Marcelo Camargo/Abr

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Novembro de 2018. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Ciro Gomes ignora homicídios ao afirmar que o brasileiro convive 'numa boa' com LGBTs

Por Ana Rita Cunha

13 de novembro de 2018, 18h10

Em entrevista ao jornalista Roberto D’Ávila, na GloboNews, na última sexta-feira (9), Ciro Gomes, candidato derrotado à Presidência da República pelo PDT, afirmou equivocadamente que o povo brasileiro convive “numa boa” com LGBTs. Apesar de pesquisa de opinião indicar aumento da tolerância a homossexuais, é alto e crescente o número de assassinatos de gays, lésbicas, bissexuais e transsexuais no Brasil hoje, cujas ocorrências sofrem, ainda por cima, com subnotificação.

Na mesma entrevista, o ex-ministro acertou ao afirmar que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) não tem experiência em cargos administrativos e que o futuro ministro responsável pela área econômica, Paulo Guedes, nunca trabalhou na administração pública.

Veja, abaixo, o que checamos.


FALSO

Nosso povo convive numa boa [com homossexuais].

Ainda que pesquisa Datafolha de outubro aponte para uma redução da intolerância a homossexuais na sociedade brasileira, é alto e crescente o número de pessoas LGBTs assassinadas no país. Portanto, ao comentar que o “nosso povo convive numa boa” com essa parcela da população, Ciro Gomes omite a violência crescente que é sofrida por gays, lésbicas, bissexuais e transexuais no Brasil. A declaração, portanto, foi considerada FALSA.

Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em outubro passado mostrou que, de fato, cresceu a parcela de brasileiros que concordam que a homossexualidade deve ser aceita pela sociedade (74%). Em 2013, eram 67% os que concordavam com a afirmação. Entretanto, a pesquisa não mediu o grau de aceitação a pessoas transsexuais.

Por outro lado, o número de homicídios de LGBTs no Brasil registrou alta de 30% em 2017 na comparação com o ano anterior, passando de 343 para 445 casos, de acordo com o GGB (Grupo Gay da Bahia), que há 38 anos coleta dados sobre assassinatos de homossexuais e transgêneros no país. De acordo com o grupo, os números são subestimados devido à dificuldade na coleta de tais informações. Ainda assim, tais dados já colocam o Brasil entre os países com maior número de assassinatos de LGBTs.

O principal grupo atingido é o dos transgêneros, de acordo com o relatório do GGB. Nessa categoria, o Brasil está entre os países com mais assassinatos tanto em termos absolutos quanto em termos relativos, segundo levantamento da ONG Transgender Europe. De acordo com a última atualização, dos 2.609 homicídios reportados de pessoas trans e de gênero diverso entre o começo de 2008 e o final de 2017 no mundo, o Brasil apresentou a maior taxa em números absolutos: 1.071 assassinatos no país ou 41% do total. Para se ter uma ideia, o México, segundo colocado, registrou 337 homicídios no mesmo período.

Levando em conta os números relativos (homicídio/milhão de habitantes), o Brasil cai duas posições: Honduras tem o maior índice — 10,77 casos relatados a cada um milhão de habitantes —, seguida de El Salvador, com pouco mais de cinco, e do Brasil, em terceiro lugar, também com um número próximo de cinco.

A declaração foi proferida quando Ciro Gomes listava fatores que teriam contribuído para a vitória de Bolsonaro. Como exemplo, ele citou o projeto Escola Sem Homofobia, que foi chamado pejorativamente de "kit gay". Para Ciro, “nosso povo convive numa boa [com LGBTs]”, mas a esquerda transformar “isso em uma política pública e de forma despudorada” para “afirmar o identitarismo de minorias que são mais próximas do pensamento progressista” pode ter causado um efeito negativo ao afetar a “moral popular”, o que pode ter estimulado a difusão de notícias falsas sobre o "kit gay" nas escolas.

Outro lado. Procurada para comentar as checagens, a assessoria de imprensa de Ciro Gomes não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem.


VERDADEIRO

Nós escolhemos uma pessoa [Bolsonaro] que nunca administrou nenhum pequeno negócio particular.

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) nunca trabalhou em cargos administrativos no setor público, seja no poder Executivo, Legislativo ou Judiciário, e também não é sócio de nenhuma empresa nos estados onde morou, como atesta consulta à Receita Federal e às juntas comerciais de São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Por esse motivo, a declaração de Ciro Gomes foi considerada VERDADEIRA.

Bolsonaro foi militar do Exército de 1971 a 1988 — atualmente, é capitão da reserva. Em 1988, ele foi eleito vereador na cidade do Rio de Janeiro. Ficou no cargo até 1989, quando elegeu-se deputado federal. Está na Câmara dos Deputados há sete mandatos consecutivos e completa esse ano 29 anos de Casa. No ano que vem, Jair Bolsonaro assumirá a Presidência da República.


VERDADEIRO

O Paulo Guedes nunca teve nenhuma vivência no serviço público.

Se por “vivência no serviço público” Ciro Gomes quis dizer ocupar cargo administrativo público ou em empresa estatal, é verdade que Paulo Guedes, indicado para ministro da Fazenda do próximo governo, não teve nenhuma experiência na área. Em entrevista à revista Piauí, em setembro, o próprio economista afirmou nunca ter ocupado cargo público: “Sou o único economista que ficou conhecido sem nunca ter passado pelo governo”.

O mais próximo que Paulo Guedes esteve do setor público foi quando lecionou em tempo parcial no Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), uma instituição pública federal. Guedes também lecionou e foi sócio do Ibmec, centro de estudo bancado pelo governo e por instituições financeiras. Ele deu aulas ainda na PUC e na FGV, no Rio de Janeiro. Grande parte da sua carreira, no entanto, foi trilhada no mercado financeiro, como sócio fundador do Banco Pactual, da gestora de recursos JGP e da Bozano Investimentos, de onde anunciou a saída no começo do mês.

O perfil de Guedes é inédito entre os ministros que ocupam a pasta da Fazenda desde o processo de redemocratização. Todos os 15 antecessores do economista guru de Bolsonaro tinham experiência prévia em cargos de assessoria e secretarias de governos estaduais e municipais, no governo federal ou ainda como parlamentares.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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