Sariana Fernández/Aos Fatos

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

O que está em disputa na abertura do poço de petróleo na bacia da foz do rio Amazonas

Por Luiz Fernando Menezes

9 de agosto de 2023, 12h06

Em discurso durante a Cúpula da Amazônia nesta terça-feira (8), o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, criticou a falta de adesão dos países à proposta de firmar um plano para o fim da exploração de petróleo no bioma. A proposta, que não deve integrar os pontos principais da carta de intenções do encontro, vai contra as ambições do governo brasileiro e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que declarou dias antes querer “continuar sonhando” com a exploração na bacia da foz do rio Amazonas.

Esse assunto tem sido alvo de disputas internas desde maio, quando o Ibama negou um pedido da Petrobras para a perfuração de um poço exploratório na região. A estatal protocolou, então, um pedido de reconsideração em que se compromete a ampliar a estrutura de monitoramento e atendimento a emergências. Não há prazo para resposta, mas o presidente sinalizou em entrevista que a decisão deve ocorrer em breve.

Ambientalistas argumentam que a perfuração pode trazer riscos à fauna e à flora locais e prejudicar os povos indígenas que vivem nas proximidades, e que uma eventual descoberta de petróleo talvez não seja tão benéfica à economia brasileira a longo prazo. Já a Petrobras e entidades ligadas aos petroleiros defendem que a possibilidade de acidentes é muito baixa e que os ganhos com a eventual descoberta de uma nova fronteira energética superariam os riscos.

O Aos Fatos entrevistou especialistas e consultou documentos tanto do Ibama quanto da Petrobras para resumir, em três pontos, o que está em jogo na disputa pela exploração do poço na bacia da foz do rio Amazonas:

  1. Por que a Petrobras quer fazer uma perfuração na bacia da foz do rio Amazonas?
  2. Quais são os possíveis impactos ambientais da perfuração?
  3. Quais são os possíveis impactos econômicos da medida?

1. Por que a Petrobras quer fazer uma perfuração na bacia da foz do rio Amazonas?

Localizado a 179 km da costa do Amapá e a 500 km da foz do rio Amazonas, o bloco FZA-M-59 teve seus direitos de exploração adquiridos em 2013 pela Petrobras e pela BP. O fato de uma empresa obter a concessão de um bloco de exploração, no entanto, não garante que ela consiga o licenciamento ambiental para trabalhar no local. A dificuldade na obtenção da licença fez, inclusive, com que a BP transferisse em 2020 o controle operacional das atividades na região à estatal brasileira.

Com uma extensão de cerca de 350 mil km², a bacia da foz do rio Amazonas se estende do Pará à fronteira com a Guiana Francesa. Desde a década de 1970, foram perfurados 95 poços na região, todos em águas rasas — situação diferente da proposta atual da Petrobras, que pretende fazer a exploração em águas profundas. A grande maioria dos empreendimentos foi abandonada pela ausência de recursos em quantidade suficiente para a exploração comercial ou por acidentes e dificuldades logísticas.

Mapa da bacia da foz do rio Amazonas mostra localização do poço exploratório FZA-M-59, que ficaria a 170 km da costa do Amapá e 500 km da foz do Amazonas
Localização. Poço fica a cerca de 170 km da costa do Amapá (seta vermelha) e a cerca de 500 km da foz do Amazonas (seta amarela) (Reprodução/Petrobras)

A Petrobras retomou recentemente o interesse em explorar a bacia após descobertas de grandes jazidas de petróleo nas águas profundas da Guiana e do Suriname. Em 2021, um estudo estimou que a região da margem equatorial teria potencial de produzir de 20 a 30 bilhões de barris; um dos autores, o geólogo Pedro Zalán, estima que a bacia da foz do rio Amazonas tenha potencial equivalente. Esses números, no entanto, só poderiam ser confirmados após a perfuração de poços.

A estatal pretendia iniciar o trabalho de perfuração em águas profundas pelo poço no FZA-M-59 e, para isso, solicitou o licenciamento para verificar a presença de petróleo no local. Caso houvesse, de fato, petróleo em quantidade comercial, a empresa solicitaria uma nova licença, dessa vez para montar um campo de produção do ativo.

