Alan Santos/Presidência da República

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Março de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Bolsonaro segue cartilha de Trump ao menosprezar riscos do novo coronavírus

Por Bruno Fávero

20 de março de 2020, 18h35

O presidente Jair Bolsonaro tem espelhado as táticas do presidente dos EUA Donald Trump ao se posicionar publicamente sobre a pandemia de Covid-19. Como seu colega americano, que desde o janeiro repete que o problema estava "sob controle", uma das primeira reações de Bolsonaro foi menosprezar o impacto da doença, que chamou de "superdimensionado" e uma "fantasia".

Ambos também acusaram a imprensa e a oposição de politizar a questão para enfraquecê-los politicamente. Por fim, Trump responsabilizou a China pela pandemia, e foi seguido pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O episódio causou uma crise diplomática com o país asiático.

Abaixo, observe os momentos em que Trump e Bolsonaro adotaram o mesmo discurso para falar do novo coronavírus.


1. Para minimizar a crise

Nós temos [a epidemia] totalmente sob controle. É uma pessoa vindo da China e temos sob controle. Vai ficar tudo bem. - Donald Trump, 22 de janeiro

Não, não estou nem um pouco preocupado [com o novo coronavírus]. - Donald Trump, 7 de março

Tem a questão do coronavírus também, que no meu entender está sendo superdimensionado o poder destruidor desse vírus, certo? Então, talvez esteja sendo potencializado, até por questões econômicas - Jair Bolsonaro, 9 de março

A primeira reação dos dois presidentes quando confrontados com a iminente crise de saúde pública decorrente do avanço da covid-19 foi de subestimar a gravidade do problema.

Apesar dos alertas de especialistas nos EUA, Trump insistiu que a doença estava sob controle e disse diversas vezes não estar preocupado com seu impacto no país. Já Bolsonaro afirmou que a questão era "superdimensionada" e, agindo contra a recomendação de seu próprio Ministério da Saúde de que aglomerações fossem evitadas, saiu às ruas de Brasília para cumprimentar manifestantes pró-governo no dia 15 de março.

Os dois presidentes também fizeram comparações equivocadas da Covid-19 com a gripe comum como forma de minimizar o perigo representado pela pandemia. Tanto Trump quanto Bolsonaro apontaram que a nova doença teria mortalidade parecida ou menor do que a da gripe, o que não é verdade.

Tony, eu acho que você falou que [a gripe comum causa] de 26-27 mil até 60 mil morte por ano. São muitas mortes. Aqui [sobre o novo coronavírus] estamos falando de uma faixa muito menor. - Donald Trump, 2 de março

O que eu vi até o momento é que outras gripes mataram mais do que essa [do coronavírus]. - Jair Bolsonaro, 11 de março

Até porque como uma gripe outra qualquer leva a óbito. - Jair Bolsonaro, em 16 de março

Embora o número absoluto de mortes causada pelo novo coronavírus seja, de fato, menor (ao menos por enquanto), ele mata mais. Ainda é cedo para dizer com certeza qual é a taxa de letalidade exata, mas estudos preliminares apontam que deva ser em torno de 1%. Já a gripe mata cerca de 0,1% dos infectados, segundo o CDC, órgão de prevenção de doenças dos EUA.


2. Culpar adversários

Eu fui criticado pelos democratas quando fechei o país para a China várias semanas antes do que quase todo mundo recomendou. Muitas vidas salvas. Dems estavam trabalhando na enganação do impeachment. Não sabiam o que estava fazendo! Agora estão espalhando medo. Fique calmo e vigilante! - Donald Trump, 2 de março

Tivemos vírus muito mais graves que não provocaram essa histeria. Certamente tem um interesse econômico nisso. Em 2009, teve um vírus [H1N1] também e não chegou nem perto disso. Mas era o PT no governo aqui e os democratas nos Estados Unidos. - Jair Bolsonaro, 15 de março

Se afundar a economia, acaba o meu governo, acaba qualquer governo. É uma luta pelo poder. Estou há 15 meses calado, apanhando, agora vou falar. Está em jogo uma disputa política por parte desses caras (...). Nunca tratei [o presidente da Câmara, Rodrigo Maia] dessa maneira. É um jogo. Desgastar, desgastar, desgastar. Tem gente que está em campanha até hoje para 2022 dando pancada em mim o tempo todo - Jair Bolsonaro, 16 de março

Para os dois chefes de Estado, o "exagero" nas reações ao coronavírus tem como pano de fundo uma disputa para enfraquecê-los politicamente.

