🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Outubro de 2018. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

É falso que Haddad criou 'kit gay' para crianças de seis anos

Por Bernardo Moura e Judite Cypreste

10 de outubro de 2018, 16h17

Não é verdade que o candidato à Presidência pelo PT, Fernando Haddad, “é o criador do kit gay para crianças de 6 anos”, como têm alardeado imagem, vídeo e corrente que passaram a circular com mais força no WhatsApp e no Facebook após a definição do segundo turno das eleições no último domingo (7).

O chamado “kit gay” é, na verdade, o projeto Escola Sem Homofobia, produzido em 2011 por organizações de defesa da população LGBT em convênio com o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), uma autarquia do Ministério da Educação, à época sob gestão de Fernando Haddad. A verba para o projeto — cerca de R$ 1,9 milhão — foi obtida por meio de uma emenda parlamentar da Comissão de Legislação Participativa do Congresso Nacional.

O objetivo nunca foi promover qualquer tipo de sexualização, mas a aceitação e a inclusão da população LGBT. Composto de três vídeos, seis boletins e um caderno com orientações para os educadores, o material não era destinado “a crianças de seis anos”, mas a estudantes do ensino médio, adolescentes e pré-adolescentes. Duas das peças audiovisuais contidas no projeto tinham classificação indicativa a partir de 11 anos, e uma era livre. Ainda assim, o caderno do Escola Sem Homofobia recomendava aos educadores “assistir/ouvir e verificar se o material é adequado à reflexão sobre o tema e a seu público”. As atividades também eram propostas como sugestões, e não parte de uma disciplina obrigatória.

O projeto Escola Sem Homofobia não chegou às escolas públicas brasileiras, tendo sido vetado pela então presidente Dilma Rousseff (PT) após pressão da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara dos Deputados.

A imagem que circula no Facebook traz uma foto de Haddad com as frases: “Se você defende as crianças, não vote nele. Haddad é o criador do kit gay para crianças de seis anos”. O vídeo reproduz uma reportagem da TV Record de 2011 a respeito da polêmica provocada pelo projeto Escola Sem Homofobia emoldurada com a frase “Haddad cria kit gay para crianças de seis anos”. Esses conteúdos — que, juntos, já tem mais de 65 mil compartilhamentos — foram marcados como FALSOS na ferramenta de verificação do Facebook (veja como funciona).

Já a corrente de WhatsApp denunciada por leitores do Aos Fatos também reproduz o vídeo da reportagem da Record com o texto “Achei !!!! eu sabia que tinha isso guardado em algum lugar. Aqui está a prova cabal. Veja o JN em 2010!!! Haddad implanta o kit gay nas Escolas e Bolsonaro luta contra isso. Ajudem a compartilhar muito esse vídeo”.

Em 16 de outubro, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Horbach, mandou retirar de redes sociais vídeos e imagens que vinculam o "kit gay" ao candidato Fernando Haddad. Segundo o ministro, esse vínculo "gera desinformação no período eleitoral, com prejuízo ao debate político". "É igualmente notório o fato de que o projeto 'Escola sem Homofobia' não chegou a ser executado pelo Ministério da Educação, do que se conclui que não ensejou, de fato, a distribuição do material didático a ele relacionado", disse em sua decisão.

Para sugerir checagens, adicione o Aos Fatos em (21) 99747-2441.

Abaixo, em detalhes, o que checamos.


FALSO

Haddad é o criador do kit gay para crianças de seis anos

Imagem, vídeo e corrente nas redes sociais que acusam Fernando Haddad de criar “kit gay para crianças de seis anos” partem de um fato real — a polêmica em torno do projeto Escola Sem Homofobia quando o petista era ministro da Educação em 2011 — para disseminar duas informações falsas: 1) o material não era destinado a crianças de seis anos, mas a adolescentes e pré-adolescentes da rede pública de ensino; 2) o material não foi “criado” por Haddad, mas produzido por iniciativa de organizações não-governamentais ligadas às causas LGBTs com verba oriunda de uma emenda parlamentar.

