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🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Outubro de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

No Roda Viva, Gilmar Mendes se contradiz sobre defesa da liberdade de imprensa

Por Amanda Ribeiro e Bruno Fávero

9 de outubro de 2019, 14h03

Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda-feira (7), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes caiu em contradição ao declarar ser um "fã inveterado" da liberdade de imprensa. Até hoje, o magistrado já processou ao menos quatro jornalistas e comunicadores por difundirem conteúdo crítico a ele.

No programa, Mendes também errou o número de processos na pauta do STF: disse que eram 700, quando são 1.200, segundo a Corte.

Em resumo, o que verificamos:

1. É uma contradição Mendes se declarar “fã inveterado” da liberdade de imprensa, pois, nos últimos anos, o ministro já moveu processos na Justiça por conteúdos críticos a ele publicados por jornalistas e comunicadores como Luis Nassif, Rubens Valente e Monica Iozzi. Além disso, ele já defendeu, em entrevista feita em 2008, censura prévia de reportagens;

2. Ao comentar o alto volume de processos em análise no STF, Gilmar Mendes errou ao dizer que são 700 ações em pauta. Segundo o tribunal, hoje são 1.200 os processos que aguardam apreciação dos ministros.

3. Mendes citou corretamente o percentual de presos provisórios no Brasil. Cerca de 40% (o número exato é 41,6%) da população carcerária ainda não foi condenada sequer em primeira instância, segundo dados do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Confira abaixo, em detalhes, o que checamos.


CONTRADITÓRIO

Quando eu faço críticas à imprensa, eu sou um fã inveterado, eu sou um defensor da liberdade da imprensa. Eu quero a imprensa livre, ainda que errando.

Na condição de presidente do Supremo, o ministro já defendeu, em entrevista feita em 2008, censura prévia de reportagens que, segundo ele, poderiam veicular "fato eventualmente mentiroso". Conforme registrou a Agência Brasil a partir de entrevista durante o 3º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, Gilmar Mendes disse que "a Constituição protege a intimidade, a honra e a dignidade das pessoas. E muitas vezes não se pode permitir a divulgação de fato eventualmente mentiroso por ele causar danos irreparáveis às pessoas".

Ao Correio Braziliense, neste ano, o ministro disse ainda que a retirada do ar de reportagem da revista Crusoé intitulada ‘Amigo do amigo de meu pai’, que citava o presidente da Corte, Dias Toffoli, "faz parte do processo". A decisão, proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, citava inquérito aberto pelo presidente do STF, Dias Toffoli, que considerava investigar a "notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações (...) que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão".

"Ali o que se avaliou é que haveria fake news. Que a notícia sequer existiria. E depois se comprovou que de fato a notícia existia. Que a declaração publicada era verdadeira", disse Mendes.

Além disso, Aos Fatos encontrou ao menos quatro processos movidos contra jornalistas e comunicadores que o criticaram nos últimos anos, o que também mostra que Mendes foi CONTRADITÓRIO ao afirmar ser "um defensor da liberdade de imprensa" em entrevista ao Roda Viva.

Um dos processos foi contra a apresentadora da TV Globo Monica Iozzi, condenada a pagar R$ 30 mil em razão de uma postagem no Instagram em que criticou o habeas corpus concedido por Mendes ao médico Roger Abdelmassih, condenado por estupro de pacientes. O processo já foi finalizado pela Justiça do Distrito Federal.

No início deste ano, o jornalista da Folha de S.Paulo Rubens Valente também foi condenado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) a pagar indenização de R$ 30 mil ao ministro por causa de um capítulo do livro Operação Banqueiro, que analisou os bastidores de operação da Polícia Federal contra o empresário Daniel Dantas. No trecho da obra, Valente sugere que Mendes teria favorecido os interesses de Dantas quando era advogado-geral da União. O jornalista ainda pode recorrer ao STF.

Após a publicação desta matéria, o jornalista Rubens Valente compartilhou a postagem do Aos Fatos em sua conta no Twitter e destacou a contradição de Mendes ao se dizer "fã inveterado" da liberdade de imprensa.

Antes disso, Mendes processou também o jornalista Luis Nassif, que afirmou em um texto publicado em 2014 que o ministro realizava “tenazmente a tarefa de desmoralizar a mais alta corte”. Nassif acabou sendo inocentado posteriormente.

Por conta de uma montagem publicada em 2006, o jornalista Paulo Henrique Amorim também foi condenado a pagar R$ 40 mil de indenização por danos morais a Mendes em 2016. Na imagem, postada no blog do jornalista, o ministro aparece trajando um uniforme nazista.


FALSO


Nós temos 700 processos em pauta.

De acordo com o STF (Supremo Tribunal Federal), o número é ainda maior do que o apresentado pelo ministro: há atualmente 1.204 processos em pauta na corte, sendo 886 deles físicos e 314 virtuais. Só em 2019, foram incluídos 486 novos casos.

Mesmo que o ministro estivesse se referindo apenas a ações constitucionais, os números ainda seriam imprecisos. Considerando o número de processos do tipo pendentes, chega-se a um total de 524, soma inferior à informada por Mendes.

No total, há atualmente 33.110 processos no acervo da Suprema Corte. O número é um pouco menor do que o registrado em dezembro de 2018, quando havia 38.675 ações no tribunal.


VERDADEIRO

Nós temos 40% da população carcerária de presos temporários.

Cerca de 41,6% dos presos do Brasil são temporários, ou seja, nunca receberam uma condenação sequer em primeira instância, segundo dados atualizados nesta terça-feira (8) do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

No total, segundo o banco de dados, há 834.400 pessoas privadas de liberdade no país, das quais 347.091 estão em prisão provisória.

A proporção se mantém mais ou menos a mesma há pelo menos cinco anos – em 2014, um levantamento do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) estimou que, em dezembro daquele ano, 40,1% dos presos brasileiros eram provisórios.

De acordo com outro relatório do BNMP, de 2018, o Tribunal de Justiça de Alagoas é, entre os tribunais estaduais, o que tem a maior proporção de presos sem condenação, 64,5%; o de Rondônia é o que tem o menor número, 19,7%.

O mesmo documento também mostra que 28,7% dos presos provisórios ficam mais de 180 dias na cadeia.

Outro lado. Aos Fatos entrou em contato com a assessoria do ministro Gilmar Mendes nesta terça-feira (8) para que ele pudesse comentar o resultado das checagens. Porém, até esta publicação, não houve resposta.

Referências:

1. CNJ (Fontes 1 e 2)
2. O Globo
3. Conjur (Fontes 1 e 2)
4. Nexo
5. Supremo Tribunal Federal


Esta reportagem foi atualizada às 19h28 de quarta-feira, 9 de outubro de 2019, para incluir informações relativas a declaração de apoio à censura prévia feitas pelo ministro do STF.

Esta reportagem foi atualizada às 18h06 de quinta-feira, 10 de outubro de 2019, para corrigir um link e incluir o comentário do jornalista Rubens Valente a respeito de uma das checagens realizadas.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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