Marcello Casal Jr/Agência Brasil

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Maio de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Por que ainda é cedo para estados saírem da quarentena, em 3 gráficos

Por Bruno Fávero e Priscila Pacheco

7 de maio de 2020, 19h29

Apesar da pressão que governadores enfrentam para relaxar as medidas de isolamento social, nenhum estado brasileiro poderia sair da quarentena se fossem aplicados aqui critérios usados internacionalmente para decidir quando é seguro dar início ao processo de reabertura.

Três requisitos aparecem em todos os documentos sobre o assunto publicados por órgãos dos EUA, da União Europeia e da OMS (Organização Mundial da Saúde): os novos casos de Covid-19 devem estar em queda, testes precisam ser feitos em escala e a capacidade hospitalar deve ser suficiente para dar conta de um eventual aumento no número de internados. Nenhum dos 26 estados nem o Distrito Federal cumprem todas essas condições mínimas, como mostra levantamento do Aos Fatos com dados das secretarias estaduais e do Ministério da Saúde.

Nas últimas semanas, locais onde a pandemia parece estar sob controle, como Alemanha, França e alguns estados americanos, têm se baseado nessas orientações para anunciar os primeiros passos em direção à volta à normalidade.

No Brasil, 19 governadores prorrogaram o prazo de medidas de distanciamento social que estavam para vencer e governo federal admitiu a possibilidade de confinamento obrigatório nas cidades mais afetadas pelo vírus. Ainda assim, há pressão de entidades comerciais, prefeitos e do presidente Jair Bolsonaro por uma abertura mais rápida.

Abaixo, veja qual a situação dos estados brasileiros nesses três indicadores.

1. Casos em queda

O guia do governo americano para orientar os estados na reabertura estipula como requisito que casos registrados de Covid-19 e de Srag (Síndromes Respiratórias Agudas Graves) estejam em trajetória descendente nos últimos 14 dias. Já os documentos da OMS e da União Europeia enfatizam que o contágio da doença deve estar sob controle, sem especificar um número.

Vinte e seis unidades da federação no Brasil falham já nesse primeiro critério. Com exceção do Mato Grosso do Sul, todas tiveram um aumento no número de novos casos na comparação da última semana (28 de abril a 4 de maio) com a anterior (21 a 27 de abril).

Os maiores aumentos foram Tocantins (506%), Sergipe (418%) e Acre (341%). Em contraste, a maioria dos países que estão começando o processo de reabertura teve queda expressiva.

O número de novos casos registrados é importante porque pode indicar uma mudança no ritmo de contágio, mas deve ser interpretado com cuidado já que também é influenciado por fatores alheios à progressão da doença, como a capacidade de testes de cada governo.

Por isso, cientistas também usam como métrica a taxa de reprodução (Rt), uma estimativa de quantas pessoas um infectado contamina. Se o Rt é 2, por exemplo, significa que cada doente infecta, em média, mais duas pessoas.

"Diz-se que naqueles lugares onde esse número for 1 ou menor há um número menor de infectados novos. E aí que vai ter a condição de se evitar o distanciamento social", diz o epidemiologista e pesquisador da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre) Airton Stein.

Não há medidas do Rt por estado brasileiro, mas um estudo recente da Imperial College London estimou que o número no país esteja entre 1.37 e 1.62 – o 11º maior entre 51 nações pesquisadas – o que indica que o contágio da doença ainda está crescendo.

2. Testes em massa

Os documentos que orientam como deve ser a reabertura também enfatizam a necessidade de fazer testes em larga escala para a Covid-19 porque, com isso, é possível identificar mais rapidamente os infectados, isolá-los e, assim, diminuir o número de transmissões.

