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🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Maio de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Como sete sites lucraram com anúncios no Google ao publicar desinformação sobre a pandemia

Por Tai Nalon e Amanda Ribeiro

21 de maio de 2020, 12h30

Sete veículos acumularam juntos ao menos 44,9 milhões de acessos em abril de 2020 publicando conteúdo falso ou enganoso sobre Covid-19 e a crise política no país. Todos eles recorrem a uma estratégia em comum: usar a plataforma de monetização Google AdSense para converter em dinheiro os cliques em seus sites.

A prática de capitalizar em cima de desinformação não é recente, mas ganha novos contornos ao ser empregada em época de pandemia. Levantamento do Aos Fatos conduzido entre os meses de abril e maio nesses sites, recorrentemente verificados por checadores como publicadores de conteúdo falso ou parcialmente falso, encontrou ao menos 50 links que levavam a algum conteúdo com desinformação relacionada sobretudo à pandemia. Veja aqui a íntegra.

Segundo a política de anúncios do próprio Google, um publicador que "incentive os usuários a interagir com o conteúdo sob pretextos falsos ou imprecisos", veicule "promoção ou incitação a práticas médicas prejudiciais à saúde", "faça afirmações comprovadamente falsas e que possa prejudicar de forma significativa a participação ou a confiança no processo eleitoral ou democrático", "engane os usuários por meio de mídias manipuladas relacionadas a política, questões sociais ou assuntos de interesse público" estará violando as regras de conduta da plataforma. No entanto, os sites seguem se financiando livremente apesar dessas diretrizes.

Os sites analisados por Aos FatosJornal da Cidade Online, Notícia Brasil Online, Senso Incomum, Gazeta Brasil, Agora Paraná, Conexão Política e Jornal 21 Brasil – vão contra ao menos uma dessas diretrizes ao publicar desinformação sobre, por exemplo, a eficácia da cloroquina no tratamento da Covid-19, ao falsear políticas de saúde da Organização Mundial da Saúde, ao amplificar mentiras sobre fraude na notificação de mortes decorrentes da pandemia e ao afirmar que a OMS tem orientações para crianças com menos de quatro anos que incluem masturbação e identidade de gênero.

Com a maior audiência entre os sete sites analisados, o Jornal da Cidade Online é o exemplo mais expressivo dessa prática. Recorre a um expediente comum a sites que desinformam: não publica apenas conteúdo patentemente falso, mas mistura, em meio a uma série de mídias opinativas, dados falsos ou distorcidos que levam sua audiência a conclusões enganosas.

O site acumulou sozinho mais de 34 milhões de acessos em abril, de acordo com dados fornecidos pela ferramenta SimilarWeb em 20 de maio de 2020. Publicou, em 22 e 23 de abril, por exemplo, conteúdos que afirmavam que "na prática, a hidroxicloroquina tem se mostrado extremamente eficaz" e que "o medicamento à base de hidroxicloroquina vem obtendo resultados surpreendentes no tratamento de pacientes com Covid-19", embora a substância não tenha eficácia comprovada contra o novo coronavírus. Veiculou ainda, em 30 de abril, a informação de que "a taxa de mortalidade de Covid para pessoas abaixo dos 50 acabou sendo de somente 1 por 1.000 nos países bem administrados, não muito distante de uma gripe anual", mas qualquer comparação nesse sentido é indevida e seu argumento é falso.

Também foi em abril que Aos Fatos revelou que esse site faz parte de uma rede de republicação de conteúdo que incluía o site da viúva do torturador Brilhante Ustra. Ao responder ao Aos Fatos, o editor do Jornal da Cidade Online, José Tolentino, negou a ligação com o site pró-ditadura, mas admitiu que outros sites mencionados na reportagem, como Frederico Gomes e Marco Angeli, fazem parte de sua rede de monetização.

Na ocasião, o site publicou o que disse ser um relatório de violações do Google AdSense sem qualquer advertência sobre terem veiculado conteúdo enganoso. De acordo com Tolentino, a plataforma do Google AdSense informa aos editores quando há violações das regras do programa, o que, segundo ele, não havia acontecido.

Questionado à época, o Google confirmou, por meio de assessoria, que há violação de regras da plataforma se editores publicam "conteúdos que buscam enganar usuários sobre a identidade do seu autor, façam uso de mídias (fotos, áudios ou vídeos) manipuladas relacionadas à política, questões sociais ou assuntos de interesse público; ou conteúdos que contenham afirmações comprovadamente falsas que possam prejudicar de forma significativa a participação ou confiança no processo eleitoral ou democrático". No entanto, disse que não comentaria casos específicos, como o do Jornal da Cidade Online.

Sleeping Giants Brasil. É também o Jornal da Cidade Online o principal alvo de um ativista anônimo que se intitula "Sleeping Giants Brasil", cujo objetivo, segundo seu perfil no Twitter, é "impedir que sites racistas ou de Fake News monetizem através da publicidade". A iniciativa foi criada após repercussão de reportagem do jornal El País, que contava a história do publicitário Matt Rivitz, responsável por um grupo de mesmo nome que atua nos Estados Unidos e se propõe a expor marcas que veiculam anúncios em sites com informações inverídicas.

