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🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Abril de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Divulgado pelo Planalto, vídeo sobre golpe de 1964 traz série de distorções históricas

Por Bruno Fávero

1 de abril de 2019, 20h40

Com erros e imprecisão histórica, o Palácio do Planalto divulgou por WhatsApp neste domingo (31) um vídeo em que um homem, identificado pelo jornal O Globo como um ator chamado Paulo Amaral, elogia a atuação do Exército no golpe de 1964, que depôs o presidente João Goulart e deu início à ditadura militar.

Aos Fatos checou a veracidade das afirmações feitas pelo narrador da gravação.

Confira abaixo, em detalhes.


FALSO

Era sim um tempo de medo e ameaças. Ameaça daquilo que os comunistas faziam onde era imposto sem exceção: prendiam e matavam seus próprios compatriotas.

No início do vídeo, o narrador fala do período anterior ao golpe e do clima de medo do comunismo que teria contribuído para intervenção militar. De fato, existiam grupos comunistasque pregavam a luta armada antes de 1964, mas eram uma minoria. O PCB (Partido Comunista Brasileiro), maior agremiação comunista na época, defendia chegar ao poder pacificamente.

Está documentado que sua estratégia era se utilizar dos mecanismos institucionais democráticos, como as eleições diretas, para chegar à revolução. Conforme consta dos arquivos do CPDOC/FGV, "a partir de 1958, o partido começou a considerar de máxima importância sua participação nas eleições através de coligações eleitorais, a fim de eleger candidatos comunistas ao Congresso. Por meio das eleições, o PCB poderia, de acordo com suas análises, aprofundar a polarização entre 'nacionalistas' e 'entreguistas', fortalecer a 'frente única' e também firmar sua posição dentro do Parlamento e junto do governo".

Também segundo os arquivos, "o programa [do V Congresso do partido] admitia a atuação do PCB dentro dos quadros legais do sistema constitucional" e que "a revolução se faria por um caminho pacífico".

Entre as facções minoritárias discordantes da via pacífica estavam, por exemplo, as Ligas Camponesas, um movimento pró-reforma agrária "que a partir de 1961 defende a guerra de guerrilhas como forma de chegar ao socialismo", segundo a pesquisadora Lucineli Siqueira. Entretanto, mesmo esses grupos mais extremados não realizaram ações violentas antes de 1964. Segundo pesquisa do historiador Vitor Amorim de Angelo, foi só depois do golpe militar que a ideia de luta armada ganhou força entre movimentos de esquerda.

"A luta armada não esteve entre as razões do golpe, embora já existissem projetos guerrilheiros antes de 1964. O contrário, porém, é parcialmente verdadeiro, uma vez que o golpe passaria a ser visto por setores da esquerda brasileira como a confirmação de suas posições críticas ao 'caminho pacífico da revolução' defendido pelo PCB", escreve De Angelo.


IMPRECISO

Foi aí que conclamado (...) principalmente, pelo povo na rua, povo de verdade, pais, mães, igreja, que o Brasil lembrou que possuía um Exército Nacional e apelou a ele.

É verdade que importantes setores da sociedade civil apoiaram o golpe e que houve uma série demonstrações de apoio à destituição do presidente João Goulart antes e depois do golpe de 1964, mas pesquisas de opinião feitas à época levantam dúvidas sobre quanto essas manifestações eram representativas da população.

Os protestos mais célebres de apoio ao golpe foram as Marchas da Família com Deus e pela Liberdade, que levaram centenas de milhares às ruas. Em 19 de março, estima-se que 300 mil pessoasandaram da praça da República até a Praça da Sé, em São Paulo, para se manifestarem contra um conjunto de reformas anunciado seis dias antes por Jango. Marchas da Família com Deus e pela Liberdade se repetiria em 2 de abril, no Rio de Janeiro, já depois do golpe.

Por outro lado, pesquisas de opiniãofeitas à época e reveladas décadas depois contradizem a tese de que o golpe tinha amplo apoio popular. Um levantamento do Ibope na cidade de São Paulo entre 20 e 30 de março de 1964, por exemplo, aponta que 42% dos entrevistados avaliavam o governo João Goulart como "ótimo" ou "bom" e apenas 19% como "mau" ou "péssimo". No mesmo levantamento, uma maioria expressiva, 79%, também disse considerar "necessárias" as reformas promovidas por Jango.


VERDADEIRO

Foi aí que conclamado por jornais, rádios, TVs (...) que o Brasil lembrou que possuía um Exército Nacional e apelou a ele.

Grande parte imprensa brasileiraapoiou abertamente o golpe de 1964. O jornal O Globopublicou em 2 de abril de 1964 o editorial "Ressurge a democracia!"; no mesmo dia, o jornal O Estado de S. Paulodeclarou em sua manchete "Vitorioso o movimento democrático". Outros veículoscomo Folha de S.Paulo, Jornal do Brasile O Diatambém declararam apoio à deposição do presidente João Goulart.

Posteriormente, os jornais Folha de S.Paulo, Estadãoe O Globoadmitiram, em comunicados e editoriais, ter sido um erro apoiar o golpe.


VERDADEIRO

Havia, sim, (...) greve nas fábricas.

Movimentos grevistas foram frequentesno período que antecedeu o golpe de 1964: a CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) fez uma paralisação em 1961 para defender a posse de João Goulart depois da renúncia de Jânio Quadros; em setembro de 1962, fez uma greve geral para pressionar o Congresso a votar pela volta do presidencialismo; em 1963, pilotos comerciais pararam por mais de um mês para protestar contra a demissão de uma liderança sindical da Varig; em 1964 o CGT ameaçou, mas desistiu, de fazer uma nova paralisação, desta vez em oposição ao golpe militar.

Segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade, as greves foram um dos "antecedentes imediatos" do regime militar. "A manifestação de movimentos sociais ou grevistas, a balbúrdia política e as manifestações do suboficialato eram recebidas com suspeição por muitos setores, notadamente por militares, que em tudo viam uma porta de acesso para a infiltração de comunistas e a expansão de atividades subversivas", diz o documento.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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