Os planos, no entanto, foram barrados pelo Ibama, que não concedeu a licença exploratória por julgar que eram necessários mais estudos que comprovassem a viabilidade e a segurança ambiental. A estatal recorreu da decisão.

2. Quais SÃO os possíveis impactos ambientais da perfuração?

A perfuração para a exploração de petróleo em águas profundas pode gerar diversos impactos ambientais e sociais. Os documentos do Ibama, os especialistas entrevistados pelo Aos Fatos e os ambientalistas que participaram de audiências públicas sobre o tema afirmam que o poço pode afetar o ambiente marítimo, os biomas no entorno e também as comunidades que vivem próximas à região.

Imagem aérea mostra região da bacia da foz do rio Amazonas
Região sensível. Área de perfuração do poço engloba restingas e manguezais e é berço de uma série de espécies marinhas (Coordenação Geral de Observação da Terra/Inpe)

  • O FZA-M-59 fica localizado numa bacia sedimentar pouco estudada, mas que possui alta sensibilidade ambiental: nela, estão localizados o Grande Sistema de Recifes do Amazonas e a maior zona contínua de manguezais do mundo. A exploração do petróleo envolve o deslocamento de embarcações, que causam ruídos que podem afugentar os animais e alterar o equilíbrio dos ecossistemas;
  • O mesmo ocorre em terra: aeronaves terão que sobrevoar a região, que contém manguezais e a floresta amazônica;
  • Os abalos sísmicos causados pela perfuração também podem influenciar a vida marinha — principalmente de animais maiores e dos que se comunicam via sonar – e até matar algumas espécies por soterramento ou contaminação pelos resíduos da perfuração;
  • Além dos animais, também os seres humanos que vivem no local podem ser impactados pela exploração: a movimentação dos petroleiros pode, por exemplo, afugentar os peixes e atrapalhar a pesca na região;
  • A rotina e a cultura dos povos indígenas que vivem em comunidades próximas à bacia também podem ser afetadas por conta do sobrevoo de aeronaves e da movimentação causada pela perfuração;
  • O início da atividade econômica pode levar a um aumento na especulação imobiliária e no fluxo migratório para a região, o que, muitas vezes, é acompanhado por um aumento do desmatamento.

Em texto publicado após a negativa do Ibama, a Petrobras alega que a perfuração apresenta baixo risco ambiental e que a estrutura proposta prevê “ações de resposta costeira à fauna, incluindo monitoramento e atendimento veterinário”.

Em entrevista ao Aos Fatos, Pedro Augusto Pinho, presidente da AEPET (Associação dos Engenheiros da Petrobras), afirmou ainda que o fato de as correntes marítimas da região não se destinarem à costa brasileira minimiza os riscos de acidentes no país. “A contaminação de óleo, num pouquíssimo provável e inédito acidente, não mancharia as praias brasileiras nem prejudicaria nossa flora oceânica”, explicou.

A movimentação das correntes, no entanto, poderia causar um problema internacional em um eventual caso de vazamento de óleo. Isso porque, segundo o relatório do Ibama, a “localização tende a gerar trajetórias de derramamento que levem o poluente para águas jurisdicionais da Guiana Francesa e demais países da costa equatorial sul-americana”. Por isso, a autarquia afirma que seria necessária uma articulação internacional prévia do Brasil com países vizinhos.

Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, homem branco, loiro, com cabelos compridos, aparece falando ao microfone em audiência pública ocorrida na Câmara dos Deputados
Decisão técnica. Em audiência pública em 31 de maio, presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou que não cabia ao órgão fazer política energética (Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

As fortes correntezas também podem causar dificuldades técnicas durante os processos de perfuração e exploração. Em audiência na Câmara dos Deputados no dia 31 de maio, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, citou um caso ocorrido em 2011, quando uma sonda instalada na bacia da foz do Amazonas foi movimentada pela correnteza e levou a Petrobras a desistir de explorar recursos em um poço instalado na região.

Especialistas do setor petroleiro ressaltaram ao Aos Fatos que a Petrobras nunca causou acidentes durante a perfuração de poços — até hoje, houve vazamentos em dutos, como na baía de Todos-os-Santos (BA), em 2018, e derramamento por navios cargueiros, caso do navio Brotas, em Ilha Grande (RJ), em 2002.

