🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Junho de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Relator avalia incluir no ‘PL das Fake News’ exigência de identificação de usuários nas redes

Por Gisele Lobato

21 de junho de 2023, 18h57

O deputado Orlando Silva (PC do B-SP), relator do PL 2.630/2020, estuda incluir a exigência de que os usuários sejam identificados ao criarem contas em plataformas. Em entrevista ao Aos Fatos, o parlamentar afirmou que a obrigatoriedade “é uma demanda geral” e que está avaliando o tema para o novo parecer que irá apresentar.

“O caminho que me parece lógico para identificação do titular de contas em redes sociais é o traçado por bancos digitais”, disse o relator.

Bancos que não têm agências físicas, como Nubank, Inter e C6, costumam exigir selfies para abertura de contas e outros serviços, além de fotografias de documentos, como o CPF. O deputado, no entanto, afirmou que os critérios adotados pelas redes poderiam ser diferentes, porque “a inovação é marca nesse campo”.

Questionado se pretende apresentar novo parecer na próxima semana, Silva disse apenas que “o texto estará pronto”. A votação já foi marcada e adiada porque o governo não tinha segurança de que teria os votos necessários para aprovar o texto final, cuja negociação segue em andamento entre os parlamentares.

A obrigatoriedade de identificação dos usuários das plataformas foi defendida na terça-feira (20) pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.

“Se você é um miliciano digital e tem coragem de ofender as pessoas, que tenha a coragem de se identificar. A Constituição veda o anonimato. No Twitter, por exemplo, não é possível que cada Twitter tenha um CPF, tenha a pessoa responsável?”, disse o ministro, em evento sobre inovação no Judiciário promovido pelo tribunal.

A medida também consta em um projeto alternativo ao relatório de Orlando Silva, apresentado pelo presidente da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital, deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG). A Frente Digital é assessorada pelo Instituto Cidadania Digital, que é patrocinado indiretamente pelas big techs.

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PROBLEMAS

Especialistas em direito digital ouvidos pelo Aos Fatos apontam problemas na exigência de identificação dos usuários para a criação de perfis na internet, tema que já havia sido discutido na época da votação do Marco Civil da Internet (lei nº 12.965/2014), mas acabou descartado.

“É uma medida muito ruim. Quantas pessoas têm acesso a documentos no Brasil hoje?”, critica Yasmin Curzi, professora e pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV (Fundação Getulio Vargas). A pesquisadora lembra que, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2021, quase 3 milhões de brasileiros não tinham sequer certidão de nascimento no país. “A negativa de um direito por desigualdade estrutural estaria gerando a negativa de outro direito, que é a comunicação.”

João Victor Archegas, pesquisador sênior do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade), defende que mecanismos de identificação são importantes, mas ressalta que eles já são previstos no Marco Civil.

A norma determina que as plataformas devem guardar por seis meses os endereços de IP — código que identifica um dispositivo conectado a uma rede — e o horário de acesso. Embora existam ferramentas que permitem camuflar o IP usado para acessar uma conta, fraudes similares também poderiam afetar a confiabilidade da identificação dos usuários. Por exemplo, com o uso de documentos falsos ou a criação de perfis a partir de um país que permita o anonimato, por meio de uma conexão por VPN, rede privada capaz de ocultar a origem verdadeira do IP.

“Quantas pessoas de fato camuflam seu IP? Quantas vezes foi impossível identificar uma pessoa com os mecanismos já previstos no Marco Civil? O CPF também não pode ser informado de forma fraudulenta pelo usuário?”, questiona Archegas, considerando necessário ponderar se os supostos benefícios da identificação compensariam seus danos.

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Outro ponto polêmico da proposta diz respeito à proteção de dados dos usuários. Para Archegas, exigir por lei que o cidadão compartilhe dados pessoais potencialmente sensíveis com as plataformas, “que já sabem tudo sobre nós”, vai contra a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que tem entre seus pilares a minimização da coleta de informações pessoais.

Os impactos da medida sobre proteção à liberdade de expressão também preocupam os especialistas. A proposta de exigir identificação busca evitar que o discurso de ódio e crimes se propaguem impunemente pela internet. Entretanto, o anonimato é considerado ferramenta importante para a liberdade de expressão, sobretudo em contextos em que mostrar o rosto pode significar perseguição.

No Brasil, por exemplo, o perfil O Fiscal do Ibama, gerido por um grupo de servidores do órgão, se valeu do anonimato para fazer denúncias no Twitter sobre o desmonte socioambiental durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em entrevista à revista piauí, os responsáveis pela conta disseram que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (PL-SP), teria chegado a oferecer cargo comissionado para quem denunciasse os autores da página.

Em casos como esses, a vulnerabilidade dos servidores em relação a autoridades estatais poderia torná-los alvos de intimidação e assédio judicial caso fossem identificados, desestimulando o surgimento de denúncias. Por isso, para João Archegas, “a identificação pode ter um efeito resfriador no debate público”.

A TRAMITAÇÃO DO PL

Havia uma expectativa de que o “PL das Fake News” fosse colocado para votação na Câmara dos Deputados em junho, após sua tramitação de urgência ter sido aprovada pela Casa em 25 de abril. Entretanto, a retomada das discussões segue incerta, já que o governo tem encontrado dificuldades para reunir votos suficientes para sua aprovação.

O texto perdeu apoio na Câmara, sobretudo entre membros da bancada evangélica, após uma intensa campanha das big techs e por conta da falta de um acordo entre os parlamentares sobre qual órgão deveria ser o responsável por fiscalizar o cumprimento da lei.

Lideranças também chegaram a propor que o projeto fosse dividido, para que os artigos que preveem o pagamento de direitos autorais para artistas e a remuneração do jornalismo pelas plataformas digitais fossem votados separadamente, em outro PL. Até o momento, porém, também não houve acordo sobre o fatiamento.

Referências:

1. Aos Fatos (1, 2 3, 4 e 5)
2. Folha de S.Paulo (1 e 2)
3. YouTube
4. Planalto
5. El País Brasil
6. Twitter
7. piauí
8. Câmara dos Deputados

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