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🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Abril de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

No Twitter, 54% das ações celebradas por Bolsonaro são herança de governos anteriores

Por Ana Rita Cunha e Luiza Bodenmüller

3 de abril de 2019, 17h49

Inaugurações de obras, lançamentos de projetos, políticas para atração de investimentos e mudanças em ministérios e secretarias. Dos 68 anúncios de ações do governo federal publicados no Twitter pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) entre janeiro e a última sexta-feira (29), a maioria (54% ou 37 tweets) diz respeito a medidas iniciadas ou até mesmo concluídas por seus antecessores, aponta levantamento do Aos Fatos.

Isso quer dizer que, da agenda positiva propagada por Bolsonaro naquela rede social, quase 3 de cada 5 anúncios remetiam a iniciativas encampadas primeiro em governos passados, como obras de infraestrutura e duplicação em estradas nordestinas e leilões para concessões na área de transportes realizados no mandato do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Os 46% restantes (31 publicações) correspondem, de fato, a medidas nascidas no atual governo. Porém, o impacto destas é menor, já que a maioria ainda não saiu do papel — como a reforma da Previdência (6 tweets), que depende de aprovação no Congresso —, ou podem ser revertidas, como a medida provisória que prevê boletos individuais para o recolhimento de contribuição sindical.

Veja abaixo, em detalhes, o que checamos:

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Obras

BR-163. A publicação acima refere-se às obras na BR-163, rodovia entre Mato Grosso e Pará. As intervenções mereceram seis tweets de Jair Bolsonaro, mas, em nenhum deles, o presidente menciona que o asfaltamento da via pelos militares começou há mais de um ano, ainda no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

A estrada é economicamente importante porque liga o Centro-Oeste, polo produtor de grãos do Brasil, aos portos da região Norte. A CNI (Confederação Nacional da Indústria) estimou, em 2013, que a conclusão do asfaltamento da BR-163 permitiria uma economia de R$ 1,4 bilhão em custos de transporte.

Até outubro de 2018, 92% dos 710 km da rodovia BR-163 já haviam sido asfaltados, de acordo com o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes). A maior parte do trecho que ainda falta recapear está sob responsabilidade do Exército. Em agosto de 2017, o governo de Temer assinou um termo de transferência de R$ 128,5 milhões para o Exército tocar a pavimentação de 100 km da rodovia.

Procurado por Aos Fatos a respeito de atualizações sobre as obras, o Exército informou que o canteiro militar de obras da BR-163 conta com 356 homens e 244 ativos (máquinas e viaturas) e "tem previsão de conclusão no biênio 2019/2020". No início do ano, o novo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, disse que a conclusão do asfaltamento da BR-163 era uma das prioridades da pasta para 2019.

Outros três trechos de rodovias concluídas ou encaminhadas na administração Temer, mas inauguradas na gestão atual, também foram comemoradas por Bolsonaro como feitos exclusivos do seu governo.

BR-101/AL. Mencionada nominalmente no Twitter de Bolsonaro, uma das inaugurações no Nordeste foi a duplicação de trecho da BR-101 em Alagoas, obra retomada, licitada e praticamente concluída pela gestão de Michel Temer. Os 34 km inaugurados em fevereiro pelo ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas fazem parte de um trecho de 42 km (lote 5) dos 248,5 km de extensão total da BR-101 em Alagoas, que ainda integra um projeto maior de duplicação de 1.047 km da BR-101 no Nordeste. Este empreendimento foi incluído no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), em 2012.

As obras de duplicação da BR-101 em Alagoas começaram ainda naquele ano, mas foram paralisadas em dezembro de 2012, após o consórcio de construtoras não renovar o contrato e abandonar a empreitada. Em 2016, o governo Temer licitou os serviços remanescentes e a duplicação foi retomada em 2017. Na gestão de Temer foram destinados R$ 420 milhões apenas para os lotes 4 e 5. Ainda faltam concluir 24% da duplicação da BR-101 em Alagoas.

BR-235. A primeira inauguração de estrada no Nordeste à que a publicação de Bolsonaro sobre a obra em Alagoas faz referência é a entrega de trecho pavimentado da BR-235, na divisa entre Bahia e Pernambuco, no dia 16 de fevereiro. As obras começaram em 2014, sob Dilma, foram paralisadas em 2016 e retomadas no ano seguinte, com Temer. Do trecho concluído em janeiro, que liga Carira (SE) a Jeremoabo (BA), 13 km foram asfaltados ainda no governo da petista, antes da paralisação da obra, e o restante, no governo do MDB. Em outubro de 2018, faltavam asfaltar apenas 500m, segundo o DNIT.