O projeto Escola Sem Homofobia, apelidado pelos críticos de “kit gay”, era composto de um caderno para educadores e gestores, seis boletins para serem trabalhados com os estudantes em sala de aula, três vídeos e um cartaz que abordavam aspectos de homossexualidade, transexualidade e bissexualidade entre jovens. No caderno (leia na íntegra), que conta com orientações sobre metodologia e atividades para os educadores, é possível ver as indicações de cada uma das peças sugeridas para os estudantes. Neles, a indicação do uso do material é para “a formação do espírito crítico em adolescentes e jovens estudantes” — não crianças.

Além disso, o caderno previa que “as dinâmicas incluídas (...) funcionam como sugestões de atividades que poderão ser realizadas com: as/os professoras/es; o conjunto de profissionais que trabalham na escola; estudantes nas salas de aula; familiares; e com a comunidade do entorno da escola”. O material apresentava-se ainda como “um convite a gestoras/es, professoras/es e demais profissionais da educação para um debate, oferecendo instrumentos pedagógicos para refletir, compreender, confrontar e abolir a homofobia no ambiente escolar”. As orientações do projeto eram facultativas, e não consistiam em disciplina obrigatória.

Classificação indicativa. Já o conteúdo audiovisual, composto por três vídeos, tinha classificações diferentes: dois eram recomendados para maiores de 11 anos e de 12 anos e um tinha indicação livre. Ainda assim, entre a orientações dadas aos educadores para o uso dos vídeos com os jovens estudantes, o projeto recomendava “assistir/ouvir e verificar se o material é adequado à reflexão sobre o tema e a seu público”.

O vídeo “Boneca na mochila” aborda a homofobia na sociedade ao mostrar a história de uma mãe aflita que pega um táxi após ser chamada à escola onde seu filho estuda porque o flagraram com uma boneca na mochila. No projeto, a classificação indicativa recomenda a exibição deste filme para maiores de 10 anos.

Já “Medo de quê?” mostra o adolescente Marcelo tendo que lidar com o medo da discriminação durante a sua fase de descobertas, inclusive sobre a sua sexualidade. O caderno do Escola Sem Homofobia indicou que esta produção não seria recomendada para menores de 12 anos.

A coletânea “Torpedo”, que reúne três histórias diferentes sobre situações de homofobia que ocorrem no ambiente escolar com jovens LGBTs, é a única com classificação livre. Porém, como dito acima, o caderno de orientações aos educadores recomendava observar a adequação do material ao público (acesse os vídeos aqui).

Na época da apresentação do projeto Escola Sem Homofobia, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura) emitiu um parecer informando que os materiais apresentados estariam “adequados às faixas etárias e de desenvolvimento afetivo-cognitivo a que se destinam” e de acordo com a orientação técnica internacional sobre educação em sexualidade, publicada pela própria organização em 2010.

O Conselho Federal de Psicologia também emitiu um parecer técnico, também aprovando o projeto e dizendo que o mesmo estaria de acordo com as faixas etárias destinadas. Além disso, o órgão afirmou que o material pedagógico foi bem escolhido, com recursos, inclusive, para pessoas com deficiências visual e/ou auditiva.

Criador do ‘kit gay’. As imagens e vídeos que circulam nas redes sociais também distorcem informações ao apontar Fernando Haddad como criador do “kit gay”. Ainda que ele ocupasse o Ministério da Educação na época em que foi firmado o convênio com o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), autarquia que imprimiu o material, o projeto Escola Sem Homofobia foi desenvolvido por organizações não-governamentais da causa LGBT e financiado por meio da Emenda Parlamentar nº 50340005, da Comissão de Participação Legislativa da Câmara dos Deputados, que destinou R$ 1.915.884,69 para sua confecção.

O material, tampouco, chegou a ser distribuído nas escolas públicas. Por pressão da Frente Parlamentar Evangélica, a presidente Dilma Rousseff (PT) vetou o projeto Escola Sem Homofobia. À época, o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, disse “que todo material sobre costumes será feito a partir de consultas mais amplas à sociedade, inclusive às bancadas que têm interesse nessa situação”, como noticiou O Globo.

Não são de hoje os boatos relacionados ao chamado "kit gay". Aos Fatos já realizou outras checagens sobre o projeto Escola Sem Homofobia, que você pode conferir aqui, aqui e também aqui.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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