Luiz Fernando Menezes/Aos Fatos

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Abril de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Desenhamos fatos sobre o distanciamento social

Por Ana Rita Cunha e Luiz Fernando Menezes

17 de abril de 2020, 16h46

A adoção de medidas de distanciamento social é apontada por autoridades sanitárias e especialistas como a forma mais eficaz de conter a pandemia de Covid-19 sem sobrecarregar os sistemas de saúde. Como o vírus se espalha muito rápido e a recuperação de pacientes é demorada e complexa, restrições à circulação de pessoas e a aglomerações são cruciais para evitar que faltem leitos em UTIs, equipamentos adequados e até profissionais nos hospitais.

No Brasil, o distanciamento social gerou ainda uma crise política que opôs Jair Bolsonaro a governos estaduais e prefeituras. A oposição enfática do presidente ao fechamento do comércio e outras medidas adotadas Brasil afora para conter a propagação da Covid-19 resultou, nesta quinta-feira (16), na demissão do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

Aos Fatos reuniu os principais estudos, consultou protocolos de autoridades sanitárias pelo mundo e ouviu especialistas para entender como o distanciamento social pode ser eficaz no combate ao novo coronavírus. O resultado está desenhado e explicado nesta HQ.


Além de ainda não ter vacina ou tratamento específico, o novo coronavírus (SARS-CoV-2) se espalha rápido: cada pessoa pode contaminar outras duas a três, segundo as pesquisas mais recentes sobre o tema. Com isso, o crescimento de infectados é exponencial, ou seja, a velocidade com que os números sobem também aumenta com o passar do tempo.

Outra característica que faz com que a Covid-19 seja capaz de causar colapso de sistemas de saúde é a alta taxa de hospitalização. Segundo estudo inglês do Departamento de Epidemiologia de Doenças Infecciosas do Imperial College, a taxa de internação de infectados pelo novo coronavírus é em torno de 1% para quem tem até 29 anos, mas sobe de acordo com a faixa etária.

No caso pessoas entre 30 e 49 anos, 4% evoluem para quadro grave e precisam ser internadas. Entre pacientes de 50 a 79 anos, a taxa de hospitalização varia entre 8% e 16%. Nos infectados maiores de 80 anos, 19% precisam ser internados.

O estudo estimou a taxa de hospitalização analisando os casos de pacientes na China. No Brasil, como os testes são feitos apenas em pacientes graves e, mesmo entre eles há muitos casos em investigação, ainda não é possível estimar a taxa de hospitalização de pessoas infectadas pelo novo coronavírus.

Além da alta taxa de hospitalização, a infecção por Covid-19 demanda muitos recursos do sistema de saúde. Um paciente com quadro grave da doença precisa não apenas de um leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), mas também de respiradores e acompanhamento constante da equipe de saúde.

O tempo de permanência na UTI desses pacientes também é alto: segundo uma revisão de estudos chineses feita pelo CDC (Center for Disease Control, órgão do governo americano), pacientes que desenvolveram um quadro grave da doença e sobreviveram tiveram um tempo médio de internação de 10 a 13 dias.

Por isso, especialistas e autoridades de saúde como a OMS (Organização Mundial da Saúde) defendem o chamado “achatamento da curva” epidemiológica da doença. Uma curva muito alta é criada por um aumento acentuado no número de casos por dia, seguido por uma rápida diminuição no número de casos. Uma curva mais plana é criada por um aumento e uma redução mais graduais.

De acordo com a OMS, ainda que durante um longo período de tempo, o número de pessoas infectadas possa ser o mesmo no caso da curva achatada, a diferença estaria no número de casos que ocorrem todos os dias, que permanece mais baixo. Isso é importante para evitar o colapso da saúde, porque os países têm número limitados de hospitais, equipamentos e equipes de saúde.

O economista e professor do Insper Thomas Conti também explica, em um working paper sobre as crises provocadas pelo novo coronavírus, que o sistema de saúde brasileiro já começa a enfrentar a epidemia "muito próximo do limite de atingir sua capacidade máxima" e que "a maior parte das demais razões de internação continuam ocorrendo normalmente durante a pandemia". Ou seja, além da Covid-19, as pessoas também precisam do sistema de saúde para tratar as demais doenças.

Segundo Flávio Guimarães Fonseca, virologista do CT Vacinas (Centro de Tecnologia de Vacinas) e pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o problema da epidemia é que ela acomete muitas pessoas ao mesmo tempo, o que pode fazer com que o número de casos graves — e, consequentemente, de internações — exceda a capacidade dos hospitais. “Não é minimizar o curso da infecção, quanto tempo que a epidemia demora, mas é transformá-la em uma epidemia que seja manuseável para o sistema de saúde”, explicou ao Aos Fatos.

Atualmente o Brasil conta com 30,6 mil leitos de UTI para adultos e 65 mil respiradores, segundo dados do Ministério da Saúde. Não existe um levantamento nacional da taxa de ocupação dos leitos ou de respiradores em uso. Em São Paulo, alguns hospitais já estão em situação crítica. Quatro da capital atingiram 100% de ocupação de leitos de UTI, e médicos do Hospital Emílio Ribas já temem ter que escolher quais casos devem receber tratamento em detrimento de outros.

