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🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Junho de 2018. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

O que é e o que não é fato na entrevista de Manuela D'Ávila ao Roda Viva

Por Bárbara Libório e Luiz Fernando Menezes

27 de junho de 2018, 18h40

A pré-candidata à Presidência pelo PC do B, Manuela D’Ávila, disse que a bancada do partido é a que tem maior representatividade negra e parda — o que não é verdade. A declaração foi dada no Roda Viva da última segunda-feira (25). Aos Fatos foi atrás dos dados que respaldariam ou refutariam a fala da deputada gaúcha, mas constatou que não é possível checar a autodeclaração de cor de todos os parlamentares que estão no Congresso. Manuela também falou de homofobia, assassinatos de trans, falta de creches no Brasil e a dificuldade da mulher conseguir voltar ao mercado de trabalho após o parto.

Manuela é a quinta pré-candidata à Presidência da República checada por Aos Fatos. Antes dela, foram Henrique Meirelles (MDB), Álvaro Dias (Podemos), Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL). Também foram convidados para o programa Marina Silva (Rede) e João Amoêdo (Novo).


INSUSTENTÁVEL

Nossa bancada [do PC do B] é a que tem mais negros e pardos do Congresso Nacional.

A afirmação da pré-candidata é INSUSTENTÁVEL pois não é possível checar a autodeclaração de cor/raça de todos os parlamentares que estão no Congresso. Isso porque, nas eleições de 2010, quando 54 dos 81 senadores que estão hoje na Casa foram eleitos, a autodeclaração para registro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ainda não era obrigatória — passou a ser apenas do pleito de 2014. Segundo o TSE, no Sistema de Candidaturas, os candidatos devem assinalar uma das opções apresentadas: branca, preta, parda, amarela e indígena. As informações estão disponíveis no Repositório de dados eleitorais do tribunal.

O cálculo proporcional — o número de deputados e senadores que se autodeclaram negros frente ao total da bancada — é o mais adequado para a comparação da presença de parlamentares negros nas bancadas dos partidos. Ele evita distorções em que um partido com uma bancada grande e com minoria de parlamentares negros seja considerado mais inclusivo do que um partido com bancada pequena e a maioria de parlamentares negros. Esse cálculo, no entanto, como explicado acima, é impossível de ser feito para o Congresso Nacional, pois não há a autodeclaração de todos os senadores eleitos.

Se levarmos em conta apenas o número de parlamentares negros (pretos e pardos) por bancada, o PC do B estaria apenas atrás do PPL, que tem um único deputado, Uldurico Júnior, que é pardo. No caso do partido de Manuela D’Ávila, 70% da bancada — sete deputados — são negros.

Para chegar a essa conclusão, Aos Fatos fez um levantamento da autodeclaração da cor/raça dos deputados em exercício. Foram analisados os dados de registro do TSE e a autodeclaração de todos os parlamentares eleitos em 2014 para a Câmara. Como explicado no começo da checagem, devido a ausência de dados não é possível fazer o mesmo cálculo para o Senado.

Ao observar apenas o número absoluto de parlamentares, também é possível concluir que a maior bancada de pretos e pardos no Congresso não é do PC do B. Isso porque apenas na Câmara, onde estão a maior parte de seus parlamentares — o partido tem dez deputados e um senador no Congresso nacional — há outros partidos com mais deputados negros que o de Manuela D’Ávila. A bancada do PT possui 16 deputados pretos e pardos, ante os sete do PC do B. Estão na frente da bancada do PC do B ainda os partidos PP (dez), PR (nove) e PSB (oito).

Ou seja, mesmo que a única representante do PCdoB no Senado, a senadora Vanessa Grazziotin (AM), se autodeclarasse negra, a bancada do PC do B ainda seria menor que as outras nesse quesito. Vale lembrar que a senadora foi eleita em 2010 e, portanto, não consta informação sobre raça nos dados do TSE.

Outro lado. Aos Fatos chegou a pedir a fonte de informação para a assessoria da pré-candidata, mas apenas recebeu como resposta: “é só a reportagem checar as bancadas no Congresso Nacional”.


IMPRECISO

[O Brasil] é o país que mais mata trans no mundo.

Essa declaração já foi checada por Aos Fatos, e a pré-candidata continua cometendo uma imprecisão: o Brasil realmente é o país com o maior número absoluto de assassinatos de pessoas trans e de gênero diverso no mundo. No entanto, em números relativos (homicídio/milhão de habitantes), o Brasil cai para terceiro lugar.

Para comparação entre países, usa-se o número relativo, uma vez que a população de um lugar deve ser levada em conta: um país pode registrar menos mortes do que o Brasil, por exemplo, mas possuir uma população bem menor. Portanto, a declaração da pré-candidata é IMPRECISA, pois, apesar da taxa de homicídios de pessoas trans e de gênero diverso no Brasil ser de fato alta, não é a maior do mundo.

Segundo os dados mais atualizados da ONG Transgender Europe, que leva em consideração os dados de 71 países em todos os continentes entre janeiro de 2008 e setembro de 2017, em levando em conta a taxa de homicídios de pessoas trans e de gênero diverso, nosso país fica atrás de Honduras (10,77 casos por um milhão de habitantes) e El Salvador (pouco mais de 5 casos por um milhão de habitantes). O Brasil também apresentou pouco menos de 5 casos por um milhão de habitantes.

Já sobre números absolutos de assassinatos de pessoas transgênero, dos 2.609 homicídios reportados no mesmo período, 1.071 ocorreram no Brasil (cerca de 41% do total). O México, segundo colocado, registrou 337 homicídios no mesmo período.

É possível ver o avanço das estatísticas de homicídio no mapa principal da pesquisa (ainda sem os dados de 2017). Vale ressaltar também que apenas seis países africanos foram levados em conta no levantamento.

