Alexandre Amarante/ PDT

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Julho de 2018. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

O que é fato e ficção no discurso de Ciro Gomes ao oficializar candidatura

Por Bárbara Libório e Judite Cypreste

23 de julho de 2018, 18h10

Ao ser oficializado candidato do PDT à Presidência da República em convenção na última sexta-feira (20), Ciro Gomes fez um discurso em que citou dados sobre indústria, emprego informal, inadimplência, tempo de espera para exames no SUS e desempenho da educação básica no Ceará, estado que governou entre 1991 e 1994.

Aos Fatos checou declarações do pedetista. Veja abaixo.


INSUSTENTÁVEL

Milhares de mulheres hoje têm o exame de mamografia feito, anotados nódulos, que podem ser benignos ou cancerosos, e esperam até três anos com esse terror para fazer uma punção ou biópsia.

Não existem dados oficiais sobre o tempo de espera para marcação de biópsia em casos suspeitos de câncer de mama no SUS (Sistema Único de Saúde). Há, sim, estudos e pesquisas que trataram o tema analisando dados locais, de um hospital ou ambulatório específico. Os resultados que mais se assemelham ao número citado por Ciro são de um único hospital de São Paulo e datam de 12 anos atrás. Outros estudos falam do tempo de espera em ambulatórios públicos e unidades hospitalares do interior de São Paulo, de cidades de Santa Catarina e Rio de Janeiro. Como não são dados oficiais e nem retratam o cenário de todo o SUS nacional, a declaração do pré-candidato foi considerada INSUSTENTÁVEL.

Aos Fatos perguntou à assessoria de imprensa de Ciro Gomes qual é a fonte utilizada para a afirmação. Também entrou em contato com o Ministério da Saúde para verificar se o órgão possuía os dados oficiais. Até a publicação desta reportagem, no entanto, não havia recebido retorno. Em 13 de julho, também solicitamos ao ministério, via Lei de Acesso à Informação, dados sobre os tempos médio, mínimo e máximo de espera para realização de cirurgias eletivas e exames no SUS — por lei, o órgão tem até 20 dias para responder ao pedido, prazo que pode ser prorrogado por mais 10 dias, mediante justificativa expressa. Ainda não houve resposta.

Em vigor desde 2012, a “Lei dos Sessenta Dias” estipula que o tratamento de pacientes com câncer deve ter início em, no máximo, dois meses após o diagnóstico. Ainda assim, o diagnóstico da doença continua a ser um dos grandes gargalos do tratamento e, segundo estudos encontrados por Aos Fatos, o maior atraso costuma ocorrer entre a suspeita mamográfica de câncer e a realização da biópsia.

No caso específico do câncer de mama, o artigo Demora no diagnóstico de câncer de mama de mulheres atendidas no Sistema Público de Saúde realizado em 2013 entre usuárias de um ambulatório público de saúde da mulher de um município com aproximadamente 400 mil habitantes no interior de São Paulo, mostrou que a média de demora entre o atendimento no serviço de saúde e a confirmação do diagnóstico foi de 142,6 dias, o que equivale a quatro meses de espera, aproximadamente. O artigo é assinado por pesquisadoras da Faculdade de Medicina de Jundiaí.

O tempo total de demora foi calculado pela soma dos dias transcorridos entre a realização dos eventos: 1. a consulta médica na atenção básica e a realização da mamografia e/ou ultrassonografia; 2. a mamografia e/ou ultrassonografia e a consulta médica no serviço especializado; 3. a consulta médica especializada e a biópsia; 4. entre a data da biópsia e a consulta médica de confirmação do diagnóstico de câncer. No caso do evento número três, a qual se referiu Ciro em seu pronunciamento — quando a mulher já tem o laudo da mamografia e precisa realizar biópsia ou punção —, o tempo médio de espera foi de 39,4 dias e o máximo de 241 — oito meses.