O guia do governo americano estipula que estados devem "conseguir testar as pessoas com sintomas de Covid-19 e rastrear os contatos de quem teve resultado positivo". Um plano publicado pela Universidade John Hopkins estabelece que, antes de reabrir, uma região deve "ter capacidade de diagnosticar rapidamente pelo menos todas as pessoas com sintomas de Covid-19 e seus contatos próximos". Na mesma linha, a União Europeia recomenda que "a capacidade de testes deve ser expandida e harmonizada. Testes rápidos e confiáveis são chave para medir a imunidade da população".

Hoje, mesmo os estados brasileiros que mais testaram têm um volume baixo de exames na comparação com países que anunciaram algum tipo relaxamento nas medidas de isolamento, como mostra o gráfico abaixo.

Para começar a reabrir, precisamos ter métricas que permitam acompanhar a evolução da doença e tomar decisões. Por exemplo, depois de relaxar o isolamento, é preciso conseguir saber em pouco tempo se a curva de casos aumentou de forma expressiva. Não tem um número mágico, mas está claro que o Brasil precisa de mais testes", diz Lariza de Oliveira, pesquisadora da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.

Parte da comunidade científica ainda argumenta que nem mesmo os países que mais testam o fazem em quantidade suficiente. Um estudo de Harvard, por exemplo, estima que uma volta segura à normalidade nos EUA exigiria cerca de 5 milhões de testes diários – hoje, o país faz cerca de 1 milhão por semana.

3. Capacidade hospitalar

Por fim, os guias de reabertura enfatizam que o sistema de saúde deve estar apto para receber e tratar todos os infectados por Covid-19 e preparado para um repentino aumento no número de pacientes.

Na média, estados brasileiros estão em uma situação melhor nesse critério do que nos outros dois indicadores, mas cinco deles (Pernambuco, Rio de Janeiro, Ceará, Amazonas e Goiás) já têm mais de 80% de ocupação de leitos de UTI do SUS (Sistema Único de Saúde) reservados para a Covid-19, segundo dados obtidos pelo Aos Fatos com as secretarias de saúde estaduais entre 3 e 7 de maio. Uma reportagem da Folha de S.Paulo também aponta que nove capitais do país têm ocupação maior que 90%.

Pernambuco, que possui 435 leitos de UTI do SUS reservados para a Covid-19, havia atingido 97,93% de ocupação na segunda-feira (3); o Rio de Janeiro, segundo estado com a situação mais crítica, tinha 93% de ocupação na mesma data, e o Ceará, terceiro e que chegou a ter 100% dos leitos ocupados, estava com 92,81%;.

São Paulo, o epicentro da pandemia no país com o maior número absoluto de casos e óbitos, tinha 68,2% de ocupação dos leitos de UTI nas redes pública e privada. Na região metropolitana, o número chega a 86,6%.

Além da falta de leitos, o epidemiologista Airton Stein diz que o sistema de saúde também pode sofrer pela falta de médicos para atender um contingente grande de enfermos. O problema já foi citado pelo governador do Ceará, Camilo Santana (PT-CE). Segundo ele, o estado tem profissionais da saúde afastados por suspeita de Covid-19 e há dificuldades para montar equipes, principalmente as especializadas em UTI.

Dados indisponíveis. A falta de transparência também atrapalha no acompanhamento da situação. O governo federal anunciou no mês passado um censo hospitalar para mapear a ocupação dos casos de Covid-19 nos hospitais de todo o país, mas nunca divulgou os dados e não respondeu aos pedidos da reportagem para ter acesso aos números. Parte dos estados também não divulga os números em seus boletins epidemiológicos – a assessoria do governo de Minas Gerais, por exemplo, alega não ter informações compiladas.

Referências:

1. OMS
2. União Europeia
3. Casa Branca
4. Diário Oficial da União
5. Universidade John Hopkins
6. Imperial College London
7. Universidade de Harvard
8. Governo de São Paulo
9. Estadão
10. Folha de S. Paulo (1 e 2)
11. O Globo
12. G1
13. Poder 360
14. El País
15. Bloomberg

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