🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Fevereiro de 2024. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Cena descontextualizada do desfile da Gaviões da Fiel de 2019 continua gerando desinformação nas redes

Por Luiz Fernando Menezes

19 de fevereiro de 2024, 10h44

Quem acessou alguma rede social durante os últimos dias deve ter visto uma cena do Carnaval de Salvador que viralizou no feriado. A cantora Baby do Brasil interrompeu a festa no sábado (10) para dizer que entramos no período do apocalipse e que era preciso “procurar o Senhor enquanto é possível”. Em resposta, a cantora Ivete Sangalo afirmou que o fim do mundo não vai acontecer, “porque não tem apocalipse que resista ao ‘Macetando’”.

De um lado, religiosos atacaram Ivete por estar “debochando” de Deus. Do outro, foliões apontaram que Baby teria sofrido uma “lavagem cerebral” evangélica.

Trata-se apenas de um dos inúmeros casos evidenciando o atrito entre religiosos e carnavalescos que ocorre há décadas: agremiações fazem referência a símbolos cristãos em seus desfiles e são criticadas por isso, e fiéis apontam que a festa, que ocorre em um período que precede a Quarta-Feira de Cinzas, iria contra os ensinamentos bíblicos.

Algumas religiões, inclusive, proíbem seus fiéis de comemorar o Carnaval — ou os convencem a não participar. Isso tem causado uma diminuição no número de foliões e dificultado o trabalho das escolas de samba nos últimos anos.

Leia mais
HQ Desenhamos fatos sobre a economia do Carnaval
WHATSAPP Inscreva-se no nosso canal e receba as nossas checagens e reportagens

Antes de mais nada, vamos deixar uma coisa clara: não há problema em criticar e se posicionar contra uma atividade que contraria a sua religião. O problema é que, nos últimos anos, usuários têm usado desinformação para validar seus ataques ao Carnaval. Entre todos os assuntos ligados à festa que são alvos de mentiras, há um que se destaca: o desfile da Gaviões da Fiel de 2019.

Naquele ano, a escola de samba desfilou com o enredo “A saliva do santo e o veneno da serpente”, que, em uma de suas alas, contava a história de uma batalha entre Jesus e o Diabo. Durante a apresentação, a figura demoníaca agredia o filho de Deus e o arrastava pela passarela. Ao fim, no entanto, Jesus era protegido pelos anjos e vencia a batalha.

É claro, porém, que publicações nas redes recortaram apenas os trechos em que o Diabo batia em Jesus para dizer que a Gaviões teria sido desrespeitosa com o cristianismo. Circulou na época a mentira de que o ator que representou o Diabo teria morrido em um acidente de trânsito dias depois da apresentação.

Publicação de 2019 mostra cena do desfile da Gaviões com legenda ‘Diabo vencendo Jesus? Blasfêmia no Carnaval?’
'Blasfêmia.' Usuários e políticos compartilharam trecho descontextualizado do desfile para acusar escola de desrespeitar religião (Reprodução/Facebook)

Desde então, a mesma imagem descontextualizada tem sido usada em publicações para culpar o Carnaval por diferentes desastres e crises que assolaram o Brasil:

  • Em 2020 e 2021, publicações relacionaram a encenação à pandemia de Covid-19, dizendo, por exemplo, que a doença teria sido enviada para cancelar os desfiles;
  • Já em 2023, posts usaram a cena da batalha e de outros desfiles com alusões religiosas para acusar o Carnaval de estar provocando chuvas e inundações no país;
  • Neste ano, a mesma imagem agora aparece em publicações como justificativa do surto de dengue em diversas regiões do Brasil.

Nesses últimos dois casos, as alegações também acabam gerando desinformação ambiental: o aumento das chuvas e a maior proliferação do mosquito causador da dengue estão, na verdade, diretamente relacionadas às mudanças climáticas que, por sua vez, são causadas pela atividade humana.

Post de 2024 culpa Carnaval pela epidemia de Covid-19 e pelo surto de Dengue no Brasil
'Afronta.' Publicações recentes continuam culpando o desfile da Gaviões de 2019 por crises e problemas de saúde pública (Reprodução/Facebook)

De qualquer maneira, compartilhar o trecho do desfile da Gaviões sem o seu devido contexto é uma maneira de desinformar. Conforme explicou na época o então coreógrafo da agremiação, Edgar Júnior, o enredo completo mostrava, na verdade, que, apesar das provações diárias, a fé deveria persistir.

“O recado era que todo dia estamos crucificando Jesus aos poucos: quando o marido trai a esposa, alguém pega um troco errado e coloca no bolso, tem um político roubando dinheiro do povo. Isso não é o ensinamento de Jesus. A nossa intenção era mostrar que a gente lida com o mal a todo momento. Para fazer as pessoas repensarem um pouco e darem mais atenção às palavras de Deus, que Jesus deixou para a gente”, disse ele, em entrevista à Veja.

Júnior deu essa explicação logo após o Carnaval de 2019. O desfile completo está disponível nas redes desde aquele momento. A primeira checagem sobre o assunto publicada pelo Aos Fatos foi ao ar em março daquele ano.

Mesmo assim, quatro anos depois, o recorte descontextualizado da apresentação segue gerando desinformação nas redes, inflamando ânimos e dando combustível aos que preferem usar mentiras para defender seus pontos de vista.

Topo

Usamos cookies e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concordará com estas condições.