No Rio de Janeiro, uma mestranda em Saúde da Família da Universidade Estácio de Sá analisou em sua dissertação, intitulada Trajetos e acesso ao tratamento do câncer de mama: da suspeição à uma unidade de referência oncológica no município do Rio de Janeiro, uma amostra de 200 mulheres com forte suspeita ou diagnóstico confirmado de câncer de mama na Unidade III do INCA (Instituto Nacional de Câncer) entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016. A pesquisa concluiu que o tempo máximo de intervalo entre a mamografia e a biópsia foi de 294 dias — quase dez meses. A média é de 59 dias.

Os números que mais se assemelham aos citados por Ciro Gomes são de um artigo que, há mais de dez anos, compilou dados de um único hospital paulista. Intitulado Análise do atraso no diagnóstico e tratamento do câncer de mama em um hospital público, ele analisou pacientes com câncer de mama atendidas no Serviço de Oncologia do Hospital Estadual Mário Covas, em São Paulo, durante o ano de 2006. Segundo a pesquisa, o tempo máximo de espera entre a mamografia e a biópsia foi de três anos.

Um outro estudo, Do sintoma ao tratamento adjuvante da mulher com câncer de mama, realizado em instituição especializada no atendimento oncológico em Santa Catarina, no período de agosto a dezembro de 2010, mostrou que o intervalo máximo entre o exame de imagem e a biópsia foi de 431 dias — um ano e dois meses —, com média de 59 dias. Em 2009, uma análise semelhante examinou o tempo de espera em diferentes esquemas terapêuticos. Nesse caso, o tempo máximo de espera entre o exame de imagem e a realização da biópsia da mama foi de 169 dias quando o tratamento consistia em cirurgia para retirada do nódulo seguida de quimioterapia ou radioterapia.


EXAGERADO

Em 1980, 1/3 da riqueza brasileira vinha da indústria de transformação. Hoje, apenas 11%.

De fato, houve uma queda na participação da indústria de transformação na economia nacional, mas ela foi menor do que a mencionada pelo candidato. A queda entre 1980 e 2017, segundo dados da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e do IBGE, foi de cerca de 8 pontos percentuais e não de 21, como menciona o candidato. Por isso, sua afirmação foi considerada EXAGERADA.

Segundo os números de 2017 do PIB (Produto Interno Bruto) divulgados pelo IBGE, a indústria da transformação respondeu por 11,8% da riqueza brasileira no ano passado, a menor participação desde 1950. No entanto, de acordo com o estudo Panorama de Participação da Indústria de Transformação no PIB, divulgado no ano passado pela Fiesp, a parcela deste segmento no PIB de 1979 era de 20,2%, cerca de 13 pontos percentuais menor que o terço (ou 33,3%) mencionados por Ciro Gomes.

Vale lembrar que, em 2015, a Fiesp mostrou que a mudança no cálculo do PIB reduziu a participação da indústria na economia. Foi quando o IBGE incluiu na conta dados que não existiam antes — aportes em pesquisa e exploração mineral, por exemplo, passaram a ser contabilizados pelo instituto como investimentos, e não mais como despesas. Naquele ano, com as mudanças, o setor de transformação representou 10,9% da economia nacional. Sem as alterações, essa participação teria sido de 12,7%.

A mudança no cálculo também acarretou na perda da comparabilidade dos valores atuais com os mais antigos. Por isso, a Fiesp fez uma correção da parcela da indústria de transformação nos PIBs aferidos entre 1947 e 2014.


VERDADEIRO

Sabem quantos brasileiros, meus irmãos e minhas irmãs, estão hoje sofrendo a humilhação de terem seus nomes sujos no SPC e Serasa? 63 milhões de brasileiros.

De acordo com o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, a estimativa é que o Brasil tenha fechado o primeiro semestre deste ano com aproximadamente 63,6 milhões de brasileiros com algum atraso de pagamento de contas. A estimativa foi realizada com base em dados aos quais os dois órgãos tinham acesso e tem margem de erro de quatro pontos percentuais e um intervalo de confiança de 95%.