Desde a sua primeira publicação, na última segunda-feira (18), o perfil mapeou anúncios no Jornal da Cidade Online, expôs seus anunciantes e havia sido publicamente respondido por seis marcas até a noite desta quarta-feira (20): Submarino, Telecine, Dell, Domestika, Canal History Brasil e Banco do Brasil. As empresas afirmavam, em linhas gerais, que bloqueariam a veiculação de anúncios no site ou analisariam sua retirada por não concordarem com a publicação de conteúdo enganoso.

Depois de comunicar a interrupção dos anúncios no Jornal da Cidade Online, a decisão do Banco do Brasil foi alvo de questionamento por parte do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, e do secretário de comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten.

Já o Jornal da Cidade Online publicou na tarde desta quarta-feira (20) que "empresas que estão apoiando ‘censura’ ao Jornal da Cidade Online perdem clientes de maneira avassaladora". Segundo o editor do site, uma das empresas anunciantes "desrespeitou" seus "milhões de leitores, por uma acusação anônima, sem procedência, de um perfil com cerca de 20 mil seguidores, todos esquerdistas frustrados, despeitados, criminosos e invejosos ante o nosso sucesso".

Como funciona o Google Ads. É da publicidade digital que o Google tira a maior parte de suas receitas. Em 2019, o faturamento da Alphabet, que controla a empresa, foi de US$ 161 bilhões, sendo US$ 134 bilhões oriundos de seus serviços de publicidade digital. O Google Ads é o principal serviço da plataforma nessa seara em todo o mundo, além de ter sido o segundo formato de mídia mais comprado por agências publicitárias brasileiras em 2019, ficando atrás apenas do serviço do Facebook.

O Google AdSense é a plataforma que permite que publicadores gerenciem os espaços publicitários comprados pelos anunciantes em seus sites. Assim, um usuário pode financiar o próprio site por meio de anúncios automáticos baseados na audiência e no conteúdo publicado. Ou seja, o Google serve de intermediário entre o publicador e o anunciante, pagando o primeiro de acordo com a quantidade de impressões de anúncios ou de cliques dos usuários nesses anúncios.

Já o anunciante pode segmentar seus anúncios conforme o perfil geográfico e o contexto a que um site é associado. Segundo o Google, esses anúncios alcançam mais clientes sem exceder o orçamento planejando através de uma "tecnologia inteligente". Essa tecnologia é responsável por assegurar a veiculação do anúncio nas ferramentas de busca do Google e em sites que usam suas plataformas publicitárias.

Google. Questionado por Aos Fatos se algum dos veículos publicadores de desinformação analisados já havia sofrido alguma sanção no AdSense por veicular conteúdo que se provou inverídico ou se violou alguma outra regra, o Google limitou-se a responder que "oferecer aos usuários informações confiáveis é parte da nossa missão". Diz o porta-voz do Google: "Temos políticas contra conteúdo enganoso em nossas plataformas e trabalhamos para destacar conteúdo de fontes confiáveis. Agimos rapidamente quando identificamos ou recebemos denúncia de que um site ou vídeo viola nossas políticas".

Plataformas de tecnologia no Brasil têm agido de acordo o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece direitos e obrigações para resguardar a liberdade de expressão. Conforme o texto da lei, eventual penalização por "danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros" ocorrerá após ordem judicial.

"Entendemos que os anunciantes podem não desejar seus anúncios atrelados a determinados conteúdos, mesmo quando eles não violam nossas políticas, e nossas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos", disse também o porta-voz da empresa.

De acordo com relatório de transparência do Google, a empresa diz ter encerrado mais de 1,2 milhão de contas de publishers em todo o mundo e retirado anúncios de mais de 21 milhões de páginas por violação de políticas. "O encerramento de uma conta – e não apenas a retirada do ar de uma página ou anúncio específico – é uma medida particularmente eficaz que tomamos nos casos em que o anunciante ou o publisher comete violações graves ou tem um histórico de repetidos descumprimentos de políticas", diz o relatório.

Outro lado. Questionados por Aos Fatos a respeito da veiculação de informações falsas ou parcialmente falsas em suas páginas, os editores dos sites Jornal da Cidade Online, Senso Incomum, Agora Paraná, Conexão Política e Jornal 21 Brasil não haviam respondido até a última atualização desta reportagem.

O site Gazeta Brasil negou que esteja produzindo desinformação. Em thread no Twitter, afirmou que "Essa 'checagem' só reforça o aparelhamento de setores da imprensa do Brasil. Nossos acessos impressionam, né?". Veja a íntegra.

O site Notícia Brasil Online afirmou que não tinha a intenção de desinformar o público e que sempre corrigiu matérias que estivessem "em desacordo com os fatos". Até as 19h de 21 de maio, no entanto, apenas uma das peças apontadas na reportagem do Aos Fatos havia sido corrigida.

Caso haja novos posicionamentos, a reportagem será atualizada com suas manifestações.


Aviso de transparência: o Google é um dos financiadores do Aos Fatos, por meio do projeto Radar Aos Fatos, de monitoramento em tempo real de desinformação.

Esta reportagem foi atualizada às 18h54 de 21 de maio de 2020 para incluir o outro lado dos sites mencionados no texto.

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