Pedro Rodrigues, sócio do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), que presta consultoria ao setor energético, também alegou que a estatal tem experiência com perfurações em águas profundas, já que explorou a bacia de Campos, no Rio de Janeiro, e o pré-sal.

Isso, no entanto, não torna nula a possibilidade de um vazamento na região, segundo o Ibama. Também é importante ressaltar que, caso ocorra algum acidente ou emergência, o socorro deverá percorrer grandes distâncias até chegar ao poço, que fica localizado a 179 km da costa do Amapá e a cerca de 500 km da base marítima mais próxima, em Belém (PA).

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3. Quais são os possíveis impactos econômicos da medida?

De acordo com a Petrobras, a exploração de petróleo na margem equatorial brasileira seria uma forma de abrir uma nova e importante fronteira energética para o país. “Essas fronteiras são essenciais para a garantia da segurança e soberania energética nacional, visto que, apesar de decrescente, a demanda global de petróleo se mantém essencial”, informou a estatal.

A estimativa do governo é de que a região — que engloba bacias localizadas nos estados do Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte — abriga uma reserva de 10 bilhões de barris de petróleo, quantidade quase equivalente à do pré-sal.

Já o CBIE acredita que a margem equatorial pode proporcionar até 30 bilhões de barris, o que poderia resultar na elevação da produção brasileira em mais de 1,1 milhão de barris por dia a partir de 2029. Em junho deste ano, o país produziu 3,367 milhões de barris de petróleo por dia, segundo a ANP.

Rodrigues também destaca que uma possível descoberta de petróleo traria ganhos, inclusive, para a população da região: a gestão pública ganha royalties pela exploração, e a movimentação dos funcionários da petroleira aumenta a demanda por serviços como hotelaria e alimentação, o que faz crescer a geração de empregos.

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Os especialistas em meio ambiente, por outro lado, acreditam que a perfuração não necessariamente resultará em ganhos econômicos para a estatal:

  • É possível, por exemplo, que não haja petróleo em grandes quantidades ou que a estatal sequer encontre o recurso;
  • Caso o poço de fato tenha petróleo em quantidades comerciais, serão necessários mais estudos para coletar informações, o que pode levar anos ou até décadas. Quando o recurso começar a ser efetivamente extraído, portanto, o cenário pode ser muito diferente do atual, com menos demanda e mais oferta do produto, já que diversos países têm se mobilizado ou prometido adotar medidas para diminuir a emissão de gases produzidos a partir de combustíveis fósseis;
  • Caso ainda haja demanda suficiente por petróleo, a exploração resultará na emissão de bilhões de toneladas de dióxido de carbono, o que, além de contribuir para o agravamento das mudanças climáticas, fere as metas brasileiras de redução de emissões e afeta a reputação do país no cenário internacional.

Pinho e Rodrigues descartam esses dois últimos cenários: para eles, não há previsão de que a demanda por petróleo diminua. “Desenvolveu-se tecnologia para minimizar os efeitos poluidores e para dar maior utilidade ao petróleo. Hoje, as denominadas energias alternativas dependem, todas elas, do petróleo para funcionar — ou para a fabricação de seus equipamentos, ou das máquinas para sua operação, ou dos materiais para a manutenção. Usamos até a expressão que elas são ‘potencialmente alternativas’, pois não vivem sem o petróleo”, afirmou o primeiro.

Já o segundo ressaltou que, além dos combustíveis, o petróleo também é utilizado para produzir materiais como o plástico, e que os acordos internacionais não preveem que países deixem de usar o recurso como combustível, mas sim que compensem as emissões de poluentes por meio de reflorestamento ou pela compra de créditos de carbono.

Colaborou Amanda Ribeiro.

Referências:

1. CNN Brasil (1, 2 e 3)
2. Folha de S.Paulo (1, 2 e 3)
3. Poder360
4. G1
5. Agência Brasil
6. Veja
7. ANP (1 e 2)
8. IstoÉ Dinheiro
9. epbr (1 e 2)
10. UOL (1 e 2)
11. Click Petróleo e Gás
12. Petrobras (1, 2, 3 e 4)
13. Ibama
14. Science
15. Portal Amazônia
16. YouTube (epbr)
17. O Estado de S. Paulo (1 e 2)
18. Brasil de Fato
19. ONU

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