Cristino Martins/Ag. Pará

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Cinco fatos para entender como é monitorado o desmatamento na Amazônia

Por Bruno Fávero

8 de agosto de 2019, 19h24

A crise entre o governo Bolsonaro e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que culminou na exoneração do diretor do órgão, Ricardo Galvão, trouxe o monitoramento do desmatamento da floresta amazônica para o centro do debate nacional.

Disputas políticas à parte, fortes indícios apontam para um ritmo mais acelerado de destruição da Amazônia. Nos últimos doze meses, o Deter, sistema criticado por Bolsonaro, registrou aumento de 48% nas áreas desmatadas.

Apesar dos bons resultados obtidos desde a implementação desse sistema de monitoramento, em 2004 — o desmatamento chegou a cair 83% —, esta não é a primeira vez que uma autoridade reclama de seus dados. No passado, políticos como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi também criticaram o Inpe.

A seguir, Aos Fatos explica, em cinco fatos, como funcionam o Deter e os outros sistemas de monitoramento da Amazônia, quais foram as críticas feitas a esses levantamentos no passado e em que pé está a situação da floresta sob Bolsonaro.

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O Deter existe desde 2004 e ajudou
a diminuir o desmatamento em 83%

Há dois principais sistemas de monitoramento da Amazônia pelo governo brasileiro, o Deter (Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real), introduzido em 2004, e o Prodes (Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia), em atividade desde 1988. Cada um tem metodologias e objetivos distintos.

O Deter utiliza as imagens do satélite sino-brasileiro CBERS-4 e do indiano IRS, e seu principal objetivo é indicar rapidamente possíveis focos de desmatamento para que a fiscalização do Ibama possa agir.

Além de detectar o corte raso, ou seja, quando não existe mais nenhuma vegetação em uma área, ele também consegue identificar estágios iniciais de degradação da floresta, quando ainda apenas uma parte das árvores foi cortada.

Todos os dados são enviados diariamente ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e disponibilizados mensalmente para o público no portal Terrabrasilis. Ou seja, é o Deter que permite ao governo acompanhar (e reagir) quase em tempo real o que está acontecendo na floresta amazônica.

O sistema tem algumas limitações: não funciona bem nos períodos em que há nuvens encobrindo a floresta e usa imagens com resolução relativamente baixas, que fazem com que ele tenda a subestimar o total desmatado. A área mínima de detecção de desmatamentos é de cerca de 1 hectare, mas só são tornados públicos dados de áreas acima de 6,25 hectares.

A implantação do Deter coincidiu com uma rápida diminuição do desmatamento da Amazônia. A área desmatada caiu de 27.772 km2 em 2004 para 4.571 km2 em 2012 (redução de 83%), menor número registrado desde 1988, quando começaram as medições do Prodes.

Já o Prodes tem como objetivo medir anualmente, e com a maior precisão possível, qual área da Amazônia foi completamente devastada. É ele que calcula as estatísticas oficiais do governo sobre desmatamento.

O sistema usa dados dos satélites Landsat (da Nasa), CBERS-4 e IRS-2, e analisa imagens com maior resolução do que as geradas pelo Deter. Por isso, ele também é melhor na detecção dos desmatamentos — segundo o Inpe, o sistema tem precisão de 95%. Assim como o Deter, ele detecta áreas a partir de um hectares, mas só torna públicos o que fica acima de 6,25 hectares. As medições são feitas anualmente e divulgadas no segundo semestre.

Há ainda um terceiro sistema governamental, o SipamSar (Sistema Integrado de Alerta de Desmatamento), que foi lançado em 2016 pelo Ministério da Defesa. Ele usa imagens de satélites equipados com Radar de Abertura Sintética, que não sofrem influência das nuvens, e, como o Deter, lança alertas de desmatamento em tempo real. Por outro lado, só cobre só uma parte da Amazônia e seus dados não são públicos.

Apesar dos indícios de sucesso na luta contra o desmatamento, estudos acadêmicos já questionaram a real eficiência do sistema brasileiro de monitoramento da Amazônia. Um artigo publicado em 2016 por Peter Richards, pesquisador da Universidade Brown, nos EUA, por exemplo, estimou que o Prodes deixou de ver nove mil km² de áreas desmatadas entre 2008 e 2012. Outro, publicado na revista Nature no fim de julho e financiado pela agência espacial norte-americana Nasa, concluiu que as taxas anuais de perda de floresta podem ser até duas vezes maiores do que as registradas pelo Prodes entre 2001 e 2016.

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ONGs e universidades também monitoram a floresta

Além dos sistemas governamentais, entidades privadas independentes também têm sistemas próprios de monitoramento da Amazônia. O mais famoso é o Sad (Sistema de Alertas de Desmatamento), mantido pela ONG Imazon. Esse sistema usa imagens de seis satélites diferentes, incluindo os Landsat e Sentinel. Em seu site, também são publicados mensalmente relatórios sobre o desmatamento da Amazônia.

A Universidade de Maryland (EUA) é outra instituição que mantém um sistema de monitoramento da região no site Global Forest Watch, também alimentado com dados dos satélites Landsat, da Nasa. O projeto registra as variações na cobertura arbórea, causadas não só por desmatamento, mas também por incêndios, causas naturais, entre outros.