Se a disseminação não for contida, corre-se o risco da situação em Manaus se repetir no resto do país. Mesmo não sendo o estado brasileiro com mais casos e mortes confirmadas, (até a última quinta-feira o Amazonas registrava 1.719 infecções e 124 óbitos), o sistema de saúde já entrou em colapso. Há relatos, por exemplo, de casos graves esperando em filas para conseguir uma vaga na UTI e de pacientes em leitos próximos a sacos com corpos.

Fonseca explica que a vacina é melhor alternativa a médio e longo prazo para conter uma epidemia, mas "como não existe uma e, ainda pior, não existe um medicamento comprovado cientificamente com efeitos sobre a infecção, não existe outra alternativa a não ser manter o distanciamento social".

Países têm adotado diferentes níveis de medidas de isolamento social. O Ministério da Saúde hoje define três modelos:

1. DSS (distanciamento social seletivo): os grupos de risco, como pessoas com mais de 60 anos ou com doenças crônicas (como diabetes e cardiopatias), devem ficar isolados e há medidas de distanciamento para evitar aglomerações para o restante da população;

2. DSA (distanciamento social ampliado): as medidas de isolamento são estendidas a toda a população, com restrição de circulação e apenas serviços essenciais em funcionamento;

3. Bloqueio total (lockdown): interrupção completa das atividades e da circulação de pessoas, em geral, por um período limitado de tempo.

Os países também têm adotado medidas específicas para pessoas infectadas pelo novo coronavírus ou com suspeita de infecção. Nesses casos, pode haver uma quarentena obrigatória de 14 dias — tempo médio de incubação da doença — com isolamento total.

Bolsonaro defendeu nesta sexta-feira (17) a reabertura do comércio e das fronteiras, reforçando o que chama de "isolamento vertical", um modelo em que apenas idosos seriam isolados. Nenhum país adotou tal medida até agora. No Brasil, uma das principais limitações para sua implementação eficaz é o fato de a maioria dos idosos morarem hoje com outras pessoas, de acordo com o economista Thomas Conti. Atualmente, 85% dos brasileiros acima de 60 anos de idade vivem em casa com dois ou mais residentes.

Até o momento, o governo federal não lançou diretrizes com medidas de distanciamento social a serem seguidas por estados e municípios. Os governadores e prefeitos é quem têm definido as regras e, enquanto alguns já deliberam a volta de parte das atividades, como o caso do Distrito Federal, outros, como São Paulo, determinaram a extensão do prazo de medidas de distanciamento.

Segundo estimativas de um modelo matemático do Imperial Imperial College London, sem a adoção de medidas de distanciamento, 1,1 milhão de pessoas podem morrer em consequência da pandemia no Brasil — isso inclui tanto os mortos pela Covid-19 quanto aqueles em consequência do colapso do sistema de saúde. Com adoção de uma restrição moderada o número de mortes estimadas cai para 576 mil; no modelo misto — idosos com restrição intensa e restante da população com restrição moderada — são previstas 471 mil mortes; e com adoção do lockdown, as mortes podem chegar a 206 mil.

Conforme aponta relatório da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), o achatamento da curva por meio de medidas de distanciamento social, além de não sobrecarregar o sistema de saúde, dá tempo para o governo e para os cientistas e pesquisadores se prepararem melhor para o combate à epidemia e desenvolverem tratamento e vacina para a Covid-19.

No estado de São Paulo, a atenuação de 30% no fluxo intermunicipal atrasa em uma semana o pico da epidemia em todo o estado, segundo a Fiocruz. Já uma queda de 80% nessa circulação aliada ao esforço do distanciamento social poderia retardar por mais de um mês a propagação da Covid-19 no restante do estado.

Até o momento, existem três vacinas em fase de testes clínicos e outras 70 em desenvolvimento, segundo a OMS. A estimativa mais otimista dos pesquisadores é de que uma vacina só estará disponível em 2021. Há também diversas pesquisas em andamento, incluindo um teste clínico coordenado pela OMS em 90 países, para avaliar a eficácia e segurança de medicamentos existentes no tratamento da Covid-19.

Olhando para o passado, a adoção precoce e agressiva de medidas de distanciamento social durante a gripe espanhola de 1918 também foram economicamente eficientes para cidades norte-americanas, segundo estudo de economistas do Federal Reserve e do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Os pesquisadores afirmam que medidas como o fechamento de comércio e a restrição de circulação de pessoas permitiram a retomada mais rápida do crescimento econômico das cidades que as adotaram.

Referências:

1. Diário Oficial da União
2. Fiocruz (Fontes 1 e 2)
3. The Lancet
4. Ministério da Saúde (Fontes 1, 2, 3, 4)
5. CDC
6. OMS (Fontes 1,
7. Thomas Conti.com.br
8. O Globo
9. Folha de S.Paulo (Fontes 1 e 2)
10. Nexo (Fontes 1 e 2)
11. The Guardian
12. Estadão (Fontes 1 e 2)
13. Metrópoles
14. G1
15. Telegraph
16. Economist


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