BR-101/ES. Bolsonaro atribui ao ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, a inauguração da duplicação do Contorno de Iconha, trecho da BR-101, no sul do Espírito Santo. A obra, no entanto, também foi retomada e concluída no governo Temer.

O trecho foi concedido à Eco 101, subsidiária da Ecorodovias, em 2013, mas a concessionária demorou quase cinco anos para iniciar as obras obrigatórias de duplicação da via. No caso específico do Contorno de Iconha, a inauguração foi viabilizada pela dispensa de licenciamento ambiental concedida na gestão de Temer. Em 2017, a Eco 101 anunciou a retomada das obras com investimento de R$ 310 milhões. A previsão era que as obras fossem concluídas em 2018.

De acordo com relatório da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), até dezembro de 2018, 6,8 km dos 7,84 km do Contorno do Iconha já haviam sido duplicados. Ou seja, apenas 13% da obra foi realizada no governo de Bolsonaro.

Rio São Francisco. Bolsonaro menciona obras hídricas da transposição do Rio São Francisco em três publicações no Twitter. Em um dos tweets, o presidente cita o repasse de R$ 82 milhões para a Adutora do Agreste, que levará água do Eixo Leste do São Francisco para municípios do agreste pernambucano. Esse repasse, no entanto, já havia sido acordado pelo governo de Michel Temer.

A gestão anterior propôs destinar R$ 90 milhões do orçamento para as obras da adutora, mas, em 2018, o Congresso aprovou orçamento de R$ 67 milhões para o empreendimento. As obras começaram em 2013, tendo sido incluídas no PAC como parte das intervenções hídricas da transposição do Rio São Francisco.

Em outra publicação, Bolsonaro menciona o prazo de entrega das obras do Eixo Norte da transposição, obras que começaram no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2007. A previsão inicial era que todo o projeto fosse concluído em 2012. O custo da obra previsto inicialmente de R$ 4,5 bilhões foi superado e deve chegar a R$ 8 bilhões, segundo o governo federal. O primeiro trecho, o Eixo Leste, foi inaugurado em 2017, na gestão Temer. Já o segundo, o Eixo Norte, tinha 97% das obras concluídas ao final de 2018.

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Leilões e concessões

Entusiasta das privatizações durante a campanha, Jair Bolsonaro manteve a SPPI (Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos), criada por Michel Temer em 2017, e também o secretário-executivo da pasta, nomeado pelo emedebista, Adalberto Vasconcelos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu acelerar e ampliar as privatizações durante o governo de Bolsonaro. No Twitter do presidente, foram 22 publicações anunciando concessões. Em 20 delas, os editais ou leilões foram feitos por Temer e apenas duas traziam informações sobre novos projetos.

Aeroportos. O leilão dos 12 aeroportos comemorado no Twitter de Bolsonaro teve seus estudos iniciados em maio de 2018 e o edital lançado em outubro do ano passado, ainda com Temer, segundo a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos.

O PPI, lançado em setembro de 2016, fazia parte da "Ponte para o futuro", documento de diretrizes lançado pelo MDB em 2015, para centrar a política de desenvolvimento do país na iniciativa privada. Conforme mostrou Aos Fatos no balanço das ações do emedebista, dos 193 projetos de concessão qualificados pelo programa, por meio das Reuniões do Conselho do PPI, 106 foram concluídos — apenas 54,9% de execução do cronograma estimado. Segundo levantamento do G1, os projetos de desestatização herdados por Bolsonaro têm previsão de investimentos de mais de R$ 114 bilhões.

Ferrovias. A concessão da ferrovia Norte-Sul foi mencionada por Bolsonaro em quatro tweets, o último na quinta-feira (28), comemorando o arremate do trecho centro-sul. Esse leilão teve seus primeiros estudos iniciados em junho de 2017 e o edital foi publicado em novembro de 2018, ainda no governo Temer. No edital, já havia a previsão de que seria realizado no primeiro trimestre desse ano.

