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🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Maio de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Oposição infla impacto de alternativas à reforma da Previdência

Por Bruno Fávero

6 de maio de 2019, 18h55

Ao propor alternativas à reforma da Previdência para reduzir o déficit do sistema de aposentadorias e pensões, movimentos sociais e partidos de oposição ao governo Bolsonaro têm inflado números e distorcido informações sobre o impacto dessas iniciativas. Aos Fatos checou quatro propostas alternativas à reforma e aponta por que elas não são suficientes para acabar com o déficit previdenciário.

As medidas sugeridas pelos oposicionistas tentam oferecer um caminho diferente do plano apresentado pelo governo para resolver o crescente déficit da Previdência Social, e que, em resumo, prevê a adoção de idades mínimas e a elevação de alíquotas e do tempo mínimo de contribuição. Segundo estimativa do Ministério da Economia, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 6/19, que tramita no Congresso Nacional, possibilitaria uma economia de R$ 1,2 trilhão nos próximos 10 anos.

Em 2018, o déficit da Previdência Social de aposentados e pensionistas pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), pelo regime próprio de servidores civis federais e inativos e pensionistas militares chegou a R$ 285 bilhões, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional. O Ministério da Economia prevê que a diferença entre as receitas e despesas previdenciárias (saiba mais de onde vem o dinheiro da previdência) deve gerar um déficit ainda maior em 2019, de R$ 312 bilhões, e pode superar R$ 1 trilhão em menos de 15 anos.

Várias das ideias ventiladas pela oposição, como a redução das desonerações para empresas e o combate à sonegação fiscal, são práticas recomendadas por órgãos internacionais e podem gerar receitas significativas aos cofres públicos, mas em quantias menores do que as estimadas por seus defensores e sem fazer frente ao déficit crescente do sistema previdenciário.

Veja abaixo um resumo dos itens que checamos.

1. Desonerações concedidas pelo governo brasileiro devem alcançar R$ 306 bilhões em 2019, mas nem todo o valor beneficia empresários, como o ex-presidenciável Guilherme Boulos (PSOL) sugeriu – 17% se destinam a pessoas físicas;

2. A dívida das empresas com a Previdência chega a R$ 491 bilhões, mas, segundo o governo, apenas R$ 160 bilhões são recuperáveis;

3. A sonegação de impostos no Brasil, segundo estudo do Sinprofaz, passa de R$ 500 bilhões por ano, mas a experiência internacional mostra que reduzir esse número demanda investimentos e tempo. E não há registro de país que tenha eliminado por completo o problema.

4. Não se sabe ao certo em quanto a adoção de um imposto sobre grandes fortunas aumentaria a arrecadação. Uma estimativa do Senado de 2015 estima o impacto fiscal em R$ 6 bilhões por ano, valor pequeno perto do déficit da previdência.

1. Redução das desonerações para empresas

A redução ou o fim das desonerações tributárias para empresas é uma das soluções apresentadas por críticos a mudanças no sistema previdenciário. Existem dois problemas: 1) as desonerações tributárias, chamadas de “bolsa empresário” pelo líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) Guilherme Boulos em artigo contra a reforma da Previdência do atual governo, não atingem apenas grandes empresários, 17% são para pessoas físicas; 2) um corte nos programas ineficientes renderia uma receita extra de, no máximo, R$ 118 bilhões por ano, segundo estimativa do Banco Mundial, menos da metade do déficit da previdência, em 2018, de R$ 285 bilhões.

O governo federal estima, na Lei Orçamentária Anual, que abrirá mão de R$ 306 bilhões em decorrência de desonerações que serão concedidas em 2019. Mas cerca de R$ 52 bilhões (17,1%) são descontos para pessoas físicas por rendimentos não tributáveis e deduções como, por exemplo, por despesas com procedimentos médicos e educação.

Outros R$ 87,2 bilhões (28,5%) são relativos ao Simples Nacional, regime de impostos para pequenas e médias empresas com receita anual de até R$ 4,8 milhões. Mais R$ 2,4 bilhões (0,77%) foram para MEI (Microempreendedores Individuais, com faturamento anual de até R$ 81 mil). As grandes empresas são beneficiadas com R$ 164 bilhões em desonerações, como as concedidas para exportadoras, programas de incentivos setoriais ou regionais, como a Zona Franca de Manaus.