Outro lado. A assessoria, por email, disse apenas que “vocês consideram imprecisa uma declaração que vocês checaram que é correta”.


EXAGERADO

[O Brasil] é o campeão de homofobia.

A homofobia, segundo as Nações Unidas, é qualquer atitude, crença ou ação negativa em relação a pessoas de orientação sexual ou identidade de gênero variadas. De acordo com o ranking da UNAIDS (Programa contra a AIDS das Nações Unidas), o Brasil está em 20° entre os países mais inclusivos do mundo. Apesar disso, 387 pessoas LGBT+ foram assassinadas no Brasil e 58 cometeram suicídio, o pior número em 38 anos de acordo com o relatório anual do Grupo Gay da Bahia. Já segundo o relatório global mais recente da Ilga, o Brasil teve o maior número de assassinatos de pessoas LGBT+ nas Américas em 2016, com 340 casos. No entanto, a instituição chama a atenção para a falta de informações estatísticas sobre violência em outros países, principalmente onde a homossexualidade é criminalizada, como a Guiana. Também deve ser destacado que a pesquisa não cita o número de mortes em outros continentes, como África e Ásia.

A declaração da pré-candidata foi considerada EXAGERADA porque, apesar de o Brasil ter um número relevante e crescente de assassinatos de pessoas LGBT+, na comparação global, ele fica bem atrás de países com leis que efetivamente criminalizam a homossexualidade.

Apesar de não estar no topo no ranking dos países homofóbicos, o Brasil apresenta um número preocupante de assassinatos de pessoas LGBT+: 387 foram mortas, em 2017, no Brasil e 58 cometeram suicídio. Os dados são os piores dos 38 anos de relatório anual do Grupo Gay da Bahia. O Estado com mais mortes foi São Paulo, com 59 casos, seguido de Minas Gerais, com 43, e Rio de Janeiro, com 29.

O relatório global mais recente da Ilga trouxe os registros de violência das Américas em 2016: o Brasil teve o maior número de assassinatos de pessoas LGBT+ com 340 casos, seguido de Estados Unidos, com 49 mortes (todas do tiroteio de Orlando), e El Salvador, com 11 mortes.

Em artigo sobre o índice de homofobia da UNAIDS, que foi publicado no European Journal of Public Health, os pesquisadores explicam que utilizaram vários fatores (como leis de criminalização e proteção de pessoas LGBT+ e graus de aceitação da diferença de orientação sexual e de gênero) para determinar um índice chamado HCI (homophobic climate index) que vai de 0 a 1, sendo 1 o valor com maior grau de homofobia. Segundo a pesquisa, o país campeão de homofobia é o Sudão (0,957), seguido de Afeganistão (0,935) e Arábia Saudita (0,926), nos três países homossexualidade pode ser punida com pena de morte, como aponta relatório da Ilga (International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association) e da Anistia Internacional. O Brasil é o 20º país mais inclusivo, com HCI 0,338. O estudo levou em conta 158 países.

Outro lado. A assessoria da pré-candidata, por e-mail, questionou se, mesmo com a quantidade de assassinatos de pessoas LGBT+ no Brasil, “a agência vai mesmo afirmar que o Brasil é um dos países menos homofóbicos”. Também sugeriu que a reportagem “procure movimentos LGBTs para comentar o assunto”.


VERDADEIRO

70% das crianças não têm acesso [às creches].

A pré-candidata citou o dado ao questionar se esse cenário, de crianças fora das creches, seria democrático. De fato, a taxa de cobertura em creches - calculada pela razão entre o número de matrículas e a população correspondente à faixa etária entre 0 e 3 anos — era de 28,3% no ano passado. Ou seja, 71,7% da demanda estava descoberta. A estimativa é do Observatório da Criança e do Adolescente, da Fundação Abrinq, e tem como fonte os números de matrícula do Ministério da Educação e os censos demográficos do IBGE para os dados de população.

Outro indicador mais antigo, do Observatório do PNE (Plano Nacional de Educação) aponta que em 2015 a taxa era de cobertura em creches era de 30,4%, ou seja, 69,6% das crianças entre 0 e 3 anos não estavam matriculadas em creches. A metodologia do PNE também divide o número de pessoas que frequentam as creches pela respectiva população de 0 a 3 anos de idade.


VERDADEIRO

50% das mulheres que são mães de um filho de até um ano não consegue voltar para o mercado de trabalho.

De acordo com a pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas) de dezembro 2016 “Licença maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil”, a mais recente sobre o assunto, cerca de 48% das mulheres estavam desempregadas 12 meses após o parto.

O estudo da FGV usou dados da PNAD do IBGE e analisou um grupo de 247,5 mil mulheres que engravidaram em 2009 e 2012. De acordo com a pesquisa, o número de mulheres empregadas permanece estável durante a licença maternidade, mas cai após esse período. No grupo estudado, 5% tiveram o desligamento do emprego no quinto mês após a licença, e 15%, no sexto. Segundo a professora da FGV Cecilia Machado, no entanto, isso “não significa que todas essas mulheres estão sendo demitidas devido à licença-maternidade. Pode ter também um percentual de trabalhadoras que fizeram acordo para terem acesso à seguridade social, como o FGTS" já que muitas decidem não retornar porque não têm com quem deixar os filhos pequenos.

Como a diferença entre o dado citado pela pré-candidata e o divulgado pela pesquisa é menor que 10%, a declaração é VERDADEIRA. Vale ressaltar, no entanto, que o número não representa apenas mulheres que não conseguem voltar ao mercado de trabalho, mas também mães que optaram não voltar ao trabalho porque não têm com quem deixar os filhos pequenos.

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