Portos. A concessão de portos aparece em sete publicações do Twitter do presidente. Todos os leilões anunciados por Bolsonaro tiveram estudos concluídos e editais publicados no governo Temer.

As áreas portuárias que serão leiloadas no Pará (em Vila Conde e no Porto de Belém) tiveram os estudos realizados em outubro de 2017 e edital publicado em dezembro de 2018, com previsão de leilão estabelecida para o segundo trimestre de 2019.

Os estudos para a concessão de áreas no porto de Cabedelo (Paraíba) foram concluídos em dezembro de 2017 e o edital publicado em novembro de 2018, com previsão de leilão em março de 2019.

Já nas áreas portuárias de Vitória (Espírito Santo), os estudos foram concluídos em fevereiro de 2018 e o edital publicado em novembro de 2018, com previsão de leilão em março de 2019.

Energia. Bolsonaro comemorou, em discurso, o aumento da concorrência no leilão de linhas de transmissão e mencionou as concessões no Twitter como um dos feitos do seu governo. Porém, o leilão ao qual ele se referiu foi realizado em dezembro de 2018, ainda no governo Temer.

De acordo com dados da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), ele nem foi o mais competitivo: o leilão de dezembro do ano passado teve uma média de 8,34 proponentes por lote, em agosto do mesmo ano e em dezembro de 2017, as disputas tiveram 10,8 e 14 proponentes em média por lote, respectivamente.

O interesse dos investidores nos leilões aumentou a partir de 2016, quando houve mudanças nas regras das concessões, com mais tempo para construção das linhas de transmissão e maiores taxas de retorno.

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Outras ações

Alfabetização. Bolsonaro vendeu novidades no Twitter que já existiam em governos anteriores, como no caso da secretaria de alfabetização. Anunciada pelo presidente como uma inovação do governo, ela já existia neste formato pelo menos até o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Depois, ao longo dos anos, ela mudou de nome, incorporando também outras áreas. Na gestão de Bolsonaro, o governo alterou a estrutura das secretarias, retomando modelo semelhante ao de FHC.

A então Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) foi desmembrada em duas: Secretaria de Alfabetização e Semesp (Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação). Com essa mudança, as diretorias e coordenações de implementação no currículo regular de conteúdos como educação para direitos humanos, educação ambiental e história da África deixaram de existir e suas competências foram diluídas em cargos mais gerais.

No governo FHC, a SEESP (Secretaria de Educação Especial), era voltada para políticas de educação para alunos com deficiência, altas habilidades ou transtornos globais do desenvolvimento. A Secretaria de Alfabetização cuidava de políticas para a alfabetização da primeira infância e a educação de jovens e adultos.

Em 2004, já no governo Lula, a SEESP e a Secretaria de Alfabetização foram unificadas na Secad (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade), que também ficou responsável pelo monitoramento de ações de educação no campo e de indígenas. No começo do governo Dilma, em 2011, a secretaria foi reestruturada e ganhou o nome de Secadi.

BNDES. A abertura da "caixa-preta" do BNDES é outra novidade não tão nova assim entre os anúncios de Bolsonaro no Twitter. Os dados divulgados pelo banco de desenvolvimento em janeiro desse ano, e nas redes sociais do presidente, estavam disponíveis ao público desde 2015. Além disso, a lista que Bolsonaro divulgou foi atualizada a última vez em agosto de 2017, ou seja, ainda no governo Temer. A data permanece até hoje na aba que traz o detalhamento de contratos por país.

Até 2015, o BNDES mantinha sob sigilo boa parte dos detalhes das operações. Após pressão do TCU (Tribunal de Contas da União) e da imprensa, o banco, em junho de 2015, no segundo mandato de Dilma Rousseff, passou a divulgar detalhes, como valor dos empréstimos, taxas de juros, prazos de pagamento e garantias oferecidas, bem como resumos dos projetos apoiados. Em 2017, na gestão de Temer, foram liberados detalhes sobre a carteira de investimentos do BNDESpar. Em novembro de 2018, o BNDES colocou no ar uma nova plataforma em que qualquer pessoa pode baixar as informações sobre os empréstimos ou efetuar pesquisa com auxílio de ferramenta eletrônica.

