justiça e da Segurança Pública será desmembrado em duas pastas ou se permanecerá um só.

A criação de um ministério exclusivo para a segurança pública foi promessa de campanha de Lula e chegou a ser proposta durante a transição. A separação é defendida por uma ala do PT, mas o próprio Dino declarou em outubro que considera que a divisão poderia reduzir a eficácia dos trabalhos, já que as investigações judiciais e as ações policiais são interligadas.

É fato, porém, que a segurança pública é hoje um dos temas mais sensíveis no país e pode ter impacto nas eleições de 2024. Uma fonte ouvida pelo Aos Fatos lembra que a responsabilidade pelo setor é dos estados, mas com o deterioramento da situação em regiões importantes do país — como Rio, São Paulo e Bahia —, o governo federal busca uma resposta política para o problema. Com a prioridade colocada na segurança pública, um eventual desmembramento do ministério reduziria o risco de a discussão sobre a regulação das plataformas ser escanteada.

Independentemente do arranjo que prevalecerá, Dino não deve abandonar a pauta, já que o STF ainda precisa concluir seu julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (lei nº 12.965/2014), que determina que as plataformas não são responsáveis pelo conteúdo de terceiros — salvo poucas exceções, como ao descumprir decisão judicial que obrigava a remoção.

Na guerra infinita da regulação, o STF já dava sinais de que pretendia aumentar a responsabilidade das plataformas para evitar que sejam usadas na prática de crimes, e o novo membro da Corte não deverá contrariar essa tendência.

Dino deixou isso claro ao ser sabatinado por senadores na última quarta (13), quando sua indicação ao STF foi aprovada. Instigado por representantes do bolsonarismo a comentar sobre a regulação — por vezes sob a insinuação de que fomentava a “censura” —, o ministro defendeu que as plataformas deveriam ser tratadas como “uma atividade empresarial qualquer destinada ao lucro”.

Em discurso hábil, Dino buscou expandir sua argumentação para acolher uma instituição frequentemente usada pela direita — a família. Evocou os riscos que as redes podem proporcionar às crianças e lembrou que, mesmo na privacidade dos lares, se aplicam regras jurídicas. “Os homens podem bater nas suas esposas? Os homens podem matar suas companheiras? Não!”.

“Considero que é o debate jurídico mais importante do século 21, porque nós estamos no limiar do perecimento das condições de se realizar eleições com o abuso da inteligência artificial. Todas as senhoras e os senhores sabem disso. E não vai haver regras?”, questionou.

No que depender de Dino, vai.

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