Walterson Rosa/MS

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Fevereiro de 2024. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Dengue deve superar recorde de casos com emergências estaduais, mas não configura ‘epidemia nacional’

Por Luiz Fernando Menezes

7 de fevereiro de 2024, 14h56

Com tendência de alta, as infecções e mortes por dengue registradas até agora indicam que 2024 corre o risco de se tornar o pior ano na série histórica da doença, superando o recorde registrado no ano passado. Até o início desta semana, o Brasil contabilizou mais de 345 mil casos suspeitos e ao menos 36 mortes — outras 234 estão sob investigação.

“Nós temos situações epidêmicas em alguns municípios, como é o caso do Rio de Janeiro, do Distrito Federal, Acre, Minas Gerais, mas a dengue tem uma característica socioambiental, ou seja, que depende do fator mosquito e de condições de proliferação. E agora temos concentração nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul, mas isso não caracteriza um quadro de emergência nacional, quadro de epidemia nacional, mas de epidemia a nível local”, disse a ministra da Saúde, Nísia Trindade, no sábado (3).

Desde então, peças desinformativas têm editado e tirado de contexto a fala da ministra para dar a entender que ela minimizou a gravidade da situação. Posts nas redes chamam Trindade de “negacionista” e “genocida”, em referência a acusações feitas ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) e a membros de seu governo durante a gestão da pandemia de Covid-19.

Foto de Nísia é acompanhada dos dizeres ‘Viva o SUS! Viva à ciência! Foram negacionista!’
‘Negacionista.’ Publicações que distorcem fala de Nísia para tachá-la como negacionista acumula dezenas de milhares de curtidas no Instagram (Reprodução/Instagram).

No entanto, Trindade seguiu a definição científica dos termos ao afirmar que o avanço da dengue não caracteriza, pelo menos até agora, uma “epidemia nacional”, apesar das “epidemias locais”. A epidemiologista Andrea Paula Von Zuben, da Unicamp, explicou ao Aos Fatos que, “para ser decretada uma epidemia nacional, todos os municípios do Brasil deveriam registrar alterações acima do esperado” — o que não é o caso atual.

A partir de estatísticas de incidência da dengue, o Ministério da Saúde monitora os casos e mortes em cada região do país e compara com os últimos 10 anos. Então, é calculado um limite endêmico considerado “esperado” ou “dentro da normalidade”. Se esse limite for superado, aí, sim, o cenário pode ser considerado “epidêmico”, conforme a pasta disse em nota.

Abaixo, o Aos Fatos explica por que o cenário atual, apesar de grave, não configura uma “epidemia nacional” e mostra três gráficos que dimensionam o avanço da doença.

  1. Por que o cenário atual não é de “epidemia nacional”?
  2. Quais estados já declararam situação de emergência?
  3. Quais estados estão em situação mais crítica?
  4. O que mostra a série histórica de estatísticas?
  5. Quais medidas o Ministério da Saúde anunciou até agora?
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1. POR QUE O CENÁRIO ATUAL NÃO É DE “EPIDEMIA NACIONAL”?

Von Zuben, da Unicamp, explica que o conceito de epidemia nacional dificilmente enquadraria a dengue por se tratar de uma doença vetorial — ou seja, transmitida por meio de um vetor, no caso, o mosquito Aedes aegypti. Dessa forma, o aumento dos casos é atrelado às características regionais, como proliferação do inseto, afetada principalmente pelo clima e pela quantidade de água parada no local, e número de pessoas suscetíveis à infecção.

Já uma Esin (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional) é declarada pelo Ministério da Saúde quando determinada doença apresenta algumas das seguintes condições:

  • Há risco de disseminação nacional. Esse critério não se aplica à dengue porque ela não é uma doença de transmissão de pessoa para pessoa;
  • A doença é causada por agentes infecciosos inesperados. Esse critério não se aplica porque o Brasil registra casos de dengue há décadas;
  • Trata-se de reintrodução de uma doença erradicada. Esse critério também não se aplica à dengue, que nunca foi extinta;
  • A doença apresenta gravidade elevada. Esse critério não se aplica porque a mortalidade da dengue é baixa;
  • Ou o surto extrapola a capacidade de resposta das direções estaduais do SUS (Sistema Único de Saúde). Esse critério se aplicaria, mas não há sinais de sobrecarga nos estados.

O cenário é muito diferente da Covid-19, por exemplo: a doença, de transmissão interpessoal, era causada por um agente até então desconhecido. No caso da Covid-19, a Esin foi declarada em fevereiro de 2020. Para justificar a decisão, a pasta, na época, argumentou que a OMS (Organização Mundial da Saúde) já havia declarado emergência de importância internacional, que o combate à doença demandava o esforço conjunto de todo o SUS e que haveria necessidade de estabelecer um plano de resposta e uma estratégia de acompanhamento de brasileiros e estrangeiros.

2. QUAIS ESTADOS JÁ DECLARARAM SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA?

Quatro unidades da federação já decretaram situação de emergência: Acre, Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal. A cidade do Rio de Janeiro também emitiu declaração de emergência.

A maior parte dos casos registrados até agora foi nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul (veja gráfico abaixo). Até o momento, Minas Gerais é o estado com o maior número de notificações (foram 112 mil até o dia 5 de fevereiro), seguido de São Paulo (56 mil casos suspeitos) e Distrito Federal (45 mil casos suspeitos).

3. QUAIS ESTADOS ESTÃO EM SITUAÇÃO MAIS CRÍTICA?

Em comparação com o mesmo período do ano passado, é possível verificar quais estados estão em situação mais crítica. Os maiores aumentos foram registrados no Paraná (1.237%), no Distrito Federal (1.200%), no Rio de Janeiro (1.182%) e em Santa Catarina (1.127%).

4. O QUE MOSTRA A SÉRIE HISTÓRICA DE ESTATÍSTICAS?

A dengue é considerada um problema de saúde pública no Brasil há anos. O número de casos tem aumentado de modo significativo na última década (veja abaixo). Em 2023, foram registrados 1.658.816 casos em todo o país, o maior número da série histórica, iniciada em 2000.

A série também mostra dezenas de mortes pela infecção todos os anos. No ano passado, o Brasil bateu o recorde histórico de mortes causadas pela dengue: foram 1.094, número levemente superior ao maior registro anterior, 1.053 óbitos em 2022.

5. QUAIS MEDIDAS O MINISTÉRIO DA SAÚDE ANUNCIOU ATÉ AGORA?

A pasta comanda a campanha “Brasil Unido contra a Dengue”, lançada em maio do ano passado, para conscientizar a população sobre os sintomas da doença e as medidas para combater a proliferação do mosquito. O governo federal também adquiriu vacinas contra a infecção, que serão administradas na rede do SUS para crianças e adolescentes das regiões com maior incidência da dengue.

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No último sábado (3), o ministério inaugurou o COE Dengue (Centro de Operações de Emergência contra a Dengue) em Brasília, para monitorar e enfrentar o avanço da doença, do qual também fazem parte a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e secretarias estaduais e municipais.

Referências:

1. Ministério da Saúde (1, 2, 3, 4 e 5)
2. Planalto
3. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo
4. EBC (1, 2 e 3)
5. Aos Fatos
6. Una-SUS

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