Extradição de Battisti. No Twitter, Bolsonaro parabenizou a “todos envolvidos no Brasil” pela extradição do italiano Cesare Battisti, mas não mencionou o presidente Michel Temer nem indicou que foi na gestão anterior que o ex-integrante da organização terrorista Proletários Armados pelo Comunismo perdeu o status de refugiado.

Battisti foi condenado à prisão perpétua em 1993, na Itália. Por quase 40 anos ele ficou foragido, tendo morado na França e no Brasil. Em 2009, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva lhe concedeu refúgio. No dia 13 de dezembro de 2018, o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), expediu um pedido de prisão para fins de extradição de Battisti. O decreto de extradição foi assinado por Temer no dia seguinte.

Battisti fugiu para a Bolívia, onde foi preso em 12 de janeiro de 2019 e, em 13 de janeiro, foi extraditado para a Itália. O governo Bolsonaro chegou a enviar um avião da Polícia Federal para trazer o ex-ativista ao Brasil antes de extraditá-lo para as autoridades italianas, mas Battisti foi enviado da Bolívia diretamente para a Itália. Na segunda-feira, 25 de março, ele confessou ao procurador-geral de Milão, Alberto Nobili, o seu envolvimento em quatro assassinatos cometidos na década de 1970.

Estação Antártica. A inauguração dos serviços de telecomunicações na Estação Antártica Comandante Ferraz, anunciada no Twitter por Bolsonaro, faz parte da quarta e última fase das obras de reconstrução da base licitadas em 2014 e iniciadas em 2016, ainda durante o segundo mandato de Dilma Rousseff. O contrato com a Oi, que permitiu a instalação da rede móvel 4G e a continuidade no fornecimento de outros serviços de telecomunicações, existe desde 2006 e foi renovado em 2018, no governo de Michel Temer.

Em fevereiro de 2012, cerca de 70% da estação foi destruída por um incêndio. A empresa chinesa Ceiec ganhou a licitação em 2014 e iniciou as obras em 2016. A previsão inicial era de que a estação estivesse pronta em março de 2018, mas, devido a atrasos da empresa chinesa, em janeiro do ano passado, a Marinha adiou o fim das obras para março de 2019. Desde 2006, a Oi fornece serviços de internet, telefonia e recepção de sinal de TV.

Em 2013, após o incêndio, a operadora de telefonia inaugurou a reconstrução da infraestrutura de telecomunicações na estação. O pesquisador Alexandre Lerípio, que trabalhou na Antártica até 2014, afirmou que a base sempre contou com serviços de telefonia e internet. “Os serviços de comunicação funcionavam mesmo nos módulos antárticos [estrutura provisória de contêineres utilizada após o incêndio]. O que houve agora foi uma substituição dos aparelhos anteriores por outros mais modernos”, explica.

Alimentos. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), citado por Bolsonaro no Twitter, existe desde 2003 e, na modalidade institucional, permite a venda de itens de agricultura familiar com um teto de R$ 20 mil por ano, para famílias, e R$ 6 milhões, para pessoas jurídicas, como cooperativas. Estados, municípios e órgãos federais da administração pública direta e indireta podem comprar alimentos do programa sem licitação, via chamada pública. No caso citado pelo presidente, trata-se de um edital aberto em 27 de fevereiro deste ano que lista todos os artigos de interesse do Depósito de Subsistência de Santa Maria.

Mata Atlântica. No Twitter, Bolsonaro elogiou a atuação de Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, na busca de “parcerias que agregam valor ao país”. O presidente referia-se ao novo edital do INMA (Instituto Nacional da Mata Atlântica), de fevereiro de 2019, para seleção de especialistas, pesquisadores e técnicos para programa de capacitação. O que Bolsonaro não mencionou é que o edital estava previsto em portaria do ministério de abril de 2018, ou seja, na gestão do seu antecessor.

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Lançamentos do novo governo

Entre os 31 anúncios de ações que pertencem efetivamente à atual administração, 42% do total, o projeto de reforma da Previdência predomina, com 14 tweets. Outras seis publicações destinaram-se a anunciar a publicação de decretos e medidas provisórias, como a MP 873, que instituiu o pagamento de contribuição sindical somente mediante boleto bancário individual. Onze posts dedicam-se a divulgação de planos e ações do atual governo, como a revisão da política de patrocínios culturais da Petrobras, o agendamento da missão dos EUA para inspecionar a carne brasileira e o lançamento da campanha de combate ao lixo no mar.

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