Por fim, existe também o MapBiomas, uma iniciativa de um grupo de universidades, ONGs e empresas que analisa e refina os dados de todos as fontes citadas acima — governamentais e privadas — para acompanhar o desmatamento no país.

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É impreciso usar dados do Deter em comparações mensais

Um dos fatos que deram origem aos ataques do governo Bolsonaro ao Inpe foi a divulgação, pela imprensa, de que o Deter havia registrado um aumento de 88% no desmatamento na Amazônia em junho na comparação com o mesmo período de 2018. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, questionou repetidamente a informação durante uma coletiva de imprensa na quinta-feira (1).

Os dados do Deter de fato não são adequados para fazer comparações de dados mensais, principalmente porque sua capacidade de detecção é afetada pela cobertura de nuvens, que varia ao longo do ano.

Se há muitas nuvens na região monitorada em um determinado mês, a visão dos satélites que alimentam o Deter fica obstruída e há uma chance de que o sistema só registre os desmatamentos depois que o tempo abrir. Toda a área desmatada no mês nublado, então, entra nos alertas do mês seguinte.

O próprio Inpe adverte sobre essa limitação. "A informação sobre áreas é para priorização por parte das entidades responsáveis pela fiscalização e não deve ser entendida como taxa mensal de desmatamento", diz o site da instituição.

Assim, embora seja verdade que, em junho de 2019, a área que teve alertas do Deter foi 88% maior do que no mesmo mês do ano anterior, isso não significa necessariamente que o desmatamento em si aumentou nessa mesma proporção naquele mês.

Esse número ganhou destaque após ser citado em reportagens do G1 e do Jornal Nacional, da TV Globo, que foram reproduzidas por diversos outros veículos, inclusive pelo site do CCST (Centro de Ciências do Sistema Terrestre), vinculado ao Inpe. Mas a informação nunca esteve no boletim oficial do órgão sobre os dados do Deter, que é publicado mensalmente.

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Tudo indica que o desmatamento está mesmo aumentando

Embora o Deter não seja ideal para comparações mês a mês, seus dados mostram um retrato mais preciso do desmatamento quando um período longo é considerado — um estudo de 2015 com dados de março a setembro apontou uma correlação de 83% entre os alertas do sistema e as informações apuradas pelo Prodes.

E os dados consolidados indicam, sim, que o desmatamento na Amazônia está aumentando — e de forma acelerada.

Nos últimos 12 meses (de agosto de 2018 a julho de 2019), período que coincide com a medição do Prodes, o Deter detectou 6.245 km² de desmatamento na Amazônia, 48% a mais do que os 4.197 km² do período 2017/2018.

Durante coletiva de imprensa na semana passada, o ministro Ricardo Salles admitiu que o desmatamento está em alta, mas afirmou que essa tendência vem desde 2012.

Embora isso seja verdade, os dados preliminares de desmatamento sugerem uma forte aceleração desse processo. De 2013 a 2018, o Prodes registrou um aumento de 28% na taxa anual de desmatamento da Amazônia. Se os números preliminares do Deter forem confirmados e o desmatamento tiver aumentado 48% nos últimos 12 meses, será, em apenas um ano, um crescimento maior do que o dos últimos cinco.

Já dados do Sad, da Imazon, que vão de agosto de 2018 até junho de 2019, também indicam um aumento, mas de apenas 4%. Nos próximos dias, a ONG deve incluir as informações relativas a julho.

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Governos passados também já criticaram o Deter

Não é a primeira vez que o sistema de monitoramento da Amazônia recebe críticas de governantes. Em 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) questionou o Inpe e reclamou do que considerava um excesso nos alertas contra o desmatamento nos anos anteriores.

"O que aconteceu, na minha opinião, eu não sou comunicador, posso estar errado... você vai no médico detectar porque você está com um tumorzinho aqui e, ao invés de fazer biópsia e saber como vai tratar, você já sai dizendo que está com câncer", disse à Folha.

No mesmo ano, o ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi (PP), então governador do Mato Grosso, também confrontou os dados oficiais e disse que o desmatamento real em seu estado era 10% do medido pelo Inpe.

Maggi alegava uma diferença de metodologia: ele considerava apenas o desmatamento total (corte raso), enquanto o Inpe somava também números de degradação (corte parcial). Um mês depois de sua reclamação, o Inpe passou a publicar relatório diferenciando os tipos de desmatamento.

Já o governo Dilma Rousseff (PT) adiou a divulgação dos dados de desmatamento de agosto em setembro de 2014 às vésperas da eleição presidencial, segundo reportagem da Folha. Quando foram enfim revelados, os números mostraram alta de 122% nos alertas em relação aos mesmos dois meses de 2013.

Referências:

1. Terrabrasilis
2. Inpe: 1, 2
3. Wiley
4. Nature
5. Imazon
6. Global Forest Watch
7. MapBiomas
8. Folha de S.Paulo: 1, 2, 3, 4
9. G1
10. IEE Explore
11. Poder 360
12. BBC

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