As renúncias fiscais, chamadas de "gastos tributários", subiram em ritmo acelerado desde 2011, quando Dilma Rousseff assumiu a Presidência. Naquele ano, segundo dado da Receita Federal, elas representavam 16,2% das receitas do governo e 3,49% do PIB do país. Em 2015, um ano antes do impeachment, elas chegaram a 22,7% das receitas e 4,5% do PIB.

A Folha de S.Paulo fez um levantamento que mostra que, durante seu mandato, Dilma concedeu R$ 458 bilhões em incentivos desse tipo. Em 2017, a petista disse que as desonerações que promoveu foram "um grande erro".

Não é só a esquerda que critica as desonerações. Num estudo encomendado pelo governo brasileiro em 2015 e publicado em 2017, o Banco Mundial criticou as políticas de apoio a empresas adotadas no país e avaliou que elas "tendem a ter impactos adversos na produtividade agregada e na geração de empregos".

O banco recomendou a extinção ou a reformulação do Simples, da Zona Franca de Manaus (R$ 27,7 bilhões, 8,7% das renúncias em 2019), das desonerações da folha de pagamentos (R$ 9,6 bilhões, 3,1%) e do Inovar-Auto (programa de estímulo à indústria automotiva, encerrado em 2017 pelo governo Temer).

Segundo o órgão, essas medidas poderiam gerar uma economia de, no máximo, 2% do PIB por ano. Aplicada ao PIB de 2015, quando o estudo foi feito, essa porcentagem teria um impacto de R$ 118 bilhões por ano.

2. Cobrança da dívida previdenciária com a União

Uma das soluções constantemente levantada para cobrir o déficit da previdência é a cobranças dos devedores da União. Em documento publicado pelo PT em março, por exemplo, há menção ao fato de a dívida ativa das empresas com a Previdência estar em mais de R$ 300 bilhões – o total hoje é de R$ 491 bilhões.

Mas isso inclui valores devidos por companhias que já faliram e não devem ser recuperados, como as aéreas Varig (R$ 4 bilhões), Vasp (R$ 2 bilhões) e Transbrasil (R$ 1,4 bilhões), que estão entre as cinco maiores devedoras. E como as dívidas são corrigidas pela taxa Selic, o bolo das empresas falidas aumenta todos os anos sem, em contrapartida, ampliar as chances de recuperar esses valores.

O Ministério da Economia estimou em 2017, quando a dívida total era de R$ 427,4 bilhões, que apenas cerca de R$ 160 bilhões (37%) seriam considerados recuperáveis. A IFI (Instituição Fiscal Independente), do Senado, é menos otimista: calcula que apenas R$ 87 bilhões têm chances de serem pagos.

Em março, o governo enviou um projeto de lei para fortalecer a cobrança das dívidas de "devedores contumazes". Entre outras medidas, ele estabelece que empresas que devem mais de R$ 15 milhões por pelo menos um ano podem ter seu cadastro fiscal cancelado e ficar 10 anos impedidas de receber benefícios fiscais. Com as medidas, a Procuradoria-Geral da Fazenda estima que vá recuperar entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões por ano.

É preciso lembrar também que, diferentemente de outras possíveis fontes de receita, a dívida ativa da previdência é o que os economistas chamam de estoque, ou seja, é finita: quando todas os débitos forem pagos, os recursos acabam. Já as despesas previdenciárias são "fluxo", ou seja, ocorrem todos os anos – e vão continuar existindo depois que as dívidas das empresas forem zeradas.

3. Combate à sonegação de impostos

O combate à sonegação de impostos é apresentado como solução por críticos do atual projeto de reforma da Previdência porque teria a capacidade de arrecadar cerca de R$ 500 bilhões, como aparece no documento da Frente Povo Sem Medo, citando um estudo do Sinprofaz (Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional).

