No Telegram, negacionistas usam falsa ‘arma climática’ para justificar tragédia no RS

Por Ethel Rudnitzki

10 de maio de 2024, 18h57

“A nação está sob ataque orquestrado de seres trevosos, malignos e satânicos”, diz texto que circula em grupos de Telegram desde o início de maio. A mensagem acompanha um vídeo que alega que as fortes chuvas no Rio Grande do Sul teriam sido planejadas “por conspiradores e traidores da nação” para “desapropriar os cidadãos de suas casas, terras e propriedades”.

Para isso, misturam acusações sem provas sobre suposta inação dos governos federal e estadual nos resgates de vítimas, além de teorias conspiratórias sobre a existência de “armas climáticas”.

  • Em monitoramento de grupos no Telegram, Aos Fatos identificou outras oito correntes que negam os efeitos do aquecimento global e atribuem as chuvas do Rio Grande do Sul a teorias da conspiração;
  • Juntas, elas já somavam mais de 36 mil visualizações até a tarde desta sexta-feira e circularam 67 vezes em grupos monitorados pela ferramenta Radar Aos Fatos.

A primeira mensagem do tipo viralizou no dia 3 de maio, quando as águas do rio Guaíba começaram a subir e alagaram Porto Alegre e cidades vizinhas. “Em Canoas foi avistado um ‘portal’ no céu”, dizia a corrente, que acompanhava vídeo que mostrava uma tempestade de raios na cidade que foi uma das mais atingidas pelas chuvas.

Na verdade, as imagens mostram uma abertura entre as nuvens escuras onde é possível ver a luz do sol. Elas circulam desde pelo menos março deste ano — antes, portanto, de as tempestades começarem na região. Apesar disso, comentários nos grupos interpretaram o fenômeno como a ação de “ondas Haarp” — em referência a um projeto da Universidade do Alaska que estuda o efeito de ondas na ionosfera. Essas ondas, segundo os negacionistas, teriam causado a tragédia.

Outras três correntes também atribuem ao projeto a culpa pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul. “O próprio governo induz desastres naturais com este aparato tecnológico, com o objetivo de controle e redução populacional. Não existe mudança climática”, diz uma delas, que foi visualizada mais de 1,3 mil vezes.

“As ondas de rádio nos intervalos de frequência que são transmitidas pelo Haarp não são absorvidas nem pela troposfera ou pela estratosfera — dois níveis da atmosfera responsáveis pelo o clima na Terra. Como não há interação, não há como controlarmos o clima”, diz o projeto em seu site oficial, que desmente diferentes teorias conspiratórias.

Em menos de 15 dias, o Rio Grande do Sul recebeu o equivalente a cinco meses de chuvas, de acordo com os dados meteorológicos do período. A precipitação muito acima do normal é explicada por uma combinação de fenômenos climáticos — como o El Niño, que potencializa as chuvas na região Sul — agravados pelas mudanças climáticas, que são a principal causa.

Estudo do ClimaMeter, projeto do Laboratório de Ciências do Clima e Meio Ambiente da Universidade de Paris-Saclay, constatou que o volume de chuvas na região Sul do Brasil aumentou 15% nos últimos 40 anos devido a alterações no clima causadas por interferências humanas, como a queima de combustíveis fósseis e desmatamento.

Eventos climáticos extremos, como as fortes chuvas, ondas de calor e nevascas, têm se tornado cada vez mais frequentes e vêm acompanhados de teorias da conspiração que negam as mudanças climáticas. Em 2023, quando o Havaí enfrentou incêndios florestais, mensagens nas redes sociais passaram a atribuir os eventos a raios laser ou a agentes da especulação imobiliária.

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Referências:

1. TikTok (@noticias_urgentes)
2. Haarp
3. Agência Brasil
4. Canal Rural
5. ClimaMeter
6. Aos Fatos

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