Donald Trump acusou o partido Democrata de espalhar medo entre os americanos para prejudicá-lo. Já Bolsonaro disse que a pandemia do vírus H1N1, em 2009, foi tratada com menos alarde porque o governo do Brasil era então comandado pelo PT e o dos Estados Unidos, pelo Partido Democrata, que faz oposição a Trump.

O presidente brasileiro também entrou em colisão com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que criticaram seu apoio às manifestações pró-governo do dia 15 de março. Ele sugeriu que os parlamentares estariam "em campanha para 2022" e que tentavam desgastá-lo.

Fake news. Nas teorias conspiratórias, sobrou também para a imprensa. Trump acusou a "MSDNC" [junção de MSNBC, emissora americana, e DNC, sigla para Comitê Nacional do Partido Democrata] e a CNN, críticas à sua administração, de usar o coronavírus para criar pânico nos mercados.

As emissoras fake news sem audiência MSDNC (Comcast) & @CNN estão fazendo todo o possível para fazer o Caronavírus [sic] parecer tão ruim quanto possível, inclusive criando pânico nos mercados, se possível - Donald Trump, 26 de fevereiro

Muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala, ou propaga, pelo mundo todo” - Jair Bolsonaro, 10 de março

Na mesma linha, Bolsonaro disse que a Covid-19 "não é tudo isso que a grande mídia propala, ou propaga". Ele também reclamou do fato de jornalistas terem noticiado seu apoio e seu comparecimento aos atos do dia 15 de março. "Vimos críticas em cima deste evento, como se fosse o único a ocorrer e como se tivesse sido convocado por mim."


3. Acusar a China

Para as pessoas que estão sem trabalho por causa das importantes e necessárias políticas de contenção, por exemplo o fechamento de hotéis, bares e restaurantes, o dinheiro chegará em breve a vocês. O ataque do Vírus Chinês não é culpa de vocês! Seremos mais fortes do que nunca - Donald Trump, 18 de março

O mundo está pagando um preço muito alto pelo que eles [os chineses] fizeram, Donald Trump, 19 de março

Quem assistiu Chernobyl vai entender o q ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. +1 vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste,mas q salvaria inúmeras vidas. A culpa é da China e liberdade seria a solução - Eduardo Bolsonaro, 18 de março

O presidente Donald Trump tem tentando responsabilizar a China pela pandemia do novo coronavírus, que surgiu no país asiático. Ele disse que "o mundo está pagando um preço alto pelo que eles [os chineses] fizeram" e passou a se referir ao coronavírus como o "vírus chinês". Uma fotografia registrada por um repórter do Washington Post mostra que o presidente americano substituiu a palavra "corona" por "chinês" antes de dar um discurso sobre o assunto.

A retórica de Trump foi chamada de racista e estigmatizante por críticos e rejeitada por autoridades da OMS, que alertaram que não se deveria atribuir "perfil étnico" ao vírus. O presidente americano, porém, não recuou.

No Brasil, Bolsonaro não culpou diretamente a China pela epidemia do coronavírus, mas sugeriu que a repercussão da pandemia poderia estar sendo potencializada "por questões econômicas". Nas redes sociais, circulam teorias conspiratórias que distorcem dados para sugerir que o país asiático se beneficiou economicamente da doença.

Já um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), acusou a China de esconder casos da doença para evitar desgaste, o que gerou uma crise diplomática.

A embaixada do país no Brasil disse que os tweets de Eduardo são preconceituosos e que ele contraiu "infelizmente, vírus mental, que está infectando a amizades entre os nossos povos".

Autoridades como os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, e governador de São Paulo, João Doria, pediram desculpas à China pelas declarações do filho do presidente.

Referências:

1. Aos Fatos 1, 2 e 3
2. CNBC 1 e 2
3. Rolling Stone
4. Governo Federal 1 e 2
5. Casa Branca
6. Rádio Bandeirantes
7. CDC
8. Twitter (@realdonaldtrump) 1, 2 e 3
9. O Estado de S. Paulo
10. BBC Brasil
11. Twitter (@eduardobolsonarosp)
12. Twitter (@jabinbotsford)
13. UOL


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