Em 2015, segundo o sindicato, foram sonegados 22,9% dos impostos devidos, ou R$ 474,4 bilhões. O valor equivalia, naquele ano, a 7,6% do PIB do país. A mesma porcentagem aplicada ao PIB de 2018 resultaria em cerca R$ 517 bilhões. Os próprios autores do estudo admitem, porém, que a conta "é repleta de complicações e dificuldades", incluindo a "baixa confiabilidade" dos dados disponíveis.

Há poucos trabalhos sobre a sonegação de impostos no Brasil, em parte porque, como se trata de dinheiro à margem da economia formal, é difícil obter dados confiáveis.

Se admitido o número encontrado pelos pesquisadores, a proporção de sonegação pelo PIB do Brasil é mais do que o dobro da média dos 38 países da OCDE, que, segundo um estudo publicado em 2016, foi de 2,8% em 2010. Mas é próxima à de outros países em desenvolvimento, como México (6,2%) e Turquia (5,7%). A comparação, entretanto, é imperfeita porque, além de os dados usados serem de anos diferentes, há diferenças de metodologia entre os levantamentos.

Em todo caso, há evidências de que o volume de impostos sonegados no Brasil seja alto. O problema é que reduzir esse número leva tempo e demanda investimentos.

Um relatório da consultoria McKinsey aponta a Turquia como exemplo de sucesso nessa questão. De 2005 a 2010, o país gastou US$ 230 milhões em iniciativas como simplificação tributária e digitalização de processos e, com isso, reduziu a sonegação em 1,1% do PIB, arrecadando nesse período um total de US$ 13 bilhões extras.

Se o Brasil conseguisse uma redução da mesma ordem, tomando como base o PIB de 2018, seriam aproximadamente R$ 75 bilhões a mais de arrecadação por ano – não R$ 500 bilhões.

Além disso, a ideia de que a sonegação é feita principalmente por grandes empresários pode estar errada, como pondera o estudo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). Usando dados de fiscalizações da Receita Federal, do INSS, de Secretarias de Fazenda de estados e capitais, o estudo conclui que pequenas empresas são responsáveis por cerca de dois terços da sonegação. Uma das conclusões do IBPT é a de que aumentar a fiscalização sobre a sonegação implica em ampliar a pressão sobre pequenas empresas.

4. Impostos para os mais ricos

O IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas) está previsto na Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentado, apesar de ser popular entre os parlamentares de esquerda. hoje 25 projetos de lei sobre o assunto em tramitação e outros 15 arquivados, propostos por 17 partidos diferentes.

O mais recente foi apresentado pelo PSB em abril e prevê a cobrança de uma alíquota anual de 5% sobre valores que excederem R$ 20 milhões. O partido estima que a medida poderia arrecadar até R$ 38,9 bilhões a mais por ano. Isso é menos de 15% do déficit da previdência, em 2018, de R$ 285 bilhões.

Em 2015, um estudo da consultoria legislativa do Senado, feito a pedido da então senadora e hoje deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), estimou um potencial arrecadatório muito menor: de R$ 6 bilhões por ano.

Entre os membros da OCDE, apenas três cobram hoje o imposto: Noruega, Espanha e Suíça. Nesses países, o tributo representou, em 2016, de 0,18% (Espanha) a 1% (Suíça) do PIB nacional. No Brasil de 2018, as mesmas porcentagens equivaleriam a R$ 12,2 bilhões e R$ 68 bilhões, respectivamente.

Mas a comparação direta é difícil, porque a arrecadação depende da quantidade de ricos no país, da definição do que é uma fortuna e da alíquota escolhida para o imposto. Além disso, o potencial arrecadatório pode ser reduzido caso, junto com o novo tributo, o governo introduza isenções, como lembra o relatório do Senado.

Um estudo da consultoria legislativa da Câmara, ao analisar a ideia de criação do IGF, concluiu que ele pode ser um instrumento para a redução da desigualdade, mas que "não deve ser utilizado como um mecanismo de combate a crises fiscais do Estado, pois sua arrecadação é muito pouco significativa para os países que o instituíram".

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