O índice do Serasa apresenta conclusão similar. Em junho deste ano, o número de brasileiros inadimplentes chegou a 61,8 milhões, com dívidas que somam R$ 273,4 bilhões, segundo a Decision Analytics da Serasa Experian.


IMPRECISO

No Ceará, um dos estados mais pobres do Brasil, já temos 77 das 100 melhores escolas básicas do Brasil.

Segundo o último Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), de 2015, o Ceará possui 77 das 100 melhores escolas de educação básica do país levando em conta os anos iniciais do ensino fundamental, ou seja, do 1° ao 5° ano. Se observamos a nota do Ideb para os anos finais, ou seja do 6° ao 9° ano, o Ceará possui 35 escolas entre as 100 melhores classificadas no ranking do Inep, instituto responsável pelo índice. Como existem dois rankings para classificação de escolas da educação básica, a declaração de Ciro foi considerada IMPRECISA.

Nos dois rankings do Ideb de 2015, o Ceará é o estado com o maior número de escolas entre as 100 melhores. De acordo com esta edição do Ideb, a rede pública cearense apresentou a melhor evolução nos anos iniciais no período já avaliado. De 2005 a 2015, o índice passou de 2,8 para 5,7. O ritmo de crescimento é quatro vezes superior à média nacional.

Outros estados que também figuram na lista das melhores dos anos iniciais do ensino fundamental são: Minas Gerais (seis escolas), São Paulo (cinco escolas), Paraná (quatro escolas), Amazônia e Rio de Janeiro (duas escolas cada) e Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul e Santa Catarina (com apenas uma escola cada).


VERDADEIRO

Essa falta de oportunidade já empurrou outros 32 milhões de brasileiros, homens e mulheres de carne e osso, para a informalidade.

Ciro citou o dado após falar sobre o desemprego e a frustração dos brasileiros que saem de casa em busca de um trabalho e não têm êxito. Segundo ele, essa situação — a “falta de oportunidade” — empurrou trabalhadores para a informalidade. Em maio, em sabatina do UOL, o pré-candidato chegou a falar que o número seria de 37 milhões. Agora, citou o dado correto. O Brasil tem hoje 34 milhões de trabalhadores informais — categoria que o IBGE classifica empregados sem carteira de trabalho assinada e pessoas que trabalham por conta própria —, segundo a última Pnad Contínua, divulgada em junho deste ano e relativa ao trimestre móvel de março a maio.

De acordo com a pesquisa, o número de empregados sem carteira de trabalho assinada é de 11,1 milhões, contingente 2,9% superior ao apurado no trimestre anterior. Em relação ao mesmo trimestre de 2017, o crescimento foi de 5,7%.

Já o número de pessoas que trabalham por conta própria é 22,9 milhões. O índice ficou estável na comparação com o trimestre anterior e registrou alta de 2,5% em relação ao mesmo período de 2017.

Esse último grupo, de trabalhadores por conta própria, corresponde a uma categoria que inclui profissionais autônomos, como advogados e dentistas, mas também trabalhadores informais, como vendedores ambulantes. Ou seja, não é possível provar que todos eles estão, de fato, precarizados.

Outro lado. Procurada para se posicionar a respeito dos resultados das checagens, a assessoria de imprensa de Ciro Gomes não havia retornado o contato até a última atualização desta reportagem.

*Às 20h27, do dia 24 de julho de 2018, esta reportagem foi alterada para corrigir uma informação sobre a posição do Ceará no ranking de melhores escolas de acordo com o Ideb. Alteramos o selo da delcaração de Ciro Gomes de VERDADEIRO para IMPRECISO, pois, apesar de o Ceará ter, de fato, 77 das 100 melhores escolas do ensino básico brasileiro no ranking referente aos anos iniciais do ensino fundamental, o estado conta com apenas 35 das 100 melhores escolas nos anos finais do ensino fundamental . Nos dois rankings, porém, o Ceará é o estado com o maior número de escolas entre as 100 melhores.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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