Marcelo Camargo/ABr

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Fevereiro de 2017. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Erradicação da maconha e outros pontos da política antidrogas, segundo Moraes

Por Tai Nalon

21 de fevereiro de 2017, 17h55

Durante sua sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta terça-feira (21), o ministro da Justiça licenciado, Alexandre de Moraes, negou que tenha dito, em dezembro do ano passado, que queria "erradicar a maconha em toda a América do Sul". Indicado ao Supremo Tribunal Federal na vaga do ministro Teori Zavascki, morto em janeiro em um acidente de avião, Moraes disse que "as pessoas inventam" e "uma invenção vira verdade".

Aos Fatos foi às origens da declaração, para verificar se, de fato, ela surgiu espontaneamente e sem critério jornalístico. A reportagem também checou outros pontos da fala de Moraes a respeito da política antidrogas. Trata-se de assunto que pautou a sabatina, uma vez que, se aprovado no Senado, Moraes poderá devolver ao plenário pedido de vista herdado do gabinete de Zavascki a respeito da legalização da maconha.

Veja, abaixo, o que checamos. Também verificamos uma série de suas declarações a respeito de foro privilegiado e quantidade de mulheres na magistratura, que é possível ler aqui.


FALSO

A questão de extirpar a maconha na América do Sul... Vejam, as pessoas inventam e vão passando para blogs que ninguém conhece. Os blogs vão proliferando e uma invenção vira uma verdade de que, por mais ridícula que seja, você tem que ficar sempre se defendendo.

O primeiro registro a respeito da afirmação de Moraes data de um sábado, 17 de dezembro de 2016, às 6h55, no blog do Lauro Jardim, no jornal O Globo. Segundo a apuração do jornalista Guilherme Amado, "Moraes, que foi ao Paraguai em julho e se deixou ser filmado desbastando pés de maconha, quer erradicar a maconha na América do Sul — feito que os Estados Unidos não conseguiram com a folha de coca na Colômbia".

Conforme o relato, a intenção foi apresentada numa reunião na segunda-feira, 12 de dezembro, no escritório da Presidência da República em São Paulo, cujo propósito era falar do Plano Nacional de Segurança do governo federal.

Segundo a matéria, participaram do encontro representantes do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Instituto Igarapé, Instituto Sou da Paz e Open Society. A reportagem não atribui o relato das intenções de Moraes a qualquer um dos presentes.

No mesmo dia, o jornal O Estado de S. Paulo publicou, às 17h23, reportagem com o seguinte título: "Ministro quer erradicar comércio e uso de maconha no Brasil". A referência à América do Sul só aparece no meio da matéria.

"Em duas horas e meia, o ministro detalhou como deverá ser executada a iniciativa, mostrando informações em mais de 90 slides de uma apresentação de Power Point. Quando se referiu a um dos eixos do plano, o combate a crimes transnacionais, Moraes expôs, em um slide com uma planta de maconha ilustrativa, a sua visão sobre o assunto.", narra o jornal.

O Estadão também trouxe o relato de uma das pessoas que participaram da reunião: Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes e ex-diretora-geral do sistema penitenciário do Estado do Rio. Segundo ela, trata-se de uma "ideia absolutamente irreal".

Aos Fatos também checou a informação com outros dois presentes na reunião, que confirmaram o relato reproduzido pelo Estadão. Eles preferiram manter o anonimato.

O plano oficial. Na apresentação que consta do site do Ministério da Justiça, não há slides com folhas de maconha nem menções à América do Sul. Na explicação do Plano Nacional de Segurança Pública, a única menção à palavra "maconha" está no slide 55, sob o tema "Inteligência e informações".

Sob esse mesmo título, há uma menção à "ampliação na utilização dos protocolos com Argentina, Paraguai, Uruguai, Peru e Bolívia. Renovação dos acordos com Suriname, Guiana, Colômbia e Guiana Francesa". O Paraguai também aparece no trecho em que o governo diz querer ampliar oficialatos de ligação com países da América do Sul.

Ainda na mesma apresentação, no capítulo de metas, o Ministério da Justiça projeta para 2017 aumento de 10%na quantidade de armas e drogas apreendidas. Para 2018, 15%.

Alexandre de Moraes sempre negou a autoria da frase. Na ocasião das reportagens de Estadão e O Globo, afirmou, em nota, que "dentre as várias ideias analisadas, jamais houve qualquer uma no sentido de erradicar o plantio e comercialização da maconha em toda a América do Sul, mesmo porque isso jamais seria de competência do Brasil e não se coaduna com os modernos métodos de combate ao crime organizado".


FALSO

Nós temos, no Brasil, um prejuízo de R$ 30 bilhões de contrabando de cigarro.

Há uma série de levantamentos, com números diferentes, que não batem com o número citado pelo ministro licenciado. O estudo "O custo do contrabando" é um deles. Elaborado em 2015 pelo Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras), diz que o prejuízo para o país, entre perdas da indústria e não tributação, é de R$ 6,4 bilhões ao ano. Dessa quantia, R$ 4,5 bilhões correspondem aos tributos que o governo deixou de arrecadar em 2014.

Outro levantamento, de 2016, aponta que o país deixou de arrecadar R$ 4,9 bilhões em 2015. O número é do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade.

(A reportagem inicialmente atribuiu à checagem o selo EXAGERADO. No entanto, reviu a classificação e, às 23h25 de terça-feira, 21 de fevereiro de 2017, mudou para FALSO.)


IMPRECISO

72% das mulheres que estão presas… vejam a gravidade: de cada dez mulheres presas, sete são presas por tráfico; dessas sete, se uma realmente for traficante, é muito.

O ministro licenciado erra dados apontados pelo ministério em que atuou nos últimos meses. De acordo com pesquisa do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), o tráfico de drogas é o motivo de 68% das prisões de mulheres no país. Os dados fazem parte do estudo oficial mais recente sobre o tema, divulgado em 2015 pelo Ministério da Justiça, segundo o qual a população carcerária feminina subiu de 5.601 para 37.380 detentas entre 2000 e 2014, um crescimento de 567% em 15 anos.

Um estudo mais antigo, de 2012, centrado apenas no Estado de São Paulo, mostrou números mais próximos ao de Moraes. O ministro licenciado foi secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, unidade da federação com maior quantidade de presos no país. Segundo o Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Ensino e Questões Metodológicas em Serviço Social, da PUC de São Paulo, 72% das presidiárias, à época do levantamento, respondiam por tráfico de drogas.

O número coincide com dado da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, que verificou em 2015 que 72% das mulheres presas nas cadeias paulistas estão ali por causa do tráfico.


VERDADEIRO

A alteração legislativa despenalizou o usuário, não descriminalizou (...). Isso, ao invés de diminuir o número de prisões, fez com que aumentasse, porque se passou a tipificar o usuário que estava naquela linha tênue entre usuário e pequeno traficante, que compra um pouco mais e vende para sustentar o seu vício, esse, que antes da lei de 2006 era tipificado como usuário, passou a ser tipificado como traficante.

O Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), com dados de 2014, mostra que a Lei de Drogas, de 2006, não resultou em menos prisões relacionadas ao tráfico de drogas. A legislação, conforme explicou o ministro licenciado, despenalizou o indivíduo que porta drogas, porém, por ser considerada vaga e não especificar quantidade de substâncias entorpecentes, a norma acabou por estimular que o portador fosse considerado, em vez de usuário, traficante.

Conforme o estudo, os crimes de roubo e tráfico de entorpecentes respondem por mais de 50% das sentenças de condenados encarcerados. Em dez anos, a quantidade de presos associados ao tráfico saiu de 15% da população carcerária brasileira para 28%.

"É importante apontar o grande número de pessoas presas por crimes não violentos, a começar pela expressiva participação de crimes de tráfico de droga categoria apontada como muito provavelmente a principal responsável pelo aumento exponencial das taxas de encarceramento no país e que compõe o maior número de pessoas presas", diz o estudo.


Também checamos declarações de Alexandre de Moraes sobre mulheres na magistratura e outros temas. Veja.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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