José Cruz/Agencia Brasil

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Novembro de 2018. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Bolsonaro erra ao citar gastos do PT na educação e exagera juros e dívida sob FHC

Por Judite Cypreste e Luiz Fernando Menezes

7 de novembro de 2018, 10h11

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) errou ao afirmar que o PT no governo piorou a qualidade do ensino no país apesar de ter duplicado os gastos com educação. Na verdade, dados oficiais mostram que as despesas foram triplicadas e que houve melhorias significativas no aprendizado oferecido pelas escolas brasileiras.

O capitão reformado também derrapou ao tecer comentários sobre a metodologia da pesquisa de desemprego do IBGE e exagerou ao dizer que a taxa Selic nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) chegou a 60%, atribuindo a isso a alta da dívida pública interna.

As declarações foram dadas em uma entrevista ao programa Brasil Urgente, de José Luiz Datena, na TV Bandeirantes, nesta segunda-feira (5).

Veja, abaixo, o que checamos.


FALSO

Durante os 13 anos de PT, dobrou-se os gastos com a educação e a qualidade de ensino diminuiu.

Na verdade, em 13 anos, os governos petistas mais do que triplicaram os gastos em educação e o país observou uma melhora nos indicadores de qualidade de ensino, como mostram os dados orçamentários e os do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) entre 2003 e 2015. Portanto, é FALSA a declaração do presidente eleito Jair Bolsonaro.

Em 2002, antes da posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o país investia R$ 35,7 bilhões em educação (valor ajustado pelo índice oficial de inflação). Esse montante passou para R$ 115,3 bilhões em 2015, último ano completo de Dilma Rousseff na Presidência da República. Ou seja, o gasto com políticas educacionais na era petista mais do que triplicou, e não dobrou, como afirmou Bolsonaro.

Os dados, corrigidos pelo IPCA, foram extraídos do Siga Brasil, portal de acompanhamento orçamentário do Senado Federal. Eles incluem a totalização das despesas do orçamento do ano e de despesas empenhadas em exercícios anteriores, os chamados “restos a pagar”.

A alta do investimento educacional nos governos petistas, porém, não foi consistente. Em seu primeiro mandato, Lula reduziu o gasto com educação em relação ao que havia sido empenhado pelo antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB): de R$ 35,7 bilhões para R$ 31,6 bilhões. As despesas da área só ultrapassaram o patamar destinado pelo tucano em 2006, quando chegou a R$ 36,8 bilhões. Nos anos posteriores, os gastos cresceram sucessivamente.

Também não é verdade que a qualidade do ensino brasileiro caiu durante os governos do PT, como sugeriu o presidente eleito. Dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) revelam melhorias no desempenho educacional do país nas administrações petistas, principalmente no ensino fundamental, em que o conceito subiu de 3,8 para 5,5, nos anos iniciais, e de 3,5 para 4,5, nos anos finais, entre 2005 (ano da primeira avaliação) e 2015. Ainda que tímido, houve também avanço no ensino médio: de 3,4, para 3,7 no período.

Os indicadores do Ideb para o ensino público também apontam para uma evolução da qualidade das escolas: entre 2005 e 2015, a classificação passou de 3,6 para 5,3, nos anos iniciais do ensino fundamental; nos anos finais, foi de 3,2 a 4,2; e no ensino médio a nota subiu de 3,1 para 3,5.

É verdade, entretanto, que algumas metas de melhoria de ensino não foram atingidas, como foi o caso dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio a partir de 2013. Esses resultados, porém, não permitem atestar que houve uma queda geral da qualidade de ensino no país.

O Ideb é medido com base na relação entre a aprovação dos estudantes aferida pelo Censo Escolar e das médias de desempenho nas avaliações aplicadas pelo Inep, do Ministério da Educação, como o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e a Prova Brasil.

Outro lado. A reportagem entrou em contato com a assessoria de Bolsonaro para que ele pudesse se posicionar em relação às checagens. Até a última atualização, no entanto, Aos Fatos não havia recebido nenhuma resposta.


FALSO

Quem, por exemplo, recebe Bolsa Família é tido como empregado, quem não procura emprego há mais de um ano é tido como empregado, quem recebe seguro desemprego é tido como empregado.

Esta afirmação do presidente eleito é FALSA pelas seguintes razões: 1. ao medir a taxa de desemprego, a Pnad Contínua, do IBGE, não considera beneficiários do Bolsa Família como empregados; 2. também não são classificados assim os brasileiros que recebem seguro-desemprego; 3. trabalhadores em busca de emprego são contabilizados pelo instituto como "desalentados", e eles não entram no somatório de pessoas empregadas no país.

De acordo com a nota técnica da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Contínua), o IBGE não considera uma pessoa empregada apenas por receber algum benefício. Alinhado às recomendações metodológicas e conceituais de instâncias internacionais como a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a UNSC (Comissão de Estatísticas das Nações Unidas), o estudo classifica como pessoas ocupadas aquelas que, na semana de referência da pesquisa, “trabalharam pelo menos uma hora completa em trabalho remunerado em dinheiro, produtos, mercadorias ou benefícios (moradia, alimentação, roupas, treinamento etc.) ou em trabalho sem remuneração direta, em ajuda à atividade econômica de membro do domicílio ou, ainda, as pessoas que tinham trabalho remunerado do qual estavam temporariamente afastadas nessa semana”.

Os desocupados seriam, segundo o IBGE, aqueles que, durante o período de referência da pesquisa, não possuíam emprego, mas que estariam aptos a trabalhar, tendo realizado algum esforço para conseguir uma atividade remunerada.

No caso daqueles que não procuram emprego, o instituto não os considera “empregados” como diz Bolsonaro; a categorização correta é “desalentados”. Segundo o IBGE, essa população está “fora da força de trabalho por uma das seguintes razões: não conseguia trabalho adequado, ou não tinha experiência ou qualificação, ou era considerado muito jovem ou idosa, ou não havia trabalho na localidade em que residia – e que, se tivesse conseguido trabalho, estaria disponível para assumir a vaga”. A Pnad Contínua só considera como desempregado quem está procurando emprego e não encontra.

Já os beneficiários do Bolsa Família até figuram no manual da pesquisa do entrevistador, mas não são usados na contagem dos empregados no país. Segundo consta do documento, essa população e seus devidos rendimentos são investigados pelos entrevistadores apenas para fins estatísticos, não interferindo na medição de emprego.

Na última Pnad Contínua divulgada em setembro deste ano, o número de pessoas desocupadas recuou em 3,7%, em comparação ao trimestre anterior, passando de 13 milhões de pessoas para 12,5 milhões. Em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior, a redução foi quase a mesma; 3,6%. Já o número de desalentados ficou estável em relação ao último trimestre (4,8 milhões), mas subiu em comparação ao mesmo período do ano anterior, que constava com 4,2 milhões de pessoas nesta situação.

Jair Bolsonaro fez essa declaração ao comentar com o apresentador José Luiz Datena os dados da última Pnad, que registrou queda no desemprego no Brasil. O presidente eleito manifestou o desejo de mudar a metodologia da pesquisa que, para ele, é uma “farsa”.

Outro lado. A reportagem entrou em contato com a assessoria de Bolsonaro para que ele pudesse se posicionar em relação às checagens. Até a última atualização, no entanto, Aos Fatos não havia recebido nenhuma resposta.


EXAGERADO

Quem nos botou nessa dívida [interna] monstruosa foi lá atrás, FHC, quando, na metade do seu governo de oito anos, botou a taxa Selic na casa dos 60%.

É fato que a alta da taxa básica de juros, a Selic, influencia o aumento da dívida pública, mas há outros fatores que podem contribuir mais para o endividamento do governo, como financiamentos e política monetária. Também não é verdade que a Selic alcançou 60% durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Apesar de o período ter sido marcado por juros altos, a Selic máxima registrada na administração do tucano foi de 45%. Portanto, a declaração do presidente eleito Jair Bolsonaro foi classificada como EXAGERADA.

De acordo com Roberto Piscitelli, economista do Cofecon (Conselho Federal de Economia), o aumento da taxa Selic faz com que a dívida pública tenha um percentual crescente de juros. Se o governo não consegue pagar todos os juros, esse acumulado vira estoque de dívida.

No entanto, a taxa Selic não é o único fator que contribui para o endividamento. Para pagar a dívida, de acordo com Piscitelli, é necessário superávits primários e uma economia em crescimento. Se não tiver caixa, o governo não consegue pagar os juros e a dívida aumenta, mesmo que a taxa Selic esteja em baixa.

Fora a dívida contraída por meio dos juros e por refinanciamento (rolagem da dívida), há também valores decorrentes do financiamento de gastos públicos (quando o governo não possui recursos suficientes para uma obra orçada, por exemplo, e lança títulos para conseguir o dinheiro) e a política cambial e monetária (como operações de swap cambial, por exemplo). Portanto, a taxa Selic é apenas um dos fatores influenciadores no aumento da dívida interna e não pode ser utilizada como a única causa do crescimento do endividamento.

Até meados da década de 1990, a dívida externa do Brasil era maior do que a interna, de acordo com o economista Antonio Corrêa Lima, em entrevista à Época Negócios: “A partir dos anos 1990 e 2000, o Brasil ampliou sua dívida pública interna ao tentar, talvez, se liberar um pouco dessa restrição externa, representada pelo excesso de endividamento. É uma dívida [a interna] mais fácil de ser rolada. Porém, uma dívida mais cara porque os juros praticados no Brasil eram muito elevados”.

Ainda segundo o economista, a dívida pública aumentou já no governo FHC porque a economia cresceu pouco em relação à taxa Selic, e a dívida pública interna evoluiu a um ritmo médio de 24,8% ao ano no primeiro mandato do tucano.

Segundo dados do Ipeadata, o governo federal passou a ter dívida interna em 1992, e ela realmente cresceu muito nos anos FHC. Em 1994, logo antes de o tucano assumir a Presidência, a dívida interna pública era de R$ 545 bilhões, em valores corrigidos. Quando FHC deixou o governo, no fim de 2002, ela tinha mais do que triplicado: R$ 1,65 trilhão. Nos 13 anos de governos do PT — 2003 a 2015 — a dívida interna pouco mais que dobrou, passando de R$ 1,65 trilhões para R$ 3,75 trilhão. Atualmente, ela se encontra em R$ 4,55 trilhões.

Além disso, Bolsonaro erra o número da taxa Selic do governo FHC. O maior número registrado no período do tucano (1995-2002) foi em março de 1999, quando a Selic estava em 45%. A taxa básica de juros é definida pelo Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central.

Outro lado. A reportagem entrou em contato com a assessoria de Bolsonaro para que ele pudesse se posicionar em relação às checagens. Até a última atualização, no entanto, Aos Fatos não havia recebido